Lideranças relatam maus-tratos contra indígenas presos em MS e denunciam ‘armação’ da polícia
Esposas de indígenas afirmam que maridos comem alimentos crus e que armas não eram deles; Sejusp diz que fez ‘trabalho de segurança’
Gabriel Maymone, Marcos Morandi –
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Esposas de indígenas presos há duas semanas em Dourados, após desocupação de área reivindicada como tradicional, denunciam maus-tratos. Também há relatos de que algumas provas usadas no flagrante teriam sido forjadas. Levados pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar, 9 deles cumprem prisão preventiva na PED (Penitenciária Estadual de Dourados).
“Essas armas que a Polícia Militar fala que foram encontradas com nossos patrícios não eram deles. Trouxeram para incriminar a gente, para justificar uma prisão injusta”, comenta uma liderança acampada na retomada Yvu Verá.
No entendimento do indígena, a polícia não teria usado a verdade no dia em que esteve na área reivindicada pela comunidade e também pela empresa que iniciou a construção do muro do condomínio. “Onde que nós indígenas vamos ter dinheiro para comprar uma arma daquelas lá?”, questiona.
“Eles usaram mentira para levar os patrícios lá na delegacia. Será que polícia pode fazer isso? Pra mim isso é um crime. (…) Falaram vamos lá na delegacia assinar uns papéis aí vocês voltam. Mas eles não voltaram. Tão lá preso até hoje. E nós queremos eles soltos porque não devem nada”, relata a liderança, ressaltando que alguns dos presos pertenciam a outra retomada.
Segundo relato de Dona Rosalina, o marido estava indo para o trabalho e apenas passava pelo local, quando foi levado para a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário). “Ele me contou que está sofrendo muito com o frio, que não tem casaco para vestir e está descalço”, conta a esposa. O casal tem seis filhos. Dois deles ainda são pequenos, com dois e quatro anos.
“Eles estão passando frio e com fome. Estão recebendo comida crua, arroz cru, feijão. Eles não têm coberta e dormem no chão frio, sem colchão e sem nada”, relata Sandra, outra mulher acampada na retomada. Ela é esposa de um cacique que também está em uma cela da PED.
“Quero meu marido de volta. O que fizeram com ele é uma grande injustiça. Nós apenas estamos reivindicando o que é nosso. Tenho dois filhos pequenos que pedem pela presença do pai. Além disso, nossa família está sofrendo ameaças de jagunços de outras propriedades que estão rondando nossos barracos. Estamos todos com muito medo”, diz a indígena de 24 anos, esposa de um dos presos.
Segundo outra indígena que pediu para não ser identificada, além das crianças, com ela também moram mais quatro irmãs e dois idosos. Um deles de quase 120 anos. “Se acontecer algum ataque, não temos para onde correr e nem eles teriam condições físicas para isso. Quem anda armado são eles”, comenta a esposa de um dos detidos, com lágrimas nos olhos à reportagem do Midiamax.
Entre os nove indígenas que estão na PED, por força de prisão preventiva, está o ex-candidato ao governo de Mato Grosso do Sul, Magno Souza (PCO). Pedidos judiciais para libertar o grupo tramitam na Justiça Federal e até no STF (Supremo Tribunal Federal).
O habeas corpus ajuizado no TRF-3 (Tribunal Regional Federal da Terceira Região) pela DPU (Defensoria Pública da União) e por mais quatro entidades segue sem análise dos desembargadores. A representação, segundo a defesa, aponta irregularidades jurídicas.
Além desse pedido, também tramita no STF ação que tenta barrar os ‘desmandos’ da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública de MS) ao, supostamente, dar ordem direta para a Polícia Militar intervir em ocupações indígenas em Mato Grosso do Sul.
A reportagem do Midiamax entrou em contato com a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), ainda na sexta-feira (21), sendo informada que “a refeição servida é oferecida por empresa terceirizada, feita na cozinha presídio, com mão de obra dos próprios internos, que cozinham”.
Com relação aos colchões e cobertores, no momento da inclusão já é fornecido ao interno, ou pode ser levado pela família, caso ele prefira. No caso dos indígenas internados na PED, existe um projeto em conjunto com o Judiciário e Ministério Público de garantia de assistência material, reforçando ainda mais o que já é fornecido pela unidade prisional.
Em relação aos procedimentos que teriam sido utilizados pela Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, a Secretaria de Justiça disse que “o trabalho da segurança foi feito e o flagrante convertido em prisão preventiva”.
Recomendações do MPF e DPU
Um documento elaborado pela DPU (Defensoria Pública da União) e também pelo MPF (Ministério Público Federal) recomenda ao Governo do Mato Grosso do Sul que ordens de retirada e reintegração de posse em terras indígenas ocorram somente mediante consulta ao Conselho de Intermediação de Conflitos Sociais e Situação de Risco.
A medida, segundo os dois órgãos federais, é considerada primordial para reduzir o impacto de conflitos fundiários envolvendo comunidades indígenas, matéria que no Brasil está sob análise dos tribunais superiores.
A ação policial mais recente registrada em terras indígenas aconteceu no início do mês, quando a tropa de elite da Polícia Militar, por ordem da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), atuou em remoção de indígenas que ocuparam área em Dourados, onde construtora ergueu muro.
O local está nos limites de terra que passa por processo de demarcação. Nove indígenas foram presos, entre eles o ex-candidato ao Governo de Mato Grosso do Sul, Magno Souza (PCO). Pedido de liberdade foi ajuizado no TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) e ainda espera por análise.
Entre as ponderações da nova recomendação, DPU e MPF também lembram que ações judiciais que discutem a posse e demarcação de Terras Indígenas estão suspensas por decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 1.017.365/SC) até que a corte superior realize o julgamento do marco temporal correspondente à matéria.
‘Uso desproporcional de força‘
O documento também ressalta que a referida ação policial “se deu mediante uso desproporcional da força e sem autorização judicial, utilizando-se de disparos de bala de borracha e lançamento de granadas de efeito moral contra o grupo indígena, resultando na lesão corporal de, pelo menos, três indígenas”.
O documento também faz referência a determinação do STF para que tribunais de justiça e tribunais regionais federais instalem comissões de conflitos fundiários que sirvam de apoio operacional aos magistrados para a retomada da execução das decisões suspensas e que medidas administrativas para remoções coletivas de pessoas vulneráveis sejam realizadas com o conhecimento prévio e manifestação das comunidades afetadas.
A recomendação é destinada ao secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, que tem o prazo de cinco dias, contados a partir do recebimento formal do documento, para responder. Caso deixe de observar a conduta indicada no documento, DPU e MPF podem adotar as medidas administrativas e judiciais cabíveis.
“(…) em todo e qualquer processo de desintrusão ou reintegração de posse com o emprego da polícia, notadamente do Batalhão de Choque da Polícia Militar, seja realizada mediante prévia oitiva do Conselho de Intermediação de Conflitos Sociais e Situação de Risco, conforme dispõe o art. 2º, caput, da Lei n. 3.807, de 17 de dezembro de 2009”, reitera o documento, que é assinado pelo procurador do MPF, Marco Antônio Delfino de Almeida, e pela defensora do MPU, Daniele de Souza Osório.
Medida é prevista em Lei
A Lei nº 3.807/2009 orienta que qualquer procedimento objetivando vistoria, reintegração, desocupação ou demarcação de terras, sejam públicas ou privadas, que exijam a atuação de força policial, requer a solicitação prévia e a manifestação do Conselho de Intermediação de Conflitos Sociais e Situação de Risco do Mato Grosso do Sul.
O colegiado é composto por autoridades estaduais, municipais e representantes do Ministério Público Estadual, da Defensoria Pública Geral do Estado, do Poder Legislativo Estadual, do Tribunal de Justiça do Estado, da Ordem dos Advogados do Brasil e tem dentre suas atribuições determinar a suspensão das operações pelo período que julgar conveniente, até que possa reunir elementos necessários para a análise definitiva da ação.
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