Frequentemente são registradas ocorrências de abandono de incapaz com vítimas de todas as idades. Mas quando deixar uma criança sozinha configura crime? Conforme a delegada titular da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), Anne Karine Trevisan, a lei diz que o crime ocorre quando a criança fica exposta ao risco real. O próprio nome diz “incapaz”, incapaz de se defender, de se proteger.

As vítimas desse crime são de diversas idades, porém é muito comum o registro de ocorrências relacionadas a crianças. No caso delas, não há idade que configure crime, e sim se o local e o tempo em que ela está sozinha oferecem riscos.

“Uma criança de 12 anos tem condições de ficar mexendo no fogo sozinha? Agora a criança de 12 anos pode ficar sozinha enquanto a mãe vai na esquina, no supermercado? Ela tem que estar no risco real de acontecer alguma coisa com ela. Ela tem que ter sido realmente abandonada, não é o simples fato dela ficar sozinha. Agora uma criança de 4 anos ficar sozinha a gente presume que há o risco de qualquer coisa, porque ela tem condições de entender que ela não pode mexer no fogão? Tem que ser analisado cada caso. Não é matemático, é objetivo”, explica Anne.

Ainda segundo a delegada, a responsabilidade cai sobre a pessoa que estava responsável pela criança. Seja mãe, pai ou até mesmo escola, porém toda denúncia é investigada. “Traz para delegacia analisar, escutar o que a criança consegue expressar. É constante que ela fica sozinha? O que estava acontecendo? Há quanto tempo estava sozinha? Estava exposta a perigo?”, afirma.

“A criança passa o dia inteiro sozinha em casa, faz sua própria comida para ir para escola. Não pode deixar. ‘Ah, mas a mãe é sozinha’, mas existe um pai ele também é responsável por isso, independente se ele quer ficar com aquele filho ou não. Muitas vezes, acaba recaindo para a mãe porque é a entidade familiar mais comum, mas aquela criança tem um pai. Ele pode responder também, morando junto ou não”.

Na semana passada, por exemplo, uma mulher de 26 anos foi denunciada por abandono de incapaz em uma cidade de Mato Grosso do Sul. Ela havia deixado quatro crianças de 2, 5 e 7 anos sozinhas, trancadas em um cômodo dos fundos da casa, sem acesso ao portão. A polícia chegou à residência por volta das 11h. A mãe das crianças estava no serviço, em um lava-jato.

Ao retornar, ela contou que deixou os filhos para trabalhar e que era a segunda vez que os deixavam sozinhos, mas foi desmentida pelos conselheiros tutelares que disseram que já haviam recebido outras denúncias.

Ela foi levada para a delegacia e as crianças foram levadas pelo Conselho Tutelar.

Em Ponta Porã, no Dia das Mães, um bebê de 10 meses foi abandonado em frente a uma residência. O bebê foi encontrado por volta das 22h. O morador que encontrou disse que estava em casa com mais seis amigos quando ouviu barulhos no portão.

Quando saiu para ver o que havia ocorrido, encontrou o bebê, que era de olhos castanhos e pele branca, enrolado em um cobertor. Ele disse que não viu quem deixou a criança na calçada da casa. O Conselho Tutelar foi acionado e o bebê levado para um abrigo.  

No início do mês, uma criança de 5 anos foi encontrada perambulando pelas ruas do Bairro Nova Lima, em Campo Grande. A criança teria fugido de casa ao abrir o portão depois de subir em um banquinho e foi encontrada assustada pela dona de uma loja, que acalmou o menino e chamou a polícia.

Após 50 minutos, a mãe da criança foi localizada e ela disse que quando percebeu que o filho não estava em casa saiu a sua procura pelas ruas e esqueceu de ligar para o 190 e pedir ajuda. O Conselho Tutelar afirmou que iria fazer uma notificação para a mãe. O caso foi registrado na delegacia como abandono de incapaz.

O que diz a Lei

O artigo 133 da Lei 2.848 fala que é crime abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade e por qualquer motivo, incapaz de se defender dos riscos resultantes do abandono. A pena para esse crime é de 6 meses a 3 anos de detenção, porém caso a pessoa que ficou sozinha sofra alguma lesão corporal grave resultado do abandono, a pena aumenta para o responsável, passa a ser de 1 a cinco anos. Já se houver morte vai de 4 a 12 anos de reclusão.

A pena também é aumentada em um terço se o abandono ocorre em lugar ermo, ou se o agente é ascendente ou descendente, ou cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima, ou se a vítima é maior de 60 anos ou recém-nascido

Vítimas idosas

Assim como contra crianças, não há idade mínima para se considerar a partir de quando uma pessoa pode ser incapaz em dada situação, mas a lei prevê aumento de pena em casos em que as vítimas sejam idosas – acima de 60 anos.

Contra idosos os casos mais comuns são dos filhos que abandonam os pais. Na semana passada, um idoso de 82 anos foi encontrado abandonado sozinho em casa, no Bairro Monte Castelo. Ele foi encontrado em cima de uma cama, no andar superior da casa em meio a lixo e fezes. Segundo vizinhos, o idoso perambulava nas ruas e vivia sujo e sem se alimentar.

A filha do idoso, que moraria no andar de baixo, não havia sido encontrada. O caso foi registrado na delegacia e o idoso ficou sob cuidados da vizinhança.

Como denunciar

Em ambos os casos, a denúncia pode ser feita pelo Disque 100 (Direitos Humanos). Quando a vítima é criança, a denúncia também pode ser feita na delegacia especializada (67) 3323-2500/2510. A DEPCA fica na Rua 25 de Dezembro, 474, Centro. A denúncia também pode ser feita para o Ministério Público no número 127, ou nos Conselhos Tutelares abaixo:

1º Conselho Tutelar Sul – (67) 3314-6370 / (67) 3314-4482 (ramal 6103) / (67) 9 8403-2579

2º Conselho Tutelar Norte – (67) 3314-4482 (ramal 6100/6104) / (67) 9 8403-5485/ (67) 9 8404-5981

3º Conselho Tutelar Centro – (67) 3314-4337 / (67) 3314-4482 (ramal 6101/6102) / (67) 9 8403-2071 

4º Conselho Tutelar Bandeira – (67) 3314-4482 (ramal 6121) / (67) 9 8403-2384

5º Conselho Tutelar Lagoa – (67) 9 8472-9278 / (67) 9 8457-3096

Já quando a vítima é adulta e tem algum tipo de deficiência ou é idosa, a denúncia pode ser feita na delegacia da sua região, Cras (Centro de Referência de Assistência Social), Defensoria Pública e OAB-MS.