Vai à júri popular na próxima sexta-feira (11) Rômulo Rodrigues Dias, acusado do feminicídio de Graziela Pinheiro Rubiano, ocorrido em abril de 2020. O corpo dela nunca foi encontrado e, durante toda a investigação policial e tramitação do processo, o autor não confessou o crime e nem revelou o que fez com o corpo da ex-companheira. Contudo, provas que vão desde exame de luminol no carro e casa da vítima mostrando vestígios de sangue comprovados por DNA, e depoimentos de testemunhas, levaram Rômulo a ser nominado para sentar no banco dos réus.

As investigações foram conduzidas pela DEH (Delegacia Especializada em Crimes de Homicídios), com alguns dos depoimentos das amigas do curso de técnico de que Graziela fazia, colhidos pela DEAM (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher). Com pais falecidos e sua única descendente vista pela última vez quando esta tinha quatro anos de idade, Graziela não tinha familiares em Campo Grande.

A amiga de Graziela, que registrou o boletim de ocorrência de desaparecimento e pediu para não ter o nome divulgado, lembra que o apelido dela no curso era “Bonitona”. Ela classificou o relacionamento da amiga com Rômulo como “estranho”, e revelou que, diferente de Grazi, ele era pouco comunicativo, mesmo no intervalo das aulas. “Eles já tinham um relacionamento estranho. Ele não falava com ela durante o intervalo, sempre olhava com cara fechada quando ela estava sentada conosco”.

A amiga lembra que, certa vez, quando Grazi foi tirar o uniforme do trabalho para vestir o jaleco e entrar na aula prática no laboratório, percebeu marcas roxas em suas costas. “Eu vi uma vez ela com hematomas roxos nos braços, nas costas e no rosto. Eu perguntei o que era aquilo e ela disse para eu não me envolver”, lembra.

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Bucas foram feitas na residência onde casal vivia, mas corpo nunca foi encontrado. (Foto: Arquivo Midiamax)

A amiga também lembra que Grazi “queria muito fazer a festa de formatura com a turma inteira”. “Eu sinto uma tristeza tão grande, ela era uma mulher cheia de sonhos. A única coisa que queria era saber onde ela está, se estiver morta, dar um enterro digno para ela”, diz, esperançosa.

Segundo a diretora da escola onde Graziela e Rômulo faziam o curso de técnico de enfermagem, a turma de Graziela tinha 38 alunos, era unida e já planejava fazer formatura, antes do início da pandemia, quando as aulas foram suspensas. Ela cursava o terceiro módulo e Rômulo o quarto. Jucileide Flores lembra que tanto Graziela como Rômulo eram alunos exemplares, com notas muito acima da média.

Enquanto mostra o boletim semestral de Rômulo, a diretora compara a nota mais baixa, um 8.5, com a fisionomia sem muitas expressões e o aluno de poucas palavras que era. “Ele tirava notas melhores do que ela, mas a Grazi conversava, dava boa noite para todo mundo. O Rômulo não, do jeito que chegava, entrava na sala de aula e ficava”, afirma.

Outra amiga de Graziela, que também preferiu não se identificar por ser uma testemunha do processo, lembra que, na época do desaparecimento, ele não procurou as amigas para saber se estava acontecendo algo com ela. “Ele nunca procurou ninguém, eu que procurei ele para saber porque tínhamos um trabalho para entregar e ela não apareceu. Ele me disse “ela foi embora por conta que ficou com vergonha de um vídeo”, foi quando ele me mandou o vídeo, mas eu não vi nada de mais e falei isso para ele”, relembra.

Grazi já tinha comentado com ela, assim como outras amigas próximas, que não tinha mais relacionamento com Rômulo, mas que ele não aceitava a separação e continuava na residência. “Eu e o restante da sala não íamos muito com a cara dele, pois ele sempre se mostrou ser uma pessoa de comportamento estranho. Ele não era de muitos amigos e vivia na sala, inclusive no intervalo”.

‘Aluno invisível'

Três professoras do curso de técnico de enfermagem, que deram aula para o casal, também conversaram com o Jornal Midiamax. Com a promessa de não serem identificadas, elas lembram que os dois passaram meses sem que ninguém da escola soubesse que tinham um relacionamento. “O Rômulo não falava nada nem nas aulas, quando tinha que falar. Se não citássemos o nome dele para participar, ele não falava uma palavra”.

Rômulo veio transferido de outra escola de cursos técnicos, em sua cidade natal, Três Lagoas, enquanto Graziela começou a nova profissão por causa do ex-companheiro. “Ela já tinha feito um curso de socorrista e estava fazendo outro de necropsia, aos sábados, então vivia conversando com o pessoal da escola e fazendo amizade. Eu estranhei quando ela me procurou e disse que queria trancar o curso porque o marido estava com ciúmes, falei “independentemente da escola, muda de lugar então, mas não deixa de seguir seu sonhos””, relembra a diretora.

Foi nesse dia em que Jucileide ficou sabendo que Graziela tinha um relacionamento com outro aluno. Isso porque, segundo ela e as professoras, o casal não chegava junto, não andava de mãos dadas e nem conversava durante as aulas ou intervalos. Graziela chegava em sua motocicleta, enquanto Rômulo chegava no carro que era do casal.

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Sangue foi encontrado no banco traseiro e teto de carro que Rômulo utilizada. (Foto: Divulgação/ PC)

Após o desaparecimento, Rômulo continuou frequentando as aulas, e chegou a pedir uma reunião com a diretora. Foi quando apresentou um vídeo íntimo de Grazi. “Eu disse que não queria assistir e nem saber, e então ele me pediu para que, se ela viesse na escola, eu falasse que ela podia voltar para casa para pegar as coisas dela. Eu até falei “tenha calma, casamento é difícil hoje em dia”, e depois ele apareceu na escola de novo, para pagar a mensalidade, dizendo “você acredita que estão falando que eu que sumi com a Grazi?”. A gente tomou um susto”, afirma.

Para as professoras, se não fossem as amigas de sala comunicarem o desaparecimento e insistirem no sumiço de Grazi, o crime não teria sido descoberto. “Eu achei uma atitude muito nobre, que não é qualquer pessoa que vai tomar hoje em dia”, afirma uma professora. “Nós perguntamos “vocês já entraram em contato com o Rômulo? Viram se ela não postou nada?”, comentou outra.

Depoimento de Rômulo

Durante depoimento prestado no dia 11 de abril de 2020 na DEH, Rômulo apresentou uma versão contraditória do sumiço de Graziela, e que não convenceu os policiais nem no primeiro momento. Segundo consta nos autos, ele afirmou que Grazi teria ido embora na segunda-feira (dia 6 de abril) “depois de uma mulher homossexual ter ido à casa em que moravam e mostrado um vídeo íntimo de Graziela, dizendo que a vítima tinha remetido à suposta namorada o vídeo”. Conforme ele, Grazi estava tendo um caso.

Um relacionamento de Graziela veio à tona durante as investigações, e o depoimento do rapaz serviu para que as datas citadas por Rômulo de onde a ex-companheira e ele estavam nos dias que antecederam sua prisão, fossem confrontadas, revelando sua mentira. O homem, que trabalhava com Graziela no mesmo estabelecimento, revelou que esteve com ela em um motel no sábado (4 de abril), corroborando as diligências feitas pela polícia.

O proprietário da empresa onde Graziela, Rômulo e o rapaz trabalhavam afirmou que na manhã daquele mesmo dia o autor e a vítima foram trabalhar normalmente. Contudo, na segunda-feira seguinte, Rômulo procurou o patrão para conversar, e disse que Grazi “havia passado a ele o uniforme da empresa e chaves com que abria o escritório”, alegando uma discussão entre eles em razão do vídeo íntimo de Grazi e que “ela gostava de mulher”. Segundo ele, Graziela tinha “ido embora para o estado do Paraná apenas com algumas roupas e mandou dizer que faria contato por telefone para oficializar o desligamento da empresa”.

Fundamentais também durante as investigações, as amigas de Graziela discordaram de Rômulo, afirmando que ela costumava falar que estava contente com o serviço, era dedicada aos estudos e estranharam ela ter saído do emprego sem dar satisfações ao patrão. Além disso, contaram que Grazi já havia dito estar infeliz no relacionamento com Rômulo “pois ficava responsável pelo pagamento de todas as contas da casa e ainda disse ter sido agredida fisicamente por ele, afirmando que só não terminava porque ele dizia que iria se matar”.

Localização do GPS

O acesso ao GPS do celular de Rômulo apontou outras contradições em seu depoimento. Ele alegou que, no sábado antes do desaparecimento, tinha ido com Graziela até o terreno onde construíam uma casa, no Balneário Atlântico. Contudo, a localização do aparelho indicou que ele foi para o motel onde Graziela estava com o amante. Em seguida, após 22 minutos parado no local, ele segue pela e o GPS para de funcionar e volta apenas às 16h48, no final do dia.

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Exame de luminol serviu para comprovar que Rômulo é autor do crime. (Foto: Arquivo Midiamax)

O GPS ainda indicou que no domingo (05/04) ele foi até uma conveniência na Avenida Eduardo Elias Zahran. Entretanto, ele alegou em depoimento que estava com Graziela e ela teria pedido para que ele comprasse uma cerveja. Um funcionário da conveniência informou, na delegacia, que não viu nenhuma mulher acompanhando Rômulo naquele dia.

Rômulo afirmou que, depois de passar na conveniência, seguiu pela Avenida Ministro João Arinos até o Balneário Atlântico, sem fazer paradas. Entretanto, sua conta de e-mail apontou que ele fez uma parada em um posto de na saída de Três Lagoas, na BR-262. Após a parada, o telefone é desligado, além das funções de wifi e GPS. O aparelho esteve em modo avião, ou desligado, até às 17h59, quando só então é confirmado o deslocamento até o Balneário Atlântico. Por meio da localização, foi possível comprovar que ele não esteve no terreno naquela tarde, contrariando seu depoimento.

Manchas de sangue e DNA

O carro e a casa de Rômulo foram submetidos a perícia e os laudos comprovaram que, apesar dele ter deixado o veículo para lavar no dia seguinte ao desaparecimento de Graziela – conforme comprovado pelo depoimento de um dos funcionários do lava-jato – as duas manchas de sangue eram de Graziela, encontrados no banco traseiro e no teto.

Já na casa dos dois, foram encontradas manchas de sangue que não eram visíveis a olho nu. A constatação só foi possível após exame de luminol na edícula. Também foram encontrados pelos policiais produtos de limpeza pela metade e embalagens vazias, o que indica que ele teria limpado o local.

A comprovação de que o sangue era de Graziela foi possível após a filha dela ceder material biológico para confronto. As marcas de sangue estavam no piso da calçada, próximo à pia de lavar louças, no tanque de roupas – onde também estava uma escova de lavar, com marcas – no quarto e nas paredes da casa. Rômulo será julgado por homicídio qualificado por feminicídio e ocultação de cadáver.