Com casos recorrentes de desocupações sem mandado judicial, como aconteceu no último dia 8 de abril em , entidades indigenistas vão ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar barrar ‘desmandos' da Sejusp-MS (Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul). A petição será ajuizada pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). A prisão de 9 indígenas, entre eles o ex-candidato ao Governo de Mato Grosso do Sul, Magno Souza (PCO), completa 10 dias nesta segunda-feira (17).

Ainda sem decisão a respeito de pedido de liberdade protocolado no TRF3 (Tribunal Regional Federal da Terceira Região) na semana passada, a APIB decidiu apelar ao STF por meio de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental).

Essa nova medida judicial deve ser ajuizada nesta segunda-feira (17), quando a prisão dos 9 indígenas completa 10 dias e às vésperas do Dia Nacional do Índio, na próxima quarta-feira (19). Os detidos estão na PED (Penitenciária Estadual de Dourados).

Em entrevista ao Jornal Midiamax, o coordenador jurídico da APIB, Maurício Terena, disse que a ação foi formulada para “dar um basta na Secretaria de Justiça e Secretaria de Justiça e Segurança em ações que, se não forem coibidas, podem produzir um novo massacre, como aconteceu na retomada Guapoy, em Amambai, no ano passado”.

Segundo o advogado indigenista, os casos de violência por parte do Governo de Mato Grosso do Sul contra os povos originários estão ganhando maiores proporções. “Estamos diante de uma política de segurança pública que não respeita direitos fundamentais dos povos”, dispara Maurício Terena.

Despejos violentos

Conforme o coordenador jurídico da APIB, os despejos sem ordem judicial contra os indígenas estão se tornando corriqueiros em MS. “A política de segurança pública em operações e retirada de indígenas de terras que não são demarcadas, acontecem de uma maneira extremamente violenta”, explica.

De acordo com definições jurídicas, a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) é uma ação proposta junto ao STF em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, a ser posteriormente referendada pelo Tribunal Pleno.

Segundo Maurício Terena, a ADPF que será protocolada nesta segunda é inspirada no modelo impetrado contra a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, que restringiu ações nas favelas cariocas durante o período de pandemia.

Entidades classificam ações como ilegais

“Por ordem do Secretário de Justiça e Segurança Pública, a Polícia Militar realizou uma operação ilegal, sem ordem judicial, de desocupação forçada do território ancestral Tekoha Yvu Vera, que culminou com a prisão de 10 (dez) indígenas, dos quais 9 ainda se encontram detidos”, diz um trecho da petição que será apresentada ao Supremo Tribunal Federal.

Conforme a ADPF, os indígenas foram encaminhados ao presídio de Dourados por ordem da 2ª vara federal de Dourados, cuja decisão não observou nenhuma das normas jurídicas de proteção aos Povos Indígenas que constam tanto no ordenamento jurídico brasileiro, quanto nos Tratados Internacionais de proteção aos Direitos Humanos, como a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Ainda segundo a entidade indigenista, a Secretaria de Segurança Pública do estado de Mato Grosso do Sul, insiste em manter um modus operandi que utiliza as forças policiais para criminalizar os povos indígenas que fazem suas reivindicações territoriais. O acontecimento levou o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) a cobrar explicações acerca das prisões da Secretaria de Segurança Pública.

“Todavia, no Mato Grosso do Sul existe um estado de exceção no que tange à atuação das forças de segurança. Os indígenas (…) tiveram sua prisão preventiva decretada e, não obstante a emissão de parecer do MPF solicitando medidas cautelares para concessão de liberdade provisória, o juiz (…) manteve os indígenas presos”, diz outro trecho da petição.

Pedido de liberdade

A DPU ( da União) e mais quatro órgãos, entre eles a Funai (Fundação Nacional do Índio), ingressaram na quinta-feira (13) na Justiça com habeas corpus pedindo a libertação dos 9 indígenas presos em Dourados no fim de semana. No pedido protocolado no TRF3 (Tribunal Federal da 3ª Região), os órgãos acusam a Secretaria de Justiça de Mato Grosso do Sul de dar ordem direta para atuação da Polícia Militar em desocupação de área indígena. O pedido ainda não foi apreciado pela Justiça.

A ação do Batalhão de Choque, a tropa de elite da Polícia Militar, que terminou na prisão, aconteceu durante desocupação de uma área nos limites de terra reivindicada como território indígena, mas onde empresa Corpal Incorporações e Construções iniciou obras de um empreendimento de luxo.

“Importante destacar que a determinação do Sr. Secretário foi dada à revelia de ordem judicial em ação de reintegração de posse, dado que a utilização de forças policiais para a realização de despejos coletivos de comunidades indígenas tem sido prática indevida repetidamente feita em Mato Grosso do Sul”, argumenta a DPU no pedido de liberdade, em caráter liminar, documento a que o Midiamax teve acesso.

O secretário a que a Defensoria da União se refere é Antonio Carlos Videira, titular da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública).

Na representação protocolada no TRF3, as entidades ressaltam que há reincidência na decisão de desocupação e que representam afronta aos direitos humanos. “Note-se que ação idêntica perpetrada recentemente pelo Batalhão de Choque da PMMS foi objeto de medida cautelar concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) (Resolução n. 50/2022, doc. em anexo) que expressamente observou em relação ao Brasil”.

Ainda de acordo com o pedido entregue à , as entidades alegam que casos como o da comunidade Yvu Verá e também da retomada Guapoy Mirin Tujury, em Amambai, que terminou com morte de um indígena no ano passado, representam perseguição do Governo do Estado contra indígenas.

“Trazem à tona o lúgubre panorama da violência perpetrada contra as comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul, revelando um padrão de comportamento estatal que não pode ser interpretado como uma atuação isolada e eventual”.

A DPU também relata que os indígenas foram conduzidos até à Polícia Civil e durante a prisão em flagrante foram imputados a eles os crimes de esbulho possessório, dano, associação criminosa e posse ou porte ilegal de arma de fogo. Os órgãos criticam o fato de todos os crimes terem sido imputados a todos os nove indígenas presos sem distinção, ou seja, sem detalhar a ação de cada um no suposto crime.

Empresa já levantou parte de muro em área sem demarcação (Foto: Marcos Morandi, Midiamax)

Sejusp diz que cumpriu ‘dever legal'

Jornal Midiamax questionou o Governo do Estado e a Sejusp (Secretaria de Estado de Segurança de Justiça e de Segurança Pública), por meio da assessoria de imprensa, a respeito das acusações dos cinco órgãos.

Em resposta, a Sejusp informou que agiu no “estrito cumprimento do dever legal, para a preservação da ordem pública e da vida, uma vez que no local uma vítima, indígena, foi agredida com golpes de facão e ameaçada de morte com arma de fogo pelos acusados, que além da Dolosa e Ameaça a esta pessoa, cometeram ainda os crimes de Dano, Associação Criminosa, Esbulho Possessório – se o Agente Usa de Violência e, Posse ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito, uma vez que foi apreendida no local uma pistola adaptada para calibre 22 por eles utilizada”.

A secretaria também informou que “todos os acusados reconhecidos pela vítima foram presos e autuados em flagrante delito pelos crimes acima mencionados, sendo a prisão convertida em preventiva pela Justiça Federal, o que comprova a legalidade e necessidade da ação policial”.

A respeito da perseguição denunciada pelos órgãos de proteção aos indígenas e ordem direta dada pelo secretário à tropa de elite da PM, a Sejusp não se manifestou.

Equívocos jurídicos

No pedido de liberdade, os órgãos também detalham que o caso foi encaminhado à Justiça Federal em razão da federalização gerada pela área estar sob processo de demarcação como território indígena. No entanto, a DPU afirma que a liberdade dos indígenas poderia ter sido inicialmente analisada, em caráter liminar, pela Justiça Estadual.

“Nesse cenário, caberia ao Juízo Federal o imediato relaxamento do flagrante, até porque os indígenas estavam detidos desde o dia 8 de abril de 2023, sem que tenha lhes tivesse sido oportunizada a análise da (i)legalidade de suas prisões. Não obstante as razões suficientes para o relaxamento da prisão, a autoridade nominada coatora decretou a prisão preventiva”.

Além da DPU e da Funai, o pedido de libertação dos indígenas é assinado pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas e também pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul.