Difícil encontrar um bairro de livre de usuários de drogas, bocas de fumo e “minicracolândias”. A cidade está crescendo e com ela a vida paralela tomada pelas drogas, que arrasta pessoas para uma série de crimes, além do tráfico de drogas. Se engana quem pensa que a situação é isolada da periferia. Os bairros nobres também sofrem com a situação, mas principalmente a região Central é ‘cartão-postal' quando o assunto se trata de usuários e venda de entorpecentes.

Prova de que as drogas resultam em outros crimes é o caso grave que aconteceu neste mês quando um menino de 10 anos foi atropelado e ficou em estado grave após uma briga entre dois usuários de drogas provocar correria na Avenida Afonso Pena. A família da criança saía da Igreja Perpétuo Socorro. Os dois usuários aparecem nas imagens correndo em volta da família do menino, o que fez com que ele se assustasse e corresse em direção à avenida. Ele acabou atropelado pela roda traseira do coletivo.

Os dois homens foram identificados e ouvidos, um deles responderá por lesão corporal culposa.

O Jornal Midiamax publica série de reportagens sobre ‘minicracolândias' em Campo Grande e a disseminação de bocas de fumo pelos bairros da cidade, bem como as implicações sociais que esse tipo de atividade criminosa causa. Leia a primeira reportagem da série: “Narcotráfico doméstico avança e ‘minicracolândias' se espalham por bairros de Campo Grande”.

Usuários no Centro de Campo Grande (Foto: Kisie Ainoã, Midiamax)

“Atrás do ponto de venda do entorpecente tem toda uma rede criminosa, ele alimenta não só o tráfico de drogas, ele alimenta o roubo, os crimes de furto, homicídios. Tem relação esses crimes”, explicou o tenente-coronel Rigioberto Rocha, comandante do Batalhão de Choque da Polícia Militar.

No Centro, apesar do cenário se concentrar ao redor da antiga rodoviária, a situação é espalhada, pois quando não são as bocas de fumo físicas, há o delivery. Conforme o tenente-coronel, o tráfico de drogas não é apenas uma questão de segurança pública, mas também de saúde pública, social e de habitação, porém a Polícia Militar tem trabalhado para inibir o comércio atuando na prevenção.

Na região central, por exemplo, existem esses pontos na Orla Morena, antiga rodoviária e na Avenida Costa e Silva. Já os principais bairros são aqueles com número maior de imóveis desabitados e abandonados, que facilita o ilícito, como, por exemplo, os bairros Tiradentes, Nhanhá, Dom Antônio, Planalto, Noroeste, Moreninhas.

Conforme dados da (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), só este ano foram registrados 1.379 ocorrências de tráfico de drogas em todo o Estado, são cerca de 320 por mês. Só na Capital foram 410 casos de janeiro até agora.

Dados do Estado entre janeiro e início de maio de 2023. (Sejusp)

Na região norte da Capital, uma idosa, de 60 anos, que mora nas proximidades do Bairro Danúbio Azul, contou que consegue identificar ao menos três bocas de fumo na região. Segundo ela, que mora há 18 anos no local, as bocas de fumo sempre existiram.

“Você começa a ver a movimentação de entra e sai de gente estranha, de baixa índole, entra e sai também com objetos, acredito que são roubados na tentativa de trocar por droga”, afirmou a moradora.

Segundo a idosa, para sua segurança a frente da casa onde mora é toda fechada com muro e portão até o telhado da varanda, cadeados no portão e grades e proteção na janela. “Mas graças a Deus nunca tentaram nada aqui em casa. É só não mexer com eles. Então eu fico na minha”, diz.

Cuidados que moradores devem tomar

Tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil orientam que os moradores tomem cuidado com essa “população”. Segundo a polícia, sem qualquer discriminação, o morador de rua tem uma relação direta com usuários de drogas e para se evitar uma situação complicada com esse público o certo é evitar contato, denunciar e evitar se arriscar ou ficar exposto.

“Nem todo morador de rua é usuário, mas tem uma relação direta com ele. Há uma campanha, inclusive para se evitar ajudar/ dar esmola, porque de certa forma isso o ajuda a continuar nessa função”, explicou Tenente Coronel Rocha.

A orientação é informar a pessoa sobre as instituições do poder público, Prefeitura e Governo do Estado sobre os órgãos de atendimento que pode ajudá-lo.

Outra orientação é para que de modo algum, o morador deve tentar fazer atividade de polícia, como por exemplo, se tiver algum produto roubado/ furtado por esses usuários, tentar ir até os locais frequentados por eles na tentativa de reaver o objeto.

A principal dica é que assim que perceber, identificar uma boca de fumo é necessário fazer a denúncia. Conforme o delegado titular da Denar (Delegacia Especializada de Repressão ao Narcotráfico), Hoffman D'Ávilla, o correto é apenas fazer a denúncia. “Evita tirar foto, se envolver. Apenas a denúncia é já uma forma de ajudar a polícia”, explicou.

Ainda segundo o delegado, com ajuda dessas denúncias a polícia consegue fazer um mapeamento desses locais e atua, assim como tem feito, por exemplo com as operações por região de combate a esse crime nos bairros.

Concertina instalada em casa, quatro meses após ser invadida por bandidos no Itamaracá. (Foto: Nathalia Alcântara/ Jornal Midiamax)

Segurança

Com uma empresa prestadora de serviços e serralheria na região do Bairro Montevidéu, o técnico em cercamento perimetral, Alexandre da Silva, de 42 anos, contou ao Jornal Midiamax que na maioria das vezes os clientes o procuram para colocar a concertina justamente porque foram alvos de furto/roubo. Já as empresas costumam colocar antes mesmo de inaugurar, principalmente por conta do seguro.

“As placas solares por exemplo, todas têm seguro só que o seguro só cobre se ela tiver cercamento com alambrado ou a concertina, porque há muito furto e roubo do fio de cobre dessas placas”, contou.

Segundo explicou, a concertina é o produto mais procurado pela efetividade em relação a usuários de drogas e o custo, já que para colocar uma cerca elétrica precisa também de um monitoramento, além de .

“A gente costuma falar que a concertina inibe mais que a cerca elétrica, porque o usuário ele vem despreparado para ultrapassar ela, e a cerca elétrica ela não inibe tanto. A cerca pode até funcionar para um ladrão porque ele sabe que vai ter monitoramento, mas para o usuário a concertina é o que inibe o usuário de drogas”.

A procura, segundo ele, vem aumentando cada dia mais. Só esse mês já instalou cerca de 600 metros de concertina, incluindo chácaras.

“Instalei em uma chácara agora porque o pessoal entrou e furtou lá, a polícia identificou que foi usuário, não foi ladrão no intuito de assaltar coisa grande, levaram coisa pouca. Foi cara que optou pela rapidez, levou coisa pouca, mas entrou porque estava fácil, por isso optamos pela concertina, a manutenção dela é baixa, quase zero, só se danificar mesmo. Caso contrário até 4 anos sem manutenção”, concluiu.

Conforme a visão do delegado de polícia e diretor da Faculdade de da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Fernando Lopes, a situação tem corriqueiramente aumentado nos grandes centros nos últimos anos por diversos fatores. Ele acredita que para coibir e reduzir essas bocas de fumo o foco seria aprofundar as investigações e coibir a entrada dessas drogas na cidade.

“O grande traficante traz, abastece e distribui na cidade, então teria que ter um aparato policial envolvido numa investigação mais profunda para que eles consigam então efetivamente cortar o fornecimento na origem. Essas bocas de fumo, o importante é apreender essas pessoas colaborem na investigação, que também trará benefícios de sentença mais a frente, trazendo a tona a origem da droga, como funciona” afirma.

“Geralmente onde o Estado não está presente constantemente ele permite que essas pessoas tomem conta e criem essas bocas de fumo. Nos bairros mais nobres, podem até ocorrer de ter essas bocas de fumo, mas você vê que é em menos quantidade, porque o Estado está mais presente ali. As pessoas acionam a polícia, presidente de bairro orienta os policiais do que está acontecendo. Já nos bairros mais pobres não tem essa facilidade, a população tem que trabalhar, sair de casa, muitas vezes nem quer se envolver para evitar represálias. O ideal realmente é ter um corpo de investigadores a paisana trabalhando na busca de esclarecer a origem da droga. Como há muitas bocas de fumo, acaba sendo também o trabalho de formiguinha, fecha uma aparece outra”, comenta.

Sinais de que há uma boca de fumo

Conforme a polícia, os sinais são bastante característicos. O ponto de vendas é comércio formiguinha. Ali é o último comércio da droga. O que vende para o consumidor final em pequenas frações. O local é um ponto de venda de drogas, ou mais conhecido como boca de fumo quando há:

• Movimentação intensa de pessoas a pé, de motocicleta, de carro em determinado ponto.

• Comércio acontece de forma rápida, a pessoa pega o entorpecente paga e vai embora.

• Utilização das drogas pela redondeza também é sinal de que ali próximo tem ponto de venda.

• Barulho e movimento também à noite/madrugada. “Eles não dormem, há lugares inclusive que cumprem horário. Em um período é um traficante, no outro já é outro”, detalha o delegado.

• Entrada de objetos de todo tipo, possivelmente fruto de roubo/furto.

“Boca de fumo vai todo tipo de gente, gente envolvida com furto, roubo, homicídio, estupro. Ao fechar uma boca de fumo, o resultado para a população é muito melhor do que apreender uma quantidade maior na estrada, que também é nosso papel combater esses tráficos interestaduais. Nós trabalhamos com várias linhas de frente”, afirma Hoffman.

Denúncias

As denúncias podem ser feitas no anonimato, sem se identificar.

Entre os canais, caso necessite da polícia de imediato, o correto é acionar a Polícia Militar por meio do telefone 190.

Se a denúncia consiste em uma investigação melhor sobre o local, pode ser feita pelo 181.

A Denar é a delegacia especializada na investigação que envolve todo tipo de droga, a denúncia também é anônima e pode ser feita pelos telefones 67 3345-0000 ou pelo celular que também atende pelo WhatsApp 67 99995-6105.