Ao ar livre, Paixão de Cristo em Aquidauana ganha tom de superprodução e reúne 6 mil
Cerca de 100 pessoas participaram da encenação
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Cerca de 100 pessoas participaram da encenação
Enquanto milhares de pessoas esperavam sentadas o início do espetáculo, nos bastidores o clima era de corre-corre. Já passava das 19h da Sexta-feira Santa e a produção fazia últimos ajustes nos equipamentos de som. Iluminação? Ok. Figurino. Ok. Atores nas marcações? Tudo ok. Em alguns minutos, começaria a maior encenação da Via Sacra de Mato Grosso do Sul, em Aquidauana, a cerca de 140 km de Campo Grande. No elenco, aproximadamente 60 pessoas. No apoio técnico, mais 40. Na plateia, cerca de 6 mil – número estimado pela organização.
É quando aparece no palco montado bem na entrada da igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição um jovem com barba e cabelos pouco acima da altura dos ombros. Valdeir Nogueira, 28, formado em zootecnia, interpreta Jesus pelo 3º ano consecutivo. A seu lado, outras dezenas de pessoas, que também doaram parte de seu tempo para os ensaios e produção do espetáculo. Todos faziam multidão no palco e davam início à representação das passagens que contam morte e ressurreição de Jesus.
A Paixão de Cristo em Aquidauana chegou na última sexta a seu terceiro ano de realização. Iniciativa da Paróquia da Imaculada Conceição, o espetáculo teve parceria da Fundação Municipal de Cultura e Turismo do município e aporte de verba pública – não muito, apenas R$ 8 mil do governo do Estado e R$ 800 da prefeitura. “As pessoas usaram a criatividade para fazer esse evento ser grandioso, e a gente quer que ele seja cada vez maior, que se torne um atrativo turístico nesta época do ano”, conta o prefeito Odilon Ribeiro (PSDB).
A encenação caminha nesta direção. Apesar de reunir apenas atores voluntários e, portanto, todos amadores, a apresentação teve clima de superprodução: desde iluminação especial, figurino caprichado e efeitos especiais – como o sangue realístico, a Ascensão de Cristo aos céus (garantido por uma empilhadeira) e fogos de artifício, a praça da Imaculada Conceição tornou-se pequena para tanta gente.
Para o diretor do espetáculo, Humberto Torres, que também é secretário de cultura do município, a fama da encenação já deixa rastro. “Este ano a gente viu que tem muita gente de fora, porque sabem que essa apresentação ao ar livre é bonita e cuidadosa. O último mês foi dedicado a essa produção, porque a gente sabia que ia superar público neste ano”, comenta.
Figurino e preparação
O carnavalesco, figurinista e carnavalesco Kevin Constantino, 23, assinou o figurino do espetáculo e garantiu que ano após ano a produção deve evoluir. “O dinheiro que investiu em figurino, por exemplo, vai poder ser empregado em outro setor ano que vem”, comentou. Nos bastidores, o jovem fazia pequenos ajustes e apertava peças do vestuário dos atores e também se preparava para dar apoio ao Jesus, que após a cena de crucificação tomaria até um banho. Para isso, um chuveiro improvisado foi montado na praça, para permitir o ator a vestir roupas brancas na cena final.
Em nenhum momento a apresentação limitou-se ao palco. Os cortejos próprios da Via Sacra era distribuindo pela praça, por entre os espectadores. A aposentada Maria Dulce Amaral, 58, até comentou. “Importante a gente ter a dimensão do que foi né? Quando ele [Jesus] passou aqui carregando a cruz, deu pra ver o soldado romano açoitando ele. Parecia de verdade”, comentou.
E foi. Um dos atores exagerou um pouco na ‘mão’ e quase machucou o olho de Valdeir. “Não bateu no olho, bateu perto, só assustou um pouco”, brincou o ator. A propósito, todas as passagens que decorrem desde o julgamento de Cristo até sua crucificação usaram e abusaram de realidade. Sangue cenográfico, por exemplo, deu bem mais realismo às cenas de tortura a que Jesus fora historicamente submetido. O sorteio das vestes e crucificação também foram emocionantes, mas não mais que a cena da ressurreição.
Fé visível
Para o Thiago Palmeira Machado, pároco de Aquidauana, a encenação da Paixão de Cristo é uma oportunidade de sensibilizar o público de uma forma mais profunda quanto ao grande mistério em torno da morte e ressurreição de Jesus.
“A Paixão de Cristo agrega as pessoas de várias confissões religiosas. Lógico que, em sua maioria, dos católicos. Mas, evangélicos e pessoas de outras denominações também apoiaram porque a encenação é uma maneira de ver a fé. É diferente de ler a bíblia, porque vendo a gente materializa a Paixão de uma forma diferente. Isso é algo que a arte faz, que a arte ajuda na evangelização, que aprofunda nesse mistério de amor, apontou o padre.
Por trás das arquibancadas e cadeiras dispostas na praça, uma praça de alimentação foi montada com a venda de comida, bebida e artigos religiosos. Nada de carne ou bebida alcoólica. “Só peixe e suco ou refrigerante, porque é uma evento religioso”, comenta uma das vendedoras.
Valdeir teve status de celebridade na noite de sexta. Ao fim do espetáculo, o ator que interpretou Jesus teve pouco ou nenhum sossego. “Mas vale a pena, porque a gente sabe que é importante para as pessoas”, conta, com enorme timidez.
Em meio as selfies, Valdeir falou que já tem planos para fazer a barba e cortar um pouco o cabelo. “Desde o primeiro ano que quando soube que ia ser o Jesus eu mantenho os cabelos grandes. Este ano que cortei um pouco mais curto que nos outros, mas acho que amanhã já corto curtinho”, revelou. A reportagem ainda pergunta ao ator o que ele acha da fama. “Não penso nisso, eu não faço por mim, faço por Jesus”, diz enquanto despede-se e sorri.
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