20 anos depois, 20 famílias viram 135 e muita coisa mudou na 1ª aldeia da Capital
A comunidade Marçal de Souza foi a primeira aldeia urbana regularizada no Brasil
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A comunidade Marçal de Souza foi a primeira aldeia urbana regularizada no Brasil
Em 1993, Enir da Silva Bezerra, acompanhada de 20 famílias indígenas, ocupou uma área de 5 hectares do Bairro Tiradentes, periferia de Campo Grande. No terceiro dia de ocupação, 70 famílias já se aglutinavam debaixo das lonas em moradias precárias. Foram dois anos de luta para que em 9 de julho de 1995, a comunidade fosse finalmente regularizada como a primeira aldeia urbana de Campo Grande e do Brasil.
Intitulada Marçal de Souza, em homenagem ao líder Guarani assassinado em 1983, a comunidade abriu o caminho para centenas de indígenas sul-mato-grossenses que mais tarde migraram para a Capital a procura de trabalho e melhores condições de vida. E história de todas essas pessoas se confunde com a de Enir, sagrada cacique da comunidade mais tarde, a primeira mulher em tal posto no Brasil.
Para ela, a migração inevitável teve seus pontos positivos, mas também muitos negativos. “Nós deixamos as aldeias imaginando que encontraríamos algo melhor na cidade. Um trabalho, uma casa digna. No entanto, por aqui, a história foi bem diferente. Sem qualificação profissional, não encontramos empregos e aos poucos fomos exprimidos nas periferias em moradias impróprias, verdadeiras favelas”, conta.
Diante da situação difícil, Enir juntou os seus e partiu para a ocupação sem imaginar a proporção que tudo tomaria. “Nós chegamos lá com 20 famílias. Éramos poucos, sem muita pretensão de conseguir alguma coisa. Mas tudo cresceu tão rápido que o poder público foi forçado a nos atender”, diz orgulhosa.
O começo não foi nada fácil. Sem a infraestrutura necessária para atender as famílias, foi preciso insistir para aos poucos conquistar o que consideram hoje grandes conquistas. “A nossa escola é algo que nos orgulha muito. Temos professores que ensinam a língua materna e estimulam o resgate da nossa cultura. A oca onde funciona o nosso memorial também é muito importante para a gente”, diz Enir.
Por aqui, todos se conhecem pelo nome dos pais. “Os filhos, as gerações mais novas, não conhecemos por nomes, mas se dizem quem é a mãe ou o pai, sabemos na hora”, explica, ao contar que mesmo exprimidos na região do Tiradentes, nunca houve conflitos com vizinhos de fora da aldeia ou qualquer outra situação.
Não é o convívio que preocupa, e sim o êxodo de outros indígenas para a cidade, o que para ela, é uma tendência irreversível. “Com vinda para a cidade, as aldeias ficam fragilizadas, desguarnecidas e a luta pela terra o conflito em que nos encontramos se torna ainda mais duro”, diz.
O movimento de migração começou na década de 60, mas foi na década de 90 ele tomou força. Passados 20 anos desde a criação da Marçal, cinco aldeias já foram formadas nos arredores da cidade e a população dividida entre elas já superou 11 mil pessoas. “Ainda é pouco diante dos tantos que planejam vir para cá”, conta.
Para Hildebrando Campestrini, escritor e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, a migração é, de fato, inevitável. “A migração do índio, saindo de sua aldeia para buscar os centros urbanos, é um fato inegável e… irreversível. O índio um pouco mais instruído não aceita mais aquelas condições de vida da aldeia, onde não encontra um mínimo de conforto e progresso para sua família. Aqui, sem recursos e preparação profissional, aloja-se em terrenos abertos, na periferia, iniciando verdadeiras favelas. O poder público deve estar atento a este fenômeno, como fez o prefeito Puccinelli quando construiu a primeira aldeia indígena urbana. Observe-se que, em relação ao número de habitantes da cidade, a população indígena é ainda insignificante. No entanto, num futuro não distante será bem mais significativa”, disse.
Água Bonita, Tarsila do Amaral, Darcy Ribeiro e a comunidade indígena do Núcleo Industrial concentram hoje a maioria da população indígena de Campo Grande. No entanto, boa parte dela ainda vive em áreas sem infraestrutura, verdadeiras favelas espalhadas pela cidade. Um dos exemplos é a concentração que se forma no Bairro Caiçara.
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