O smoking, a quebra de protocolo e a liberdade de ser aquilo que se é

Em vez do vestido, Jéssica apostou no terno e teve a formatura dos sonhos  

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Em vez do vestido, Jéssica apostou no terno e teve a formatura dos sonhos  

Aos 17 anos ela se formou no colégio. Como manda o protocolo, usou vestido, maquiagem, penteado e salto alto. Tem boas lembranças da noite com os amigos, mas, de fato, o que marcou Jéssica Vilela, hoje com 23 anos, foi o desconforto e o constrangimento por conta do traje que lhe foi imposto.

“Não sei usar salto. Não uso vestido. E justo na noite que eu mais esperei, na época, tive que me vestir assim. Foi tão constrangedor, me senti tão mal, tão ridícula. Mas não tinha maturidade e nem discernimento para questionar aquilo”, conta. Como oradora da turma, as pernas tremeram durante todo o discurso. Por medo e insegurança.

Desde pequena, foram as bermudas, camisetas, tênis e bonés, as peças que mais compuseram seu guarda-roupa, era assim que se sentia confortável.

Com o passar dos anos, a certeza que sempre carregou se tornou ainda mais forte: nos homens, apenas as roupas lhe atraíam. O processo de aceitação de sua orientação sexual não foi fácil, pelo contrário, foi complexo e doloroso

“A sociedade sempre determinou [mesmo que de forma velada] que eu coibisse o meu desejo, quem eu era. Mas quando comecei a faculdade de psicologia e a terapia, descobri que não era assim. Que existem outros modos de viver, de ser. E que eu não precisava ser como queriam que eu fosse.”

Enfrentou a resistência inicial, o medo e o desconhecimento, mas também descobriu o apoio incondicional das “quatro mães” que possui. “Minha família sofreu aquele baque, sabe? O medo era do que a sociedade poderia fazer comigo. Como eu seria vista, qual a minha imagem a partir disso. Com o tempo viram que eu não mudei em nada, exceto na segurança, e as coisas melhoraram muito. Hoje todos me apoiam mais do que eu imaginei que me apoiariam um dia”.

Mas voltando às formaturas, havia outra pela frente. Agora mais madura e segura, tinha uma certeza básica: não queria nada a incomodando durante sua noite mais importante. “Comecei a pesquisar. Não sabia que roupa usar. Até que uma amiga sugeriu o smoking. Conversei com minha família e decidi que era isso mesmo.”

Depois do traje escolhido, era hora de definir o penteado e maquiagem. Ao lado da avó, mãe e tias definiu que usaria trança e pouca maquiagem. “Não queria me sentir um personagem. É isso que eu sou. E nada mais natural do que me vestir assim na minha formatura”

E assim foi feito. Com trança nos cabelos e trajando smoking ela curtiu o baile de formatura como nunca imaginou na vida. Sim, de fato é só uma roupa e o ideal seria que ela não dissesse tanto sobre nós como pessoas [até porque não dizem nada], mas diante da falta de visibilidade, de referências e liberdade para se ser o que realmente somos, quebrar o protocolo e trajar um smoking foi libertador.

“Eu não consigo descrever o que senti. Era eu, como sou de verdade. Sem criar um personagem para ser aceito. É só uma roupa, mas para mim foi muito mais do que isso”, disse. Para quem a conhece, imaginar Jéssica com outro traje é quase impossível. “Consegui a formatura dos meus sonhos. Dancei com minha avó e minhas tias, recebi apoio e carinho. Foi incrível e gostaria que todos pudessem se sentir livres assim”, disse.

O smoking, a quebra de protocolo e a liberdade de ser aquilo que se é

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