Na última terça-feira (21), um evento realizado pela Ampara (Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção) e Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT) levantou debates de atuantes na área sobre a estratégia usada pelas entidades em colocar crianças disponíveis para adoção, de 4 a 17 anos, em um passarela no Pantanal, em Cuiabá (MT).

A ação também desencadeou uma série de notas de repúdio de órgãos no Estado. A Defensoria Pública de Mato Grosso e o Conselho Regional de Serviço Social da 20ª Região emitiram um comunicado onde repudiam e manifestam a posição contrária do evento batizado de “Adoção na Passarela”.

Guilherme Boulos, ex-candidato à presidência pelo , usou as redes sociais para classificar como “perversidade inacreditável” o desfile onde crianças e adolescentes passeiam em uma passarela sob os olhares curiosos de pretendentes a pais e sociedade em geral.

O coordenador do Programa Escola de Conselhos da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Antônio José Ângelo Motti acredita que o evento foi uma transgressão legal e deve ser levado à Justiça. “A lei proíbe qualquer exposição de crianças e adolescentes que estão sob sistema de proteção. É uma cadeia de irresponsáveis, tanto aqueles que promoveram quanto aqueles que aceitaram colocar as crianças nessas condições.”

Parte atuante no processo de elaboração do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) no período de 1988/1990, Ângelo ainda garante que o desfile, do ponto de vista psicossocial, é uma agressão à imagem e identidade dos acolhidos.

“Isso não é uma situação saudável. Eu classifico como uma das piores tentativas de ajudar. Você não ajuda uma criança agredindo direitos fundamentais do ser humano como preservação da imagem, identidade e condição. A adoção é um ato individual e se dá entre pessoas, um casal e uma criança. Então são atos reservados e devem assim prevalecer.”

O assunto quebrou barreiras e também virou caso de debates em nível nacional. Claudia Cabral, diretora executiva da Associação Brasileira Terra dos Homens e mentora do Movimento Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária do Brasil, explicou que, independente da interpretação da mídia, o fato em si expõe os participantes. “E se todos quiserem o/a bonitinho/a, que desfila melhor, e ninguém se aproximar do mais feio, sem jeito, tímido?”, questionou.

A psicóloga, atuante na área social desde 1977, faz parte de um grupo nacional no Whatsapp onde as pessoas estão se posicionando. Desde que a “Adoção na Passarela” foi divulgada, uma das preocupações dos especialistas é com a possibilidade dos assistididos se sentirem novamente rejeitados. “Uma criança que já viveu uma rejeição está em uma situação delicada. O desejo de adotar uma criança tem que sempre partir do interesse da criança. A própria Convenção Internacional Dos Direitos da Criança fala nesse termo. E aí a gente se pergunta: O que é o interesse da criança? É ser acolhido integralmente. Não só por si, mas com toda a sua história. É um processo de amadurecimento e temos que respeitar a situação de abandono. Um desfile com o objetivo de tornar fácil a escolha do pretendente a adoção em relação à criança que ele quer… é muito delicado essa estratégia,” pontua.

Posicionamento

Uma das organizadoras do evento, a OAB-MT decidiu emitir uma nota de esclarecimento onde garante que o objetivo nunca foi apresentar as crianças e adolescentes a famílias para a concretização da adoção. A ideia da ação era promover a convivência social e mostrar a diversidade da construção familiar por meio da adoção com a participação das famílias adotivas. O órgão também ressaltou que nenhum assistido foi “obrigado a participar do desfile e todos eles expressaram aos organizadores alegria com a possibilidade de participarem de um momento como esse.” Os organizadores frisaram que a realização ocorreu sob absoluta autorização judicial conferida pelas varas da Infância e Juventude de Cuiabá e Várzea Grande, bem como o apoio do Poder Judiciário.

“A OAB-MT e a Ampara repudiam qualquer tipo de distorção do evento associando-o a períodos sombrios de nossa história e reitera que em nenhum momento houve a exposição de crianças e adolescentes.”