Ação no TRF3 acusa Sejusp-MS de usar PM contra indígenas ‘à revelia’ da Justiça

Ação afirma que uso de forças policiais é prática indevida repetidamente feita em Mato Grosso do Sul

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Desocupação de área onde construtora ergueu muro terminou em prisões (Foto: Marcos Morandi / Midiamax)

A DPU (Defensoria Pública da União) e mais quatro órgãos, entre eles a Funai (Fundação Nacional do Índio), ingressaram nesta quinta-feira (13) na Justiça com habeas corpus pedindo a libertação dos 9 indígenas presos em Dourados no fim de semana. No pedido protocolado no TRF3 (Tribunal Federal da 3ª Região), os órgãos acusam a Secretaria de Justiça de Mato Grosso do Sul de dar ordem direta para atuação da Polícia Militar em desocupação de área indígena. Entre os detidos está o ex-candidato ao Governo de Mato Grosso do Sul nas eleições de 2022, Magno Souza (PCO).

A ação do Batalhão de Choque, a tropa de elite da Polícia Militar, que terminou na prisão, aconteceu durante desocupação de uma área nos limites de terra reivindicada como território indígena, mas onde empresa Corpal Incorporações e Construções iniciou obras de um empreendimento de luxo.

“Importante destacar que a determinação do Sr. Secretário foi dada à revelia de ordem judicial em ação de reintegração de posse, dado que a utilização de forças policiais para a realização de despejos coletivos de comunidades indígenas tem sido prática indevida repetidamente feita em Mato Grosso do Sul”, argumenta a DPU no pedido de liberdade, em caráter liminar, documento a que o Midiamax teve acesso.

O secretário a que a Defensoria da União se refere é Antonio Carlos Videira, titular da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública).

Na representação protocolada no TRF3, as entidades ressaltam que há reincidência na decisão de desocupação e que representam afronta aos direitos humanos. “Note-se que ação idêntica perpetrada recentemente pelo Batalhão de Choque da PMMS foi objeto de medida cautelar concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) (Resolução n. 50/2022, doc. em anexo) que expressamente observou em relação ao Brasil”.

Ainda de acordo com o pedido entregue à Justiça Federal, as entidades alegam que casos como o da comunidade Yvu Verá e também da retomada Guapoy Mirin Tujury, em Amambai, que terminou com morte de um indígena no ano passado, representam perseguição do Governo do Estado contra indígenas.

“Trazem à tona o lúgubre panorama da violência perpetrada contra as comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul, revelando um padrão de comportamento estatal que não pode ser interpretado como uma atuação isolada e eventual”.

A DPU também relata que os indígenas foram conduzidos até à Polícia Civil e durante a prisão em flagrante foram imputados a eles os crimes de esbulho possessório, dano, associação criminosa e posse ou porte ilegal de arma de fogo. Os órgãos criticam o fato de todos os crimes terem sido imputados a todos os nove indígenas presos sem distinção, ou seja, sem detalhar a ação de cada um no suposto crime.

Sejusp diz que cumpriu ‘dever legal’

O Jornal Midiamax questionou o Governo do Estado e a Sejusp (Secretaria de Estado de Segurança de Justiça e de Segurança Pública), por meio da assessoria de imprensa, a respeito das acusações dos cinco órgãos.

Em resposta, a Sejusp informou que agiu no “estrito cumprimento do dever legal, para a preservação da ordem pública e da vida, uma vez que no local uma vítima, indígena, foi agredida com golpes de facão e ameaçada de morte com arma de fogo pelos acusados, que além da Lesão Corporal Dolosa e Ameaça a esta pessoa, cometeram ainda os crimes de Dano, Associação Criminosa, Esbulho Possessório – se o Agente Usa de Violência e, Posse ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito, uma vez que foi apreendida no local uma pistola adaptada para calibre 22 por eles utilizada”.

A secretaria também informou que “todos os acusados reconhecidos pela vítima foram presos e autuados em flagrante delito pelos crimes acima mencionados, sendo a prisão convertida em preventiva pela Justiça Federal, o que comprova a legalidade e necessidade da ação policial”.

A respeito da perseguição denunciada pelos órgãos de proteção aos indígenas e ordem direta dada pelo secretário à tropa de elite da PM, a Sejusp não se manifestou.

A reportagem também tentou contato telefônico com Carlos Videira, mas as ligações não foram atendidas. As tentativas de contato foram devidamente registradas e o espaço segue aberto para manifestação.

O Jornal Midiamax também entrou em contato com o Ministério dos Povos Indígenas, para detalhes sobre acompanhamento federal das ações em Mato Grosso do Sul, e aguarda retorno.

Acionado pela reportagem, o governo de Mato Grosso do Sul enviou nota da Sejusp, reiterando que agiu “no estrito cumprimento do dever legal”.

Equívocos jurídicos

No pedido de liberdade, os órgãos também detalham que o caso foi encaminhado à Justiça Federal em razão da federalização gerada pela área estar sob processo de demarcação como território indígena. No entanto, a DPU afirma que a liberdade dos indígenas poderia ter sido inicialmente analisada, em caráter liminar, pela Justiça Estadual.

“Nesse cenário, caberia ao Juízo Federal o imediato relaxamento do flagrante, até porque os indígenas estavam detidos desde o dia 8 de abril de 2023, sem que tenha lhes tivesse sido oportunizada a análise da (i)legalidade de suas prisões. Não obstante as razões suficientes para o relaxamento da prisão, a autoridade nominada coatora decretou a prisão preventiva”.

Além da DPU e da Funai, o pedido de libertação dos indígenas é assinado pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas e também pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul.

Despejos forçados

Em nota divulgada nesta quinta-feira (13), as entidades sustentam que “não há motivos concretos para a manutenção dos indígenas na prisão, uma vez que a prática dos delitos atribuídos a eles pela Polícia Militar ainda será objeto de questionamentos da DPU durante o inquérito policial, sendo frágeis os elementos colhidos até o presente momento sobre a participação deles em atos criminosos”.

A entidades também argumentam que o Poder Judiciário deve levar em consideração a gravidade das “ações violentas endereçadas à população indígena em Mato Grosso do Sul e os despejos forçados realizados pela Polícia Militar, condutas que já foram denunciadas ao Conselho Nacional e às Cortes Internacionais de Direitos Humanos”.

“[…] os indígenas reivindicam o território de Yvu Vera, há anos, sendo grave a tentativa de criminalização da comunidade que apenas protestava por seus direitos”, conclui a nota das cinco entidades que entraram com representação no Tribunal Regional Federal.

As acusações feitas no pedido de defesa dos indígenas reverberam na própria comunidade. Lideranças indígenas disseram ao Jornal Midiamax, nesta semana, que atuação da Sejusp teria sido feita em ordem direta à PM para intervir no caso.

O direcionamento da secretaria para tropa de elite da PM, o Batalhão de Choque, atuar na retirada dos indígenas, suspeitam lideranças, seria reflexo de pedido direto feito por interessados na construção.

Ação da PM em Amambai terminou com indígena morto, em 2022 (Foto: Marcos Morandi, Midiamax)

Assassinatos de indígenas em Mato Grosso do Sul

O indígena Márcio Moreira, de 25 anos, foi morto no dia 14 de julho do ano passado, em Amambai, e teria sido vítima de uma emboscada, com cerca de 20 pessoas. Ele estava acompanhado de outros quatro indígenas.

A vítima era um dos líderes Tekoha Gwapo’y Mi Tujury, na cidade. Líderes indígenas, que preferiram não se identificar, relatam que Marcos teria sido contratado para realizar um trabalho de construção.

O caso aconteceu 20 dias após o confronto entre indígenas e policiais militares, que resultou na morte de Vitor Fernandes, de 42 anos.

Mato Grosso do Sul é o segundo Estado brasileiro em assassinatos de indígenas no Brasil, atrás apenas do Amazonas, segundo mapa da violência contra povos indígenas do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Em 2021, o Conselho registrou 335 ações violentas contra índios, com 176 mortes. Dessas, 38 foram no Amazonas e 35 em Mato Grosso do Sul.

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