‘Ter microcefalia fez de mim alguém mais forte’, conta jornalista com a síndrome

Carolina quer mostrar que o diagnóstico não implica na desesperança

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Carolina quer mostrar que o diagnóstico não implica na desesperança

 

 

 

Aos 24 anos, Ana Carolina Dias Cáceres ainda está eufórica e distribuindo sorrisos. Na última semana foi o grande dia de sua formatura em jornalismo, cuja colação de grau reuniu pai, mãe, irmão, parentes, amigos, professores e colegas em torno da realização de um sonho de adolescência. Seria uma comemoração comum, não fosse um pequeno detalhe: Ana Carolina tem microcefalia, a temida síndrome da qual tanto se fala após o expressivo aumento de casos em decorrência do zika vírus.

“Não vou dizer que é fácil, mas não é como tem sido dito”, afirma a jovem sobre a cobertura jornalística da microcefalia. Para ela, a situação causa incômodo, já que a sensação que tem é que portar a síndrome tornou-se uma sentença de incapacidade mental e intelectual, num contexto de dependência e fragilidade. “Não é assim. Não foi assim comigo, que venho de família humilde, não tem quer ser, necessariamente, 24 anos depois do meu caso”, afirma. “A medicina mudou e avançou nesses anos todos e todo esse sensacionalismo não contribui para quem busca lutar contra os estigmas de ter microcefalia”.

O diagnóstico de Carolina foi percebido logo após o nascimento, em 1991, numa época em que a identificação da síndrome e seu tratamento, bem como as intervenções cirúrgicas corretivas, beiravam o experimental. “A microcefalia não tem cura, é uma síndrome, então é algo que faz parte de mim”, explica. Para alcançar este entendimento, Carolina reconstituiu a própria história voltando seu olhar ao passado e descrevendo as próprias lembranças. Somadas aos relatos de quem a acompanhou de perto, o esforço culminou no livro-reportagem ‘Selfie, em meu autorretrato, a microcefalia é diferença e motivação’, que apresentou como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) no curso de graduação.

“Minha vida está sendo uma surpresa atrás da outra. Muitas coisas, que eu jamais esperaria que ocorressem, aconteceram. Uma delas foi a repercussão do meu livro. Quando eu escrevi, a ideia era realmente ajudar, com informação, a entender a microcefalia. Esse pânico todo que está acontecendo, por exemplo, é fruto de desinformação”, coloca.

 

Com o livro que escreveu, ela espera levar mais informação (Jhully Espíndola)

 

 

‘Meu autorretrato’

Além da história da autora, o livro também traz o relato de outros casos de pessoas com a síndrome e que apresentam desenvolvimento normal. “Também foi uma redescoberta, porque quando a gente conversava pelo WhatsApp, quando trocávamos mensagens de audio, eu pensava em como seriam as coisas se todo mundo com microcefalia soubesse de outros casos. Tem um outro menino, por exemplo, vai entrar agora na UFPR (Universidade Federal do Paraná). Lógico, cada caso é um caso, há crianças que podem desenvolver doenças e síndromes paralelas, mas não é obrigatório e muita coisa pode ser evitada”, explica.

O que ela aponta como desinformação vem desde seu nascimento, quando seu primeiro diagnóstico, logo após o nascimento, foi de síndrome de down. “O obstetra disse que eu tinha deficiência e recomendou um pediatra, que disse sem muita certeza que eu tinha síndrome de down. Ele recomendou um neurocirurgião. Foi então que surgiu o diagnóstico correto, e ele pediu uma série de exames para ver como estava a minha atividade cerebral. Já com nove dias eu fiz a primeira cirurgia, que durou quase 12 horas. Nela, eu tive duas paradas cardíacas, mas no fim ela foi bem sucedida, ela permitiu que meu cérebro desenvolvesse normalmente”, relata.

Além desta, outras cirurgias foram necessárias. “Uma para correção da face, que era muito desproporcional, outra para corrigir o desvio de septo e me permitir respirar, enfim, foram várias”, conta. “Além disso, fiz fisioterapia por uns cinco anos, fiz tratamento com medicamentos por conta de algumas convulsões e passei cerca de um ano e pouco com uma psicóloga, de forma preventiva. Fora isso, tudo ocorreu normalmente.
Comecei a andar, comecei a falar, tudo dentro da normalidade. Comecei a estudar, fui muito bem nesse processo escolar… O susto, mesmo, foi inicial, foi o desencontro de  informações”, diz.

Ser fortaleza

Enfrentar discriminação ainda na escola e a superproteção dos pais – já que a parte frontal do crânio foi retirada numa cirurgia e qualquer lesão comum de criança poderia resultar em algo mais grave – foram algumas dificuldade enfrentadas na socialização de Carolina. Com o tempo, ela também conheceu o preconceito e a dores que vieram disso. “Tanto é que minha primeira amiga eu fiz com 13, 14 anos. Eu era solitária até então”, conta.

Para Carolina, a microcefalia não é uma sentença de incapacidade (Jhully Espíndola)

 

 

Mas, todo esse processo fez com que Carolina se tornasse mais resistente, num contexto em que a alta autoestima chamam atenção. “A microcefalia fez de mim alguém mais forte, porque foi o que me restou. ou daquelas que não liga muito para a opinião dos outros. Eu acho que cada um vem nesse mundo com um objetivo. Eu não em espelho em valores estéticos, porque o tempo passa para todo mundo. Uma hora, aquela pessoa que é linda vai virar Dercy Gonçalves na vida, vai cair tudo, vai ficar só pelanca. E a Dercy era uma pessoa incrível. As pessoas estão muito superficiais, ligam muito para o estético, para o externo, e acabam esquecendo que o principal é o caráter, que aquilo que a pessoa tem para dar, aquilo que fica. Minha autoestima é maior do que deveria ser”, diz.

Agora fortaleza, Carolina reconhece que tem uma grande papel para desempenhar diante de uma geração que será marcada pelo aumento expressivo da síndrome. “Essa é  uma responsabilidade que eu, particularmente, não queria ter. Mas ela existe e eu estou agarrando com tudo, porque a microcefalia irá marcar toda uma geração, num contexto em que ela está sendo apontada como necessariamente um impedimento de se ter uma vida normal, o que é falso. Vamos precisar mostrar o quanto as pessoas estão equivocadas, já ouvi coisas absurdas e olhares condescendentes, fora o preconceito, de que eu sou uma coitada. Porém, tudo o que eu quis fazer na vida eu fiz! E eu quero mostrar isso para todo mundo. Não somos vítima, somos indivíduos, acima de tudo, e assim queremos ser reconhecidos”, conclui.

Confira clicando AQUI o minidoc desta reportagem.

 

 

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