Surto entre indígenas após ato com cúpula do Governo de MS vira denúncia ao MPF
Entidades responsabilizam agentes públicos por explosão de casos de Covid-19 entre indígenas após lançamento de obra; 4 já morreram.
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Um grupo de organizações não-governamentais que atuam junto a populações indígenas e minorias em Mato Grosso do Sul cobrou, em nota, investigações sobre a responsabilidade de integrantes do Governo do Estado quanto à criação de condições para o contágio de coronavírus entre terenas na região de Aquidauana –a 120 km de Campo Grande.
As entidades querem que o Ministério Público Federal apure relação entre um evento público realizado em 2 de julho na Aldeia Taunay-Ipegue e o surgimento de quase 60 casos positivos de Covid-19 entre os indígenas. Quatro deles morreram em decorrência da doença e 2 óbitos aguardam confirmação. A nota denuncia “a irresponsabilidade do poder público estadual, pelo qual criaram as condições para que o povo Terena fosse contaminado massivamente”.
Divulgada na tarde de sexta-feira (24) e reproduzida pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), a nota cobra apurações de membros do Governo e do Poder Legislativo por assumirem o risco de contágio por coronavírus entre terenas. Na data em questão, foi assinada a obra para pavimentação da MS-442, que liga Taunay à BR-262.
A acusação é de que “membros do primeiro escalão do Governo do Estado de MS e da Assembleia Legislativa do Estado assumiram, de forma irresponsável, o risco de contágio da comunidade Terena ao promoverem a assinatura pública de uma obra de pavimentação asfáltica, que ainda não havia sequer iniciado”.
“Tratou-se de um ato eleitoreiro e embusteiro, porque se aproveitou de um direito da comunidade para sujeitá-la a maior doença que nossa geração está passando”, atacam as organizações.
Conforme noticiado pelo Jornal Midiamax, o evento foi anunciado em um momento no qual Aquidauana viu o total de infectados por Covid-19 passar de 1 para 5, contou com convite público via redes sociais para participação da população e resultou em aglomerações. A organização, conforme o prefeito Odilon Ribeiro (PSDB), coube ao Governo do Estado.
Dias depois do evento, autoridades que participaram do encontro anunciaram que testaram positivo para o novo coronavírus. Entre elas, o secretário de Estado de Fazenda, Felipe Mattos, e o presidente da Assembleia, Paulo Corrêa (PSDB). O secretário de Estado de Governo e Gestão Estratégica, Eduardo Riedel, que também esteve no ato, informou em 16 de julho que iniciou isolamento depois de integrantes de sua família testarem positivo para a Covid-19.
Surto de coronavírus entre indígenas deixou pelo menos 4 mortos e 56 infectados até o momento
As entidades reforçam no documento que, na ocasião da assinatura, houve aglomeração de dezenas de pessoas das comunidades indígenas. A testagem positiva de agentes públicos seria uma “probabilidade de alastramento da doença entre os presentes no evento público” com indígenas.
As organizações correlacionam o fato de indígenas presentes ao ato relataram os primeiros sintomas de Covid-19 paralelamente à confirmação do teste de Corrêa, que em 9 de julho se afastou da Assembleia –nesse mesmo dia, o Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) notificou o primeiro caso de contágio indígena por Covid (um homem de 58 anos).
Elas ainda argumentam que, após a confirmação de infecção pelo político, havia “a inequívoca necessidade de que todos que estiveram com ele, principalmente os do evento público por se tratar de uma comunidade indígena, fossem identificados, testados e colocados em quarentena, o que não ocorreu”. Os caciques Célio Fialho (Aldeia Bananal) e Julison Farias (Água Branca), testaram positivo e foram hospitalizados após participarem do evento.
Em 10 de julho, surgiram mais 2 casos. A primeira morte se deu no dia 14, de um indígena de 40 anos, mesmo dia em que 22 casos foram notificados. Até 23 de julho, somaram-se 56 casos positivos e 4 mortes –um casal de idosos pastores e um jovem de 35 anos. “Outras duas pessoas falecidas aguardam os resultados do teste para Covid-19”. De 2 de julho até quinta-feira (23), surgiram 71 casos suspeitos e 56 confirmados.
“São informações que confirmam que o surto da Covid-19 está fora de controle; que o contágio é comunitário e amplo; que o subsistema de atendimento à saúde básica está colapsado por natureza; e que, portanto, medidas urgentes precisam ser tomadas”, registra a nota, reiterando esforços do próprio MPF e demais entidades para reforçar o atendimento às populações indígenas no contexto da pandemia –há informações de que, nas 10 aldeias da região, que reúnem cerca de 7 mil indígenas, faltam profissionais de enfermagem e estrutura de atendimento.
Entidades cobram inquérito da PF e MPF para investigar responsabilidade por surto de coronavírus entre indígenas
O coletivo pede a abertura de inquérito pela Polícia Federal e MPF para investigar a responsabilidade dos participantes no contágio dos indígenas, levando em consideração “o exponencial avanço no número de infectados após o dia da inauguração de obra pública, que ocorreu em contexto de pandemia”.
As organizações criticam ainda a falência do sistema de Atenção Básica à Saúde nas aldeias de Aquidauana e responsabiliza o Estado Brasileiro, que “falha de forma criminosa em prevenir e evitar o Genocídio dos Povos Indígenas”. Entre as ações cobradas dos governos Federal e Estadual, pede-se a instituição de equipes volantes de Saúde, de testagem em massa e distribuição de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) à população indígena e apoio às barreiras sanitárias constituídas pelas próprias aldeias, bem como a imediata implantação de um hospital de campanha específico que possa atender os indígenas.
Via assessoria, o Governo do Estado informou à reportagem que não iria se manifestar sobre as afirmações.
A nota foi assinada pelo Cimi, Aty Guasu Kaiowá e Guarani, CRJP-MS (Comissão Regional de Justiça e Paz de Mato Grosso do Sul), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), CEBSO1 (Comunidades Eclesiais de Base de MS, regional Oeste 1) CNLB (Conselho Nacional do Laicato Oeste 1/CNBB), Pastoral Carcerária Regional, Frente Brasil Popular de MS, Sindjor (Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul), UBM (União Brasileira de Mulheres), IEAB (Paróquia Anglicana da InclusãoMS) Coletivo Terra Vermelha, Diretório Central dos e das Estudantes da UFGD, Conselho Regional de Psicologia de Mato Grosso do Sul, Coletivo Taquara e TEZ (Grupo de Trabalho Estudos Zumbi).
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