Lourdes venceu a leucemia e a história dos ancestrais preencheram sua vida

Doença mudou sua vida e seu modo de olhar o mundo

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Doença mudou sua vida e seu modo de olhar o mundo

Nem a leucemia, nem sequelas da doença foram capazes de tirar o sorriso e a vontade de viver de Lourdes Gresele, gaúcha, de 50 anos, que hora mora em Campo Grande. Trabalhadora, artesã, voluntária, estudante, esta mulher de múltiplas facetas há 6 anos foi diagnosticada com uma das formas mais graves de câncer, a LMA (Leucemia Mieloide Aguda). Quimioterapias, transplante, tratamentos complicados não a impediram de manter sua fé e encontrar na família e nos ancestrais, meios de preencher  sua vida.

“Eu carregava saco de cimento, andava de bicicleta, jogava bola, corria, ganhei medalhas. Vivi todas as fases da minha vida e muito bem vividas”, relembra a vida que levava antes da doença. Ela saiu da empresa onde trabalhava em uma sexta-feira de Carnaval, naquele fevereiro de 2012 pensando que teria um bom feriado voltaria na quarta ao trabalho, mas ela nunca mais voltou.

Na terça-feira seguinte Lourdes passou mal e foi levada ao hospital. Exames deixaram os médicos preocupados e a internaram para que especialistas pudessem analisar os resultados. No dia seguinte veio o diagnóstico. “Pensei que fosse voltar a trabalhar no dia seguinte, mas fiquei internada para fazer mais exames. Quando chegou o especialista, ele perguntou se eu estava preparada e me disse que eu tinha leucemia, uma doença grave”, conta ela. Ela precisaria de um transplante de medula óssea.

Lourdes venceu a leucemia e a história dos ancestrais preencheram sua vida

Vieram os ciclos de quimioterapia para eliminar as células cancerosas da medula, que exterminaram também as sadias. Foram 6 ciclos e em todas as vezes Lourdes precisou viajar para Jaú, onde fica o hospital Amaral Carvalho, referência em tratamento da doença.

“Precisei ficar bem reclusa, porque baixa toda a imunidade. Não podia receber visitas, sempre estava de máscara, passava álcool em tudo, muita higiene com roupas e higiene pessoal”, detalha. Diversas complicações advinham do tratamento, como os vômitos, a baixa imunidade e a dificuldade na aplicação da medicação que era injetada na veia.

Entre março e outubro de 2012, enquanto passava pelas sessões de quimioterapia, os irmãos de Lourdes faziam exames para saber quem era compatível e poderia doar a medula para que o transplante fosse realizado. “Eu não tinha dúvida. Tenho oito irmãos, só precisava saber quem era”, afirma.

Transplante e sequelas

Em Jaú novamente, Lourdes ainda precisou esperar por 1 mês por vaga no hospital. Entre os 9 irmãos, 3 eram compatíveis entre si e Danilo, um dos irmãos que Lourdes não havia tido muito contato, tinha 100% de compatibilidade. “Saí de casa muito nova e ele é um dos mais novos”, explica.

“Quando meu irmão chegou, junto com minha outra irmã, corri na porta ‒ ainda conseguia correr ‒ nos abraçamos e choramos. A enfermeira que estava no quarto também chorou. Foi um momento muito especial. Meu irmão sempre trabalhou na lavoura, nunca tinha saído do Rio Grande do Sul. Depois do transplante meus irmãos me ligaram e perguntaram o que eu tinha feito com ele, pois ele estava mais sensível e apegado à vida e às pessoas”, relata.

Antes do transplante Lourdes precisou passar por mais quimioterapia, uma das mais difíceis, para remover toda a medula e receber a do doador. “Acaba com toda a resistência, fica com a imunidade zero. Caiu todo o cabelo, todos os pelos”, descreve. Quando chegou o dia do procedimento, Lourdes que é muito fervorosa, fez uma oração pedindo a cura. O transplante aconteceu no dia 22 de novembro de 2012 e Lourdes ficou 32 dias internada.

Lourdes teve diversas reações às sessões de quimioterapia, medicamentos, ao transplante e à medula recebida. A medula precisa reconhecer e neste processo, o líquido acaba rejeitando diversas partes do corpo. Pele, mucosas, olhos foram rejeitados. Lourdes perdeu 8 dentes. O medicamento contra a rejeição levou à necrose da cabeça do fêmur. Como sequela do transplante, o pulmão de Lourdes foi diagnosticado como fibroso com efeito mosaico, o que faz o órgão não reter oxigênio suficiente. Foram épocas complicadas, mas Lourdes conta que sempre “brincava com a situação” e nunca se abatia. Desde que os sintomas começaram até meses após o transplante os vômitos eram constantes.

Com a boa notícia da “pega” da medula e a alta, vieram as inseguranças pela próxima etapa. “Recebi alta em um sábado e perdi o chão, não consigo explicar. Tinha medo de sair de onde estava, pois sendo amparada. Apesar da gravidade da doença e todas as complicações, Lourdes diz que nunca sentiu que ia morrer.

Sua vida está bem distante daquela que levava há 6 anos. A gaúcha precisa ir a cada 3 meses ao hospital em Jaú para o resto da vida. A saúde debilitada a obriga a usar máscaras e evitar frequentar locais públicos. A força e vitalidade se foram e hoje ela tem que lidar “com essa nova Lourdes”.

Força da família e ancestrais

E a nova Lourdes precisava encontrar algo para se ocupar e foi para a família que ela voltou. “Cheguei num estágio que eu sentia que não tinham vindo todas as rejeições, mas eu estava bem. E desde criança tinha uma caderneta com datas de nascimentos de parentes. Meu pai gostava muito de contar as histórias dos ancestrais que vieram da Itália. Minha mãe já tinha falecido e eu queria presentear meu pai que morava no Rio Grande do Sul com essas histórias que estavam só na cabeça dele. Minha irmã me ajudou fotografando todas as coisas antigas. Eu achava que eu tinha um propósito por estar viva. Então compilei a história de todos os irmãos, meus pais, avós, incluindo a vinda dos bisavós da itália”, descreve.

O pai recebeu o presente e ficou muito feliz, mas Lourdes não pode mais ver o pai. Foram dois anos juntando fotos, dados e relatos de todos os irmãos. O livro ficou pronto em 2015 e seu pai morreu em 14 de fevereiro de 2016, no dia do aniversário do irmão doador da medula.

Todas estas experiências impactaram Lourdes de maneira profunda. “Aprendi a dar valor e ser grata pelas pessoas, pelo mínimo que elas fazem. Eu não sabia que eu era tão amada e querida pelas pessoas”, avalia. Além das sequelas físicas, que Lourdes afirma que foram superadas, ela luta contra os efeitos emocionais. “Está sendo mais difícil lidar com a nova Lourdes do que lidar com o tratamento. Os médicos disseram metade do sucesso do transplante e do tratamento foi o bom ânimo que eu tive. Choro muito e tenho tentado me nutrir espiritualmente. Tenho me apegado a meu marido, filhos e o neto que veio de presente. Me apego à natureza, na minha crença e nas boas amizades”, enumera.

Lourdes venceu a leucemia e a história dos ancestrais preencheram sua vidaPara Lourdes, ser mulher é um privilégio, por “ser participante da maternidade. É uma grande responsabilidade, porque a gente gera filhos e tem que educá-los e mostrar uma visão de mundo que, às vezes, a gente não teve esse mundo. Precisamos chorar quando temos vontade e não carregar o chicote e ficar se cobrando muito. Nós mulheres temos que aprender a viver um pouco por nós mesmas e temos que tentar jogar fora certas coisas e compartilhar com as pessoas. Precisamos ter amor próprio, se não temos isso, não podemos amar os outros”.

“Plante seu jardim e decore sua alma ao invés de esperar que alguém lhe traga flores”, Lourdes cita Shakespeare, demonstrando o bom ânimo atestado pelos médicos. De tudo que passou, ela diz que não se arrepende do tratamento. “Prefiro ter passado por isso do que ter passado todos os dias trabalhando e continuar vendo a vida com os olhos como um robô. Hoje vejo a vida em outro angulo, fui lapidada, estou diferente”.

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