Contador de causos e lúcido aos 107 anos, seu Kelé garante que conheceu Lampião e Maria Bonita
Idoso, que é personalidade de Corguinho, relata momento em que o ‘bando do Virgulino’ chegou à fazenda onde ele morava
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“Bom, eu nasci em 10 de dezembro de catorze, na Bahia, Itaberaba, na fazenda Quixaba…”. É assim que Adelino Pereira da Silva começa, quando questionado sobre sua história de vida. No auge da sabedoria, aos 107 anos, ele diz que “esqueceu muita coisa”, mas garante ter conhecido e conversado com o lendário Lampião e a Maria Bonita, além de jagunços os quais ele detalha o nome de três: Corisco, Jararaca e Peão Gateado.
“Muita gente tinha medo, mas ele não atacava. O meu pai saía para trabalhar para os coronéis, eu ficava com a minha mãe e ele só dizia: se ele pedir café faz, se ele pedir água dá e se ele pedir um cavalo para andar, dá o cavalo. E daí, de repente, ele chegou com o batalhão”, afirma Adelino, mais conhecido como Kelé.
De Recife rumo a São Paulo, Adelino fala que, no momento que o “bando do Virgulino” chegou, ele presenciou a população pedindo ajuda dos coronéis. “Eles chegavam de carabina, fuzil e aí os coronéis, que eram muito ricos, foram ajudar, mas ninguém tinha ideia de como ele era. Naquele tempo era tudo diferente. Não tinha helicóptero nas fazendas como tem hoje não”, argumentou, levantando a mão para o alto.
Ainda falando sobre as andanças, seu Kelé conta que ficou sabendo da morte do lampião. “Ele era pernambucano e quando eu o conheci ele falou: ‘A Maria Bonita é bonita mesmo?’ E eu respondi: ‘O senhor é quem sabe’. Era guri, mas sabia que ela era mulher dele. E daí depois soube que tinham matado ele. O tenente pegou ele lá em cima da ponte e matou”, relembrou ao Midiamax.
Sobrinhas dele, a psicóloga Mariluce Gomes Farias, de 42 anos, e a assistente administrativo Célia Gomes Faria, de 39 anos, disseram que “cresceram ouvindo as histórias” do tio e o qualificaram como um homem ético, trabalhador, religioso e bom conselheiro. Atualmente, vivendo em Corguinho, o idoso é uma personalidade na cidade, localizada na região central do Estado.
“Desde criança eu ouço as histórias dele, da infância e do bando do Virgulino que ele conheceu na infância. Ele explica que é neto de escravos e qualifica o povo nordestino como herói, lembra o nome dos jagunços do Lampião. É uma pessoa que memoriza dados como ninguém e, desde que veio da Bahia, compartilha muita sabedoria conosco”, ressaltou.
Kelé é chamado para orar e ‘tirar quebrante’
Em Corguinho, Mariluce fala que as pessoas ligam com frequência para pedir orações a ele. “O tio Kelé é o benzedor da cidade. No interior, existe muito a ‘cultura do quebrante’, então as pessoas pedem orações para as crianças. Pedem para ele orar por plantas, por gado que está morrendo e outros bichos. Ele é cheio de regras também: não bebe água gelada, não come nada enlatado e tem um quintal cheio de plantas medicinais”, argumentou Mariluce.
Recentemente, Mariluce diz que o marido faleceu de covid e o tio Kelé a mandou chamar para conversar. “Os conselhos dele sempre são muito sábios e um suporte para mim. Ele também perdeu a esposa, a qual foi casado por 60 anos e me disse o que ele estava fazendo para suportar a dor. Me disse: ‘Seja amigo da saudade e das boas recordações’. Daí ele me comentou que mexe um pouco nas coisas dela e tudo isso o ajuda”, comentou.
Antes de chegar a Mato Grosso do Sul, no entanto, Adelino percorreu um longo caminho. “Tinha um primo que foi embora trabalhar nas fábricas, lá em São Paulo. Quando eu peguei uma idade e fui também. Só que eu não gostei e voltei pra Bahia. Depois apareceu um mineiro lá, dono de fazendas, chamando para trabalhar com o gado. Fiquei um tempo lá, adomando, depois voltei pra Bahia de novo, até que, em 1952, um pau de arara nos buscou para trabalhar em uma fazenda de japoneses, em Dourados”, afirmou.
Com o tempo, Adelino disse que já tinha uma boa quantia em dinheiro e logo depois se casou. “Eu fiquei lá de machadeiro, ganhava 40 cruzeiros e já podia ir à Bahia visitar meus irmãos. Aí depois me casei em 1962, fiz trabalho braçal em Bodoquena, Rochedo, até que vim parar em Corguinho. Meu maior orgulho é ter meus filhos e netos por perto, todos trabalhando e sem passagem na polícia. A pior coisa que tem é uma pessoa fichada na polícia”, disse.
Idoso ganhou ensaios fotográficos de 106 e 107 anos
Nos últimos dois anos, a família o presenteou com ensaios fotográficos. O profissional Roberto Kelsson é quem fez os cliques do idoso. “Foram feitos ensaios nos 106 e 107 anos dele. O seu Kelé é muito conhecido em Corguinho e a sobrinha dele foi minha babá na infância. Ele trabalhou também com o meu bisavô, que morreu aos 102 anos. Eles eram muito amigos e para mim foi fácil estar com ele”, comentou.
Segundo o fotógrafo, seu Kelé foi a lugares que gosta muito, como o Rio Aquidauana, Poção do Jaú e a própria casa dele. “Seu Kelé também é churrasqueiro e organizava os churrascos da nossa família, então ele tem o avental dado para pelo meu avô e também fez fotos com ele. Foi muito legal fotografar ele nestes momentos todos”, finalizou Roberto.
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