Pedido de liberdade ‘trava’ na Justiça Federal e indígenas estão presos há 12 dias após ação da Sejusp-MS

Tropa de elite da PM prendeu indígenas em área de conflito onde construtora ergueu muro

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Famílias seguem acampadas na área disputada com condomínio (Foto: Marcos Morandi, Midiamax)

Nesta quarta-feira (19), Dia dos Povos Indígenas, nove moradores de retomadas indígenas seguem presos na PED (Penitenciária Estadual de Dourados).  Entre eles está o ex-candidato ao governo de Mato Grosso do Sul, Magno de Souza (PCO). Pedidos judiciais para libertar o grupo tramitam na Justiça Federal e até no STF (Supremo Tribunal Federal).

O habeas corpus ajuizado no TRF-3 (Tribunal Regional Federal da Terceira Região) pela DPU (Defensoria Pública da União) e por mais quatro entidades segue sem análise dos desembargadores. A representação, segundo a defesa, aponta irregulares jurídicas.

Além desse pedido, também tramita no STF ação que tenta barrar os desmandos da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública de MS) ao, supostamente, dar ordem direta para a Polícia Militar intervir em ocupações indígenas em Mato Grosso do Sul.

No entendimento das entidades signatárias do pedido, não há motivos para que a prisão seja mantida, uma vez que há inconsistências jurídicas nos procedimentos adotados pela Sejusp.

“Importante destacar que a determinação do Sr. Secretário foi dada à revelia de ordem judicial em ação de reintegração de posse, dado que a utilização de forças policiais para a realização de despejos coletivos de comunidades indígenas tem sido prática indevida repetidamente feita em Mato Grosso do Sul”, justifica a DPU, no documento a que o Midiamax teve acesso.

Na representação protocolada no TRF, as entidades ressaltam que há reincidência na decisão de desocupação e que representa afronta aos direitos humanos. “Note-se que ação idêntica perpetrada recentemente pelo Batalhão de Choque da PMMS foi objeto de medida cautelar concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) (Resolução n. 50/2022, doc. em anexo) que expressamente observou em relação ao Brasil”.

Ainda de acordo com o pedido entregue à Justiça Federal, as entidades alegam que casos como o da comunidade Yvu Verá e também da retomada Guapoy Mirin Tujury2, “trazem à tona o lúgubre panorama da violência perpetrada contra as comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul, revelando um padrão de comportamento estatal que não pode ser interpretado como uma atuação isolada e eventual”.

A DPU também relata que os indígenas foram conduzidos até à Polícia Civil e tiveram contra si lavrada Prisão em Flagrante que lhes imputou, em tese e indistintamente, práticas criminosas definidas como esbulho possessório, dano, associação criminosa e posse ou porte ilegal de arma de fogo, previstas respectivamente nos artigos 161, parágrafo § 2º, 63 e 288, todos do Código Penal, e a última no artigo 16, da Lei nº 10.826/03.

Equívocos jurídicos

Embora a Justiça Estadual, segundo a DPU, tenha acertadamente agido ao declinar a competência – em razão de o pano de fundo das prisões ser efetivamente o conflito existente na região entre indígenas que reivindicam a tradicionalidade de sua ocupação e os funcionários da pessoa jurídica em favor de quem o imóvel está registrado – equivocou-se ao promover a remessa dos presentes autos à Justiça Federal antes de decidir sobre a liberdade dos indígenas presos.

Conduzidos à Polícia Civil, os indígenas tiveram contra si lavrada Prisão em Flagrante que lhes imputou, em tese e indistintamente, práticas criminosas definidas como esbulho possessório, dano, associação criminosa e posse ou porte ilegal de arma de fogo, previstas respectivamente nos artigos 161, parágrafo § 2º, 63 e 288, todos do Código Penal, e a última no artigo 16, da Lei nº 10.826/03.

O pedido de Habeas Corpus entregue no TRF-3 também fundamenta que, a mera remessa dos autos à Justiça Federal sem análise prévia sobre a (ir)regularidade do flagrante e sem decisão fundamentada sobre o status libertatis dos detidos, causou evidente prejuízo aos direitos dos presos.

“Nesse cenário, caberia ao Juízo Federal o imediato relaxamento do flagrante, até porque os indígenas estavam detidos desde o dia 08 de abril de 2023, sem que tenha lhes tivesse sido oportunizada a análise da (i)legalidade de suas prisões. Não obstante as razões suficientes para o relaxamento da prisão, a autoridade nominada coatora decretou a prisão preventiva”, pondera a DPU juntamente com as outras quatro entidades signatárias.

Além da DPU e da Funai, o pedido de libertação dos indígenas é assinado pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas e também pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul.

Mulheres clamam por maridos

Inconformadas, as famílias clamam pela libertação dos envolvidos na retomada de uma área que é considerada por eles como tradicional, mas que também é reivindicada por um grupo privado para a construção de um condomínio de luxo. As obras já foram iniciadas, com parte do muro já levantado.

“Quero meu marido de volta. O que fizeram com ele é uma grande injustiça. Nós apenas estamos reivindicando o que é nosso. Tenho dois filhos pequenos que pedem pela presença do pai. Além disso, nossa família está sofrendo ameaças de jagunços de outras propriedades que estão rondando nossos barracos. Estamos todos com muito medo”, diz a indígena de 24 anos, esposa de um dos presos.

Segundo a indígena que pediu para não ser identificada, além das crianças, com ela também moram mais quatro irmãs e dois idosos. Um deles de mais de 100 anos. “Se acontecer algum ataque não temos para onde correr e nem eles teriam condições físicas para isso. Quem anda armado são eles”, comenta a esposa de um dos detidos, com lágrimas nos olhos à reportagem do Midiamax.

“Essa área e não dessa empresa que quer construir um condomínio de luxo em meio aos nossos barracos. O que será de nós e das nossas criancinhas que já estão sem nada?”, questiona a esposa de outra liderança presa durante ação do Batalhão de Choque da Polícia Militar.

Segundo a indígena, as 10 retomadas abrigam inúmeras famílias que vivem confinadas em barracos que abrigam até uma dúzia de pessoas, amontoadas quase umas em cimas das outras. “Tem gente que pensa que a gente gosta de viver assim, igual bicho. Claro que não! Não somos porcos para vivermos em chiqueiro provisório. Apenas reivindicamos o que é nosso”, explica uma das mulheres dos presos envolvidos na desocupação da área, que já está com parte do muro de lajotas levantado.

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