Depois que Samuel se foi, pais descobriram na estrada o refúgio para dor
A bordo de um caminhão casal percorreu vários estados
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A bordo de um caminhão casal percorreu vários estados
“Era dia 21 de abril de 2009. Lembro como se fosse hoje. Ele chegou até a mim e disse que estava com uma dor na região do pescoço. Como tínhamos plano de saúde o levamos rapidamente para uma consulta. Após os exames foi diagnosticado um tumor maligno na cabeça. Começava ali uma árdua missão para salvar nosso pequeno Samu”.
Não há como não se emocionar ao ouvir um pai, o motorista profissional, Domingos Rodrigues Veiga, 49, falar sobre sua luta e da esposa, Jô Veiga, 39, contra um câncer que levou o único filho, Samuel, na época com sete anos. “Fizemos tudo o que era possível, dentro das nossas condições, para curá-lo. Com a ajuda de muitos amigos, tanto do meu antigo trabalho, quanto dos irmãos da igreja, fomos para São Paulo sob orientação médica, em busca de tratamentos mais avançados, mas Deus o quis junto dele”, relata Rodrigues.
Foram seis meses ininterruptos de quimioterapia, tratamento que utiliza medicamentos extremamente potentes no combate ao câncer e por consequência resulta na queda dos cabelos. Domingos chegou a raspar a cabeça para passar confiança ao filho. “Ele ficou muito surpreso quando me viu e dizia sorrindo: “meu pai também está careca”.
Embora a perda fosse um fardo bastante pesado para eles, o pós foi muito pior. Enquanto estavam no período de tratamento dedicavam todo tempo para Samuel, mas depois ficou um vazio.
Foi quando o casal resolveu tomar uma medida radical: pegar a estrada para espairecer a cabeça a bordo de um caminhão. Domingos pediu demissão na empresa em que trabalhava há mais de 15 anos para realizar um sonho antigo: ser caminhoneiro. “Tinha esse sonho desde criança, tanto que quando tirei minha carteira de motorista já me habilitei para isso. Quando surgiu a oportunidade numa transportadora não pensei duas vezes. O pessoal da empresa me dizia que estava louco em deixar o emprego, mas eu precisava disso”.
Jô deixou todos os afazeres e ‘caiu’ na boleia com o marido. “Rodamos o Brasil conhecendo lugares que jamais pensávamos conhecer. O mais importante foi a cumplicidade que cresceu e nos uniu ainda mais, sempre um apoiando o outro nos momentos de saudade”.
A primeira viagem foi para Alta Floresta, no Mato Grosso, distante 1,4 mil quilômetros de Campo Grande. Domingos foi sozinho, acompanhando outro colega mais experiente. “Era muita responsabilidade para quem nunca tinha pegado um percurso tão longo pela primeira vez, ainda mais com uma carga avaliada em mais de R$ 500 mil”.
Na segunda a esposa já estava com ele, “não apenas como companheira, mas também como ajudante. O dinheiro que seria destinado para pagar os ‘chapas’ ficava com a gente. De cada caixa ganhávamos R$ 0,50. Num dia só chegamos a carregar 700 volumes”, explica Veiga.
Entre uma parada e outra, para o almoço, sempre faziam amizades e não dividiam apenas o carreteiro preparado por Jô no próprio caminhão. Compartilhavam também suas histórias, muitas vezes semelhantes as que estavam passando. “Fizemos muita amizade. Temos amigos que conhecemos no ‘trecho’ e que temos contato até hoje”.
“Não me esqueço de um casal que também perdeu o filho pequeno num acidente, aquilo cortou o coração. A estrada que para a gente servia de refúgio, para eles era um martírio, pois não podiam parar porque viviam do frete”, salienta Domingos.
Nesse tempo todo Jô ainda guarda na memória muitas cenas vividas pelo caminho, tanto agradáveis como as paisagens exuberantes de Paraisópolis de Goiás, quanto desconfortáveis como áreas desérticas que lembra um cenário mais obscuro e que jamais gostaria de rever. “As vezes parávamos à beira da estrada para contemplar a natureza. Era bom, pois podíamos refletir”.
No fim do percurso, além da saudade, para eles o que restou foi a edificação da fé e de superação por meio do legado deixado por Samu. “Ele nos ensinou muito. Durante nossas viagens aprendemos que só com a fé é possível lidar com o sofrimento”, diz Rodrigues. “Deus sabe de tudo, por isso entregamos nossas vidas nas mãos dele”, finaliza Jô.
Domingos hoje é nosso colega de trabalho no Jornal Midiamax, onde trabalha como motorista e ajuda as equipes a contarem as histórias que você lê.
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