Índios denunciam intimidação e ameaça de morte por supostos seguranças particulares em fazenda

Indígenas do tekoha Apyka’i denunciam que um segurança privado armado, acompanhado de outro, invadiu o acampamento da comunidade Guarani Kaiowá na Fazenda Serrana, na quinta-feira passada em Dourados – distante 225 km de Campo Grande. Não houve ataque a tiros nem violência física, mas os dois homens teriam deixado uma ameaça de morte, escrito na […]

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Indígenas do tekoha Apyka’i denunciam que um segurança privado armado, acompanhado de outro, invadiu o acampamento da comunidade Guarani Kaiowá na Fazenda Serrana, na quinta-feira passada em Dourados – distante 225 km de Campo Grande. Não houve ataque a tiros nem violência física, mas os dois homens teriam deixado uma ameaça de morte, escrito na terra e mais tarde apagado por eles mesmos, onde se lia algo como “nós vamos acabar com vocês”.

Segundo relato dos Kaiowá, na manhã de quinta, um veículo teria estacionado do outro lado da BR-463, onde fica a fazenda ocupada pelos indígenas. Observados de longe pela comunidade, dois homens desceram, escreveram a ameaça e deixaram o local.

Um casal de indígenas voltava à pé da cidade, que fica a seis quilômetros do Apyka’i, e viu a mensagem escrita no chão. “A gente entendeu. Ele veio até ali e escreveu a mensagem dele, ‘nós vamos acabar com vocês’, explica o jovem que viu a mensagem.

De tarde, ainda segundo as famílias que estão no local, o carro teria voltado com as mesmas duas pessoas, que atravessaram a estrada e entraram na aldeia. Um dos homens estava armado. Os indígenas foram em direção às duas pessoas, que recuaram correndo de volta para o carro. “Tava aqui um peão e um pistoleiro da usina. Entraram aqui. Acho que eles querem tirar foto de todo mundo. Não falaram com a gente, deixaram ameaça de morte”, explica uma liderança.

Antes de deixarem o local, os homens teriam apagado quase toda a ameaça escrita na terra, restando apenas a palavra “Nós” e algumas outras letras na terra. Marcas de botinas que rasparam o chão para eliminar a mensagem são evidentes.

Após a invasão, os indígenas passaram a roçar a plantação de cana, no sentido de limpar o terreno e impedir que seguranças armados permaneçam na área sem que possam ser vistos pelos Kaiowá. “Nós vamos tirar a cana, não vamos deixar nenhum lugar para pistoleiro se esconder e atacar a gente”, explica uma liderança. A Fundação Nacional do Índio esteve no Apyka’i e registrou formalmente a denúncia dos indígenas.

Mortes e ataques

Em março, uma criança Kaiowá de quatro anos morreu atropelada na estrada. Além dela, outros quatro moradores da comunidade morreram, vítimas de atropelamentos, e uma sexta pessoa foi morta envenenada por agrotóxicos utilizados nas plantações que circundam o acampamento.

Em agosto, ainda acampados na beira da estrada, um incêndio que, segundo os indígenas, teria sido iniciado propositalmente no canavial, alastrou-se pelo acampamento, destruindo barracas, alimentos e pertences dos indígenas, forçando-os a fugir. A causa do incêndio ainda não foi confirmada.

Em 16 de setembro, depois de 14 anos na rodovia, a comunidade retomou novamente parte do território reivindicado como tradicional, em processo de demarcação e parte do Grupo de Trabalho Dourados-Peguá, onde hoje incide a fazenda Serrana, utilizada pela São Fernando para a monocultura em larga escala de cana-de-açúcar.

O Conselho do Aty Guasu, grande assembleia Guarani e Kaiowá, denunciou ao Ministério Público Federal (MPF), em agosto, uma ameaça atribuída a funcionários de uma empresa de segurança à comunidade Apyka’i.

Segundo o documento, um grupo de seguranças impediu os indígenas de pegar água no córrego próximo à fazenda, e ameaçou de matá-los caso voltassem ao local.

Na ocasião, o secretário geral da Anistia Internacional, o indiano Salil Shetty, visitou o acampamento Apyka’i e afirmou se sentir “em um lugar onde direitos humanos não existem”.

Histórico das mortes

No caso do pequeno Kaiowá de quatro anos, atropelado no acampamento em março deste ano, o motorista do veículo fugiu do local sem prestar socorro a criança, e até hoje não foi identificado. Um mês antes do episódio, outro indígena do tekoha havia sido atropelado por uma moto, que também não parou para prestar socorro. De bicicleta e acompanhado da esposa grávida, vinha caminhando pelo acostamento, quando foi atingido por uma motocicleta.

Desde 1999, quando foram expulsos do local, seis pessoas da comunidade morreram – cinco por atropelamento e uma por intoxicação, em decorrência do uso de agrotóxicos nas plantações ao redor do acampamento, segundo os indígenas.

Os Kaiowá do Apyka’i tentaram por duas vezes retomar seu território originário. A última tentativa ocorreu em junho de 2008, quando os indígenas ocuparam uma pequena parte da fazenda, próximo à mata da Reserva Legal da área, estabelecendo pequenas roças.

No período em que ficaram acampados ali, foram vigiados pela empresa particular de segurança. A Funasa e Funai foram impedidas de prestar atendimento. A ocupação durou até abril de 2009, quando a Justiça determinou a reintegração de posse em favor do fazendeiro. Desde então, o grupo está acampado à beira da rodovia.

Com a expulsão das terras, os índios foram obrigados a ocupar a outra margem da BR-463, por causa das obras de duplicação da rodovia. Um dos maiores problemas dos indígenas de Apyka’i é a obtenção de água potável. Atualmente, eles se valem da água poluída de um córrego para beber, cozinhar e para higiene pessoal.

Um relatório do MPF-MS sobre a situação da comunidade de Apyka’i, publicado em 2009, afirmou que “crianças, jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a condições degradantes e que ferem a dignidade da pessoa humana. A situação por eles vivenciada é análoga à de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu próprio país”.

Violência

Em setembro de 2009, um grupo armado atacou o acampamento, atirando em direção aos barracos. Um Kaiowá de 62 anos foi ferido por tiros, outros indígenas agredidos e barracos e objetos foram queimados.

Segundo lideranças da comunidade, o ataque, realizado a mando dos fazendeiros, ocorreu já depois que os indígenas foram despejados da área, e que teve relação com o uso da água de um córrego que fica dentro da área da fazenda. Na ocasião, depois de terem sido despejados, os barracos e todos os pertences dos indígenas foram queimados. O ataque ocorreu por volta da 1h da madrugada, quando o grupo de índios dormia no acampamento improvisado construído no dia anterior.

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