Cultura dos restaurantes clandestinos aguça a curiosidade

 

Depois de Obama ter provado, a curiosidade é para entender conceito dos paladares cubanosO presidente norte-americano Barack Obama, em sua visita à Cuba este mês, provou e aprovou, e os paladares – os restaurantes cubanos particulares e desvinculados do governo de Cuba – foram colocados nos holofotes. Quem indicou o paladar San Cristóbal para o presidente foi o casal Beyoncé e Jay Z. A maior curiosidade é que esses locais se chamam paladares em razão da novela brasileira “Vale Tudo”, veiculada pela Rede Globo entre 1988 e 1989 e transmitida pela TV cubana no começo dos anos 1990. 

A novela foi uma grande febre por lá, e o restaurante da personagem de Regina Duarte, O Paladar, batizou os pequenos restaurantes clandestinos cubanos. Quem pode contar essa história desses locais charmosos e onde a culinária cubana é a mais verossímil possível, é a cineasta e diretora do MIS (Museu da Imagem e do Som) em Campo Grande, Marinete Pinheiro. Ela morou por lá para cursar cinema, e explica que retornou em 2013, quando ainda a abertura do comércio cubano com muitos países não havia se concretizado em sua totalidade. “Quando eu morei lá o país ainda era muito fechado, o cidadão cubano não podia simplesmente abrir um bar. Tudo que existia era estatal. Quando alguém queria comer uma comida especial, precisava ir em um paladar”, confirma a cineasta. 

Marinete frequentava, junto a outros brasileiros, turistas e cubanos, a Casa da Mercedes, onde a senhora de mesmo nome fazia pratos sob demanda para quem quisesse. Frutos do mar como lagosta e camarões, considerados caros aqui no Brasil, enchiam o estômago de quem tivesse a sorte de provar um paladar sem muito problema e sem a fiscalização do Governo. Mas isso não era aberto a todos nem muito comum, como a cineasta relata. 

“Ela fazia clandestinamente, nos fundos da casa dela. E você podia escolher o que ia comer. Nos restaurantes estatais, isso não era possível. Uma vez fui até um café com uma amiga e servia café com leite. Ela perguntou se poderia não colocar o leite no café e a atendente disse que não. Ou seja, se você queria que, por exemplo, não houvesse arroz no seu prato, no restaurante estatal não era possível isso”, relembra.

 

Após a abertura para pequenos negócios próprios, os paladares puderam colocar mesas em frente aos restaurantes, principalmente no centro de Havanna / Foto: Tripadvisor/Divulgação

 

Diferenças culturais

Outra coisa que não existia em Cuba eram os restaurantes com modelos de buffet ou self-service, comida à vontade, como vemos com frequência no Brasil. Nos supermercados estatais e restaurantes oficiais, caso a comida se esgotasse naquele dia, não havia previsão de renovação. Marcas e produtos também se reduziam a poucas opções. E isso foi, principalmente, o que alavancou a ideia do paladar. 

Nos paladares, muitas vezes o clima descontraído era mais frequente, já que ali muitas vezes era uma casa com poucos lugares. Alguns, como o que Obama provou, ficam localizados no centro de Havanna. Outros tantos se mantinham totalmente clandestinos pois o governo cubano taxava em 50% qualquer paladar, e as regras eram pesadas, como não poder servir carnes ou lagosta e ser obrigado a ter no máximo 12 mesas, com apenas membros da família trabalhando ali. Por isso, muitos, como a Casa da Mercedes, ficaram à sombra por muito tempo. Se hoje temos o modelo de servir o jantar como anfitriões para convidados que pagam pela refeição, saiba que em Cuba isso já acontecia há muito tempo, sob o olhar severo do Estado e clandestinamente. Mas os paladares resistem, para a alegria dos turistas, até hoje.