Gigantes da cana avançam e Mato Grosso do Sul tem maior sobreposição de terras indígenas do Brasil
Em 2023, o Estado alcançou a marca de 4º maior produtor de cana do Brasil, com 19 usinas operando e 860 mil hectares de cana
Evelin Cáceres –
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Mato Grosso do Sul é o Estado que tem o maior número de sobreposições de fazendas em áreas de terras indígenas do Brasil, com 630 imóveis ao todo. E o número cresceu exponencialmente nos últimos anos devido ao aumento de áreas de plantação de cana-de-açúcar, com incentivos do Governo do Estado, por meio de programas como o MS Renovável.
A maior sobreposição, a da Fazenda Terra Preta, invade 10.151 hectares da TI (Terra Indígena) Kadiwéu e está em nome de Helio Martins Coelho, ex-presidente da Acrisul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul), falecido em 2008.
O maior conglomerado financeiro do Hemisfério Sul, o Banco Itaú, tem conexões econômicas com quatro sobreposições de terras indígenas no Estado. O fundo de investimento Kinea, que faz parte do grupo Itaú, investe em uma empresa de serviços agropecuários que tem, como um dos sócios, o dono de um imóvel que avança com 53,4 dos seus 715,7 hectares sobre a TI Guyraroká.
Com a internacionalização da Cosan, que junto com Shell controla a maior produtora de açúcar e etanol do mundo, a Raízen, a família de Rezende Barbosa foi gradualmente vendendo suas ações. Consta como último dos grandes acionistas individuais que não pertenciam à família Ometto, deixando o conselho de sócios em 2019, Roberto de Rezende Barbosa.
A Campanário é uma das principais fornecedoras da Raízen no Mato Grosso do Sul. Em agosto de 2022, a empresa foi homenageada pela multinacional com o título de “Produtor de Excelência” e foi reconhecida como “modelo de gestão de sustentabilidade” pelo programa Elo Raízen.
Ao todo, Mato Grosso do Sul possui 238.907,69 hectares em áreas sobrepostas, concentrando-se especialmente na TI Kadiwéu, em Porto Murtinho, na divisa com o Paraguai, e nas TIs Sete Cerros e Arroio-Korá, em Paranhos. O levantamento foi realizado pelo Observatório do Agronegócio no Brasil, o De Olho nos Ruralistas, com base nos registros fundiários do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Cana-de-açúcar
Três grandes empresas do setor sucroenergético no Brasil, financiadas com aportes internacionais, têm conexões com propriedades rurais sobrepostas a Terra Indígena Dourados, a Amambaipeguá I, do povo Guarani Kaiowá. São elas o Grupo Cosan, a Usina Santa Adélia e a Usina Três Barras.
Em Laguna Carapã, a Fazenda Campanário tem 238,5 hectares sobrepostos a TI Dourados-Amambaipeguá I. A fazenda pertence à família Rezende Barbosa, historicamente ligada ao Grupo Cosan.
Em 2023, o Estado alcançou a marca de 4º maior produtor de cana do Brasil, um crescimento de 8% em relação ao ano passado, que registrou 40,9 milhões de toneladas de cana. São, segundo a Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar), 19 usinas operando com 860 mil hectares plantados de cana.
MS Renovável
Em apoio ao setor, a Semadesc desenvolveu o “MS Renovável”, para estimular a implantação e ampliação de sistemas geradores de energia a partir de fontes renováveis, incluindo a de biomassa de cana-de-açúcar.
Conforme a legislação proposta por Jaime Verruck, ficam isentas do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) as operações com energia elétrica fornecida pela distribuidora à unidade consumidora, na quantidade correspondente à soma da energia elétrica injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora com os créditos de energia ativa originados na própria unidade consumidora no mesmo mês, em meses anteriores ou em outra unidade consumidora do mesmo titular.
Com isso, o MS Renovável também dispensa o pagamento do ICMS em operações de importação e aquisição interestadual de baterias, máquinas e outros equipamentos a serem usados na produção de energia de biomassa. Ou seja, todas as usinas que sobrepõem terras indígenas no Estado têm acesso ao benefício.
No Brasil, não houve casos de violação de direitos de povos indígenas. Mantemos o nosso compromisso de proteção aos direitos das comunidades indígenas que habitam as terras próximas à unidade produtora localizada em Caarapó, no Mato Grosso do Sul e, seguimos rigorosamente nossa conduta de não adquirir cana-de-açúcar de fornecedores de áreas declaradas indígenas na região.
Raízen nega violações
No relatório anual de 2020-2021 da Raízen, consta a informação de que “no Brasil, não houve casos de violação de direitos de povos indígenas. Mantemos o nosso compromisso de proteção aos direitos das comunidades indígenas que habitam as terras próximas à unidade produtora localizada em Caarapó, no Mato Grosso do Sul e, seguimos rigorosamente nossa conduta de não adquirir cana-de-açúcar de fornecedores de áreas declaradas indígenas na região”, ao contrário do que aponta o relatório.
Sobre a época da pandemia, em 2021, a Raízen teria sido um dos focos de contaminação da aldeia Teý’ikue. Os dois primeiros indígenas contaminados eram trabalhadores da cana-de-açúcar. A empresa informou que afastou imediatamente mais de 200 indígenas da produção. No entanto, os líderes da região afirmaram à época que as companhias demoraram a atuar ou tomaram medidas pouco efetivas sobre a contaminação.
Mesmo assim, consta no relatório da Raízen que “especificamente em Caarapó (MS), município que abriga aproximadamente 5 mil indígenas guaranis, entre kaiowás e ñandevas, e onde está localizado um de nossos parques de bioenergia, foram distribuídos insumos para higienização e equipamentos como máscaras para proteção individual. Trabalhadores indígenas aldeados dessa unidade receberam comunicações personalizadas, em língua guarani, assim como uma Central de Atendimento. Por meio de conversas transparentes e próximas com a comunidade, todos os trabalhadores indígenas do nosso time foram afastados, aos quais foram assegurados suporte adicional aos direitos trabalhistas”.
Acionada pelo Jornal Midiamax, a Raízen informou que “a empresa reitera seu compromisso de não produzir ou adquirir cana-de-açúcar em áreas legalmente declaradas indígenas. Em relação à pandemia, os trabalhadores indígenas foram afastados preventivamente pela companhia, em acordo com os protocolos da OMS e da SESAI/MS, antes de qualquer registro de contágio no município de Caarapó, sem que apresentassem sintomas e sem prejuízo à remuneração. A fim de garantir a segurança alimentar, tendo em vista a não recomendação de trânsito fora das aldeias, também fizemos a doação de cestas básicas durante o período“.
Palco do genocídio
Em junho do ano passado, Vitor Fernandes, de 42 anos, foi morto após confronto entre indígenas e policiais militares. Depois de 20 dias, o indígena Márcio Moreira, de 25 anos, foi morto em Amambai, e teria sido vítima de uma emboscada, com cerca de 20 pessoas. Ele estava acompanhado de outros quatro indígenas.
A vítima era um dos líderes Tekoha Gwapo’y Mi Tujury, na cidade. Líderes indígenas, que preferiram não se identificar, relatam que Marcos teria sido contratado para realizar um trabalho de construção.
Em abril, 11 indígenas, entre eles o candidato a governador pelo PCO (Partido da Causa Operária) Magno de Souza, foram presos após contestarem a construção de um condomínio de alto padrão em Dourados. Eles foram presos após ocuparem área da construção da Corpal Incorporadora e Construtora, que ignorou recomendações do MPF (Ministério Público Federal) para interromper a obra, permitindo a ocupação que resultou nas prisões.
Mato Grosso do Sul é o segundo Estado brasileiro em assassinatos de indígenas no Brasil, atrás apenas do Amazonas, segundo mapa da violência contra povos indígenas do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
Em 2021, o Conselho registrou 335 ações violentas contra índios, com 176 mortes. Dessas, 38 foram no Amazonas e 35 em Mato Grosso do Sul.
Marco temporal
O banco Itaú usou o Marco Temporal para rebater o questionamento do levantamento, afirmando que até o momento da venda, em 1980, “nenhum documento relacionado à propriedade apresentava qualquer irregularidade” relativa à incidência em território Guarani Kaiowá e também que “a propriedade citada não pertence à empresa investida ou suas subsidiárias”.
Pertencente ao povo Guarani Kaiowá, o território possui um papel central na discussão sobre o Marco Temporal. Em 2014, o procedimento administrativo de demarcação da TI Guyraroká foi anulado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), acolhendo a tese de produtores rurais da região de que os indígenas só teriam direito ao território se pudessem comprovar sua ocupação ininterrupta desde 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.
Essa tese não considera que milhares de indígenas foram continuamente expulsos de suas terras antes, durante e depois da aprovação da lei maior, só conseguindo retomá-los em anos recentes. No dia 7 de junho, a corte vai retomar o julgamento.
Nessa semana, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, defendeu a prevalência do “direito originário” nas terras tradicionalmente ocupadas. “Nós estamos trabalhando para destravar muitos outros procedimentos de terras indígenas que estão parados. A orientação do Ministério dos Povos Indígenas é fazer a promoção da política indigenista, fazer a proteção do território e cumprir a determinação constitucional de demarcar e proteger as terras indígenas”, disse. “É claro que queremos fazer isso com segurança jurídica, observando o rito demarcatório e o devido processo legal, além de seguir as orientações jurisprudenciais consolidadas no Supremo”, defendeu na Câmara dos Deputados.
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