Especialista desmente ‘desculpa’ de políticos para buracos nas ruas da Capital
“Falar que chuva e calor destroem o asfalto é asneira”
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“Falar que chuva e calor destroem o asfalto é asneira”
Depois que a Operação Lama Asfáltica colocou sob suspeita obras públicas realizadas em Mato Grosso do Sul, os problemas com asfaltamento logo remetem à desconfiança da população sobre a relação entre corrupção e a qualidade do serviço. Nos últimos meses, Campo Grande foi novamente tomada por buracos e o Midiamax conversou com um especialista em obras de pavimentação para esclarecer alguns mitos sobre o assunto.
A situação atual das ruas de Campo Grande é calamitosa e justifica o apelido de ‘buracolândia’ até mesmo para avenidas recém-inauguradas. Mas, não é novidade. Em 2010, crateras se abriram por toda a cidade e o então prefeito Nelson Trad Filho reuniu a imprensa na Esplanada Ferroviária para explicar “estragos feitos pela chuva”.
Seis anos e dois prefeitos depois, o argumento de que sol forte e chuva intensa destroem o asfalto continua sendo utilizado pelos políticos. Para tentar entender o que acontece com a malha viária de Campo Grande, a reportagem falou com o engenheiro civil e professor universitário João Virgilio Merighi, um dos maiores especialistas em pavimentação no Brasil, para saber se apenas as condições climáticas podem servir de ‘desculpa’ para a buracolândia.
E a resposta é categórica: “Um pavimento bem projetado deve durar, no mínimo, 30 anos. Falar que chuva e calor destroem o asfalto é asneira. Essas são condições previstas em projeto e este é um mito que deve ser derrubado. Então, se um pavimento cede ou cria buracos, é porque não foi bem projetado. Existem pavimentos feitos para durar 50 anos, e outros para durar 50 dias, até acabarem as eleições. Desgaste prematuro está muitas vezes ligado à corrupção”, analisa.
“Neste caso, o ex-prefeito está muito equivocado. Se ele é engenheiro, tem que cassar o CREA dele e se não for, que fique quieto e mande quem entende do assunto falar. Se essa asneira que ele falou fosse verdade, como ficariam os pavimentos do Norte do Brasil? Na Amazônia? E em países de clima frio onde se tem de 2 a 3 meses de neve e depois a temperatura chega a 40 e 50 graus Celsius, como é o caso da Alemanha?”, questiona se referindo à fala do então prefeito de Campo Grande 6 anos atrás.
Custo de construção x tapa-buraco
Outra observação do engenheiro, bastante curiosa, é de que a pista do Aeroporto Internacional de Campo Grande não tem buracos, enquanto uma avenida nova aberta ao lado do aeroporto já apresenta vários sinais de deterioração. “Conheço o solo da cidade e o aeroporto. A pista é excelente, apesar do desaforo que recebe diariamente com o pouso de aeronaves de toneladas. Então ônibus lotados e caminhões que têm permissão para circular pela cidade também não podem ser usados como justificativa para as crateras”, explica João Merighi.
Para o engenheiro, a solução seria cobrar, nos projetos de engenharia e estudo técnico que são feitos antes das pavimentações, durabilidade mínima do asfalto. “Com isso, a prefeitura e o governo poderiam exigir que o asfalto dure 30 anos. Se existir algum buraco na via antes disso, é obrigação da empresa fazer o tapa-buraco, ou o recapeamento. Muito dinheiro público seria poupado”.
Sobre a alternativa encarecer os projetos, João é enfático. “O que existem são empreiteiras que cobram caro para replicar projetos de engenharia e apenas realizar algumas adaptações. Tem empresas, que não são sérias, que apenas fazem adaptações em projetos. Tudo isso tem que ser acompanhado de perto pela administração pública”.
Para fazer um asfalto com durabilidade e qualidade necessárias para durar 30 anos, o engenheiro afirma que o acréscimo seria, grosseiramente, de 20 a 30% no preço. “Basta fazer bem feito. Tem que selecionar solo e fazer obra com engenharia. Pavimento é para se pensar de 40 a 50 anos. Mas a conversa começa em pelo menos 20 anos. É só controlar a obra”.
Para mudar o perfil do asfalto feito em Campo Grande, o engenheiro explica que é preciso comprometimento do poder público. “A solução é contratar uma empresa isenta, com reconhecimento de qualidade nacional e internacional, para fazer o diagnóstico de solo e verificar, por região, quais as melhores soluções. Não é professor de universidade ou empreiteiro que visa ganhar licitação que vai resolver os buracos da cidade”.
Mesmo após o escândalo da Operação Lama Asfáltica, que revelou empreiteiras apresentando projetos sem execução total dos serviços – que acaba gerando rodovias de má qualidade me todo o Estado, João acredita que é possível fazer um asfalto de qualidade. “No país ainda existe gente séria. Já ouvi de um empreiteiro que podia arrancar uma tranca de cinco quilômetros, que estava mal feita. Eu fiquei assustado. Esse é só um exemplo de que quando a empresa é séria, ela entrega um serviço de qualidade. Isso é possível”.
Bernal, Olarte e Nelsinho
Apesar da situação atual das ruas, o atual prefeito, Alcides Bernal (PP), mantém contratos com empreiteiras que já atendiam a prefeitura na última década para ‘manutenção’ das vias públicas. O serviço de tapa-buraco da Prefeitura de Campo Grande continua a ser feito pelas mesas empresas das gestões de Nelson Trad Filho e Gilmar Olarte e são ligadas a Abimael Lossavero, dono da Selco Engenharia.
Alcides Bernal anunciou em novembro do ano passado que as empresas Selco Engenharia, Pavitec, Gradual, Wala e Diferencial realizariam o serviço, deixando a população sem novidades nos contratos que rondam, há anos, a administração municipal. À época, ele disse que a Usimix forneceria a massa asfáltica e que uma equipe da própria Prefeitura ajudaria na realização do serviço.
Após a situação da pavimentação chegar ao caos, com inúmeras ruas sendo consumidas pelos buracos a ponto de o asfaltamernto desaparecer, e acidentes causarem até mortes, nas últimas semanas estão sendo retomadas as manutenções. Uma das empresas que realiza o trabalho, a Selco foi flagrada no início de 2015 tapando “buracos fantasmas”. Na época, a assessoria do então prefeito Gilmar Olarte (PP) alegou que o reparo foi feito para fechar uma rachadura, de forma preventiva, para que não fosse formado um buraco no local.
A empresa é um “berçário” de novos empresários do ramo do tapa-buraco. Por exemplo, a Gradual Engenharia, que também foi contemplada com a sequência do contrato da Prefeitura, é de propriedade de Caio Vinicius Trindade e Luciano dos Santos Neto. Ambos já foram sócios de Abimael na Selco.
A Diferencial Engenharia é comandada por Acir Magalhães, que fez parte da JW Engenharia e, por meio dela, fez importantes doações nas campanhas de Nelson Trad Filho e Antonieta Amorim, deputada estadual irmã de João Alberto Krampe Amorim dos Santos, dono de contratos milionários com o governo André Puccinelli (PMDB) e envolvido em esquema de desvio de dinheiro da Operação Lama Asfáltica.
A Wala e a Pavitec também mantém contratos com a Prefeitura desde a gestão de Nelson Trad Filho. Sobre os valores atuais, a Prefeitura afirmou que repassaria ‘apenas’ R$ 2 milhões às empresas pela execução do serviço, já que a lama asfáltica passou a ser fornecida.
A equipe de reportagem tentou entrevistar o secretário da Seintrha (Secretaria Municipal de Infraestrutura, Transporte e Habitação), Amilton Cândido de Oliveira, sobre os projetos da atual gestão para melhorar as perspectivas para o asfalto em Campo Grande, mas não foi recebida até a publicação desta matéria.
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