‘Ouvíamos tiros cada vez mais perto’: brasileira relata terror em escola na Flórida

Estava em sala de colégio onde atirador matou 17 pessoas

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

Estava em sala de colégio onde atirador matou 17 pessoas

A brasileira Kemily dos Santos Duchini, de 16 anos, vive com a família na pacata Parkland, de 30 mil habitantes, há quatro anos – e desde 2016 cursa o ensino médio no colégio que se tornou palco da tragédia ocorrida na Flórida nesta quarta-feira.

A estudante estava dentro de sua sala de aula na escola pública Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Florida, enquanto um atirador de 19 anos abria fogo contra alunos, em um ataque que deixou pelo menos 17 mortos. Nikolas Cruz, apontado pelas autoridades como o responsável pelo ataque, havia sido expulso da escola por “motivos disciplinares” e está preso.

Em depoimento por telefone à BBC Brasil, Kemily revela a perspectiva desesperadora dos estudantes, que tentavam se comunicar com as famílias em meio à varredura policial e aos disparos e gritos, que se tornavam cada vez mais próximos.

A mãe, Fabiana Santos, soube do incidente por SMS, em tempo real.

“Mãe, tem alguém na minha escola atirando”, dizia a primeira mensagem de texto trocada entre as duas durante o tiroteio.

“Ela disse que tinha um atirador e depois passou muito tempo em silêncio. Eu fiquei desesperada e achei que o pior tinha acontecido. Depois ela reapareceu, disse que estava bem e que não podia usar o celular”, contou Santos à reportagem. “Só me tranquilizei mesmo quando nos encontramos.”

Kemily narra a chegada da polícia à sala de aula e uma intensa circulação de fotos, vídeos e mensagens entre alunos do colégio enquanto o tiroteio acontecia nos corredores. Mais calma que os colegas, ela preferiu esconder um vídeo que mostrava uma estudante ensanguentada um andar acima de sua sala de aula.

A brasileira conta que a experiência a fez repensar a política americana de armas – um dos pontos mais sensíveis da legislação dos EUA e que divide a população entre críticas inflamadas e defesas apaixonadas.

“Eu nunca tinha prestado atenção em gun control (controle de armas), achava que não tinha a ver comigo. Mas, agora que bateu na minha escola e aconteceu comigo, a gente vê de um jeito diferente. Esse menino provavelmete não tinha idade para ter uma arma. Eu não era antes contra o controle. Nem contra nem a favor. Agora eu acho que tem que ser mais regulado.”

Leia o depoimento da estudante para a BBC Brasil:

“Eu estava em um prédio chamado Freshment Building, que foi o primeiro onde ele entrou. Estávamos fazendo tarefa e a primeira coisa que escutamos foram quatro tiros e barulhos altos, como se alguém estivesse jogando algo muito pesado no chão.

Nós ouvíamos homens gritando e não entendíamos. Os tiros estavam se aproximando da minha sala. Eu estava no segundo andar e percebia que estava subindo as escadas, chegando cada vez mais perto.

Então ouvimos: “Ponha as mãos na cabeça!”. Era a polícia falando com alguém.

Mas continuamos ouvindo muitos tiros depois disso.

Enquanto tudo acontecia, a escola não fez nenhum aviso no sistema interno de alto-falantes. O sinal do fim da aula também não tocou.

Às 15h, bateram na porta da sala de aula dizendo que era a polícia. Por protocolo, regra da escola nesse tipo de situação, nós não podíamos abrir.

Então eles quebraram a janela, pediram para todos colocarem as mãos na cabeça e começaram a fazer perguntas. “Tem alguém armado?” “Tem alguém ferido?”

Eles pediram para todos nós sairmos com as mãos nos ombros das pessoas da frente. Lá fora, eram mais de dez homens da SWAT com armas enormes gritando para nós: “Corram!”, “Andem rápido!”, “Não olhem para trás!”.

O policial disse para não olharmos, mas uma amiga virou e viu uma menina morta no chão.

Nessa hora eles pediram para colocarmos as mãos na cabeça. Andamos até a esquina da escola e lá fora encontramos a polícia, e pais e mães chorando.

Encontrei uma amiga do terceiro andar, onde aconteceu a maior parte da destruição. Ela contou que viu quatro mortos – duas meninas caídas na entrada do banheiro.

No primeiro e no terceiro andares, os banheiros estavam trancados e elas não conseguiram entrar.

Todos os tiros foram na cabeça.

Eu estava calma. Não sou muito de ficar desesperada. As meninas todas choravam, tremiam muito.

A professora estava muito preocupada, você via na cara dela. Mas ela fazia de tudo para nos tranquilizar e dizia que o que estava acontecendo era um tipo de teste, uma encenação. Isso acontece às vezes.

Eu mandava mensagens para a minha mãe enquanto os tiros aconteciam. Eu dizia que estava bem, mas não conseguia escrever o tempo todo porque a professora mandou não usarmos os celulares.

Ela falava para ninguém mandar mensagens, mas estava todo mundo desesperado.

Recebi uma foto de uma menina lá fora na ambulância e um vídeo com um corpo ensanguentado em outra sala de aula.

Não mostrei para os meus colegas porque eles já estavam muito desesperados.

Na minha sala ninguém gritou excessivamente ou fez escândalo. Mas soube que em outra sala teve um menino que teve um ataque de pânico muito forte.

O encontro com a minha mãe foi muito bom. Ela estava muito feliz por me encontrar bem.

O que fica dessa experiência? Bom, eu nunca tinha prestado atenção em gun control (controle de armas), achava que não tinha a ver comigo.

Mas, agora que bateu na minha escola e aconteceu comigo, a gente vê de um jeito diferente. Esse menino provavelmente não tinha idade para ter uma arma. Depois soubemos que ele foi expulso da escola porque encontraram balas na mochila dele.

Eu não era antes contra o controle. Nem contra nem a favor. Agora eu acho que tem que ser mais regulado.”

Conteúdos relacionados