Debaixo da ponte: com frio, moradores de rua improvisam abrigos em Campo Grande

Famílias e grupos de amigos que vivem nas ruas se juntam em vários pontos da capital de Mato Grosso do Sul e enfrentam baixas temperaturas com barracos improvisados, pinga e drogas.

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Famílias e grupos de amigos que vivem nas ruas se juntam em vários pontos da capital de Mato Grosso do Sul e enfrentam baixas temperaturas com barracos improvisados, pinga e drogas.

“Aqui só tem cachaceiro fugindo do frio”, avisa André Pimentel de Mello, de 35 anos, como porta-voz do grupo de amigos na calçada às margens do Córrego Segredo, na região central de Campo Grande. Segundo ele, o aviso é para evitar problemas.

“Muitas pessoas têm medo da gente”, conta.

Com termômetros marcando baixas temperaturas, os moradores de rua improvisam abrigos na capital sul-mato-grossense e dividem os ‘corotinhos’ que conseguem comprar com trocados ganhados na mendicância ou em pequenos serviços.

Pequenas embalagens plásticas de pinga com gosto e qualidade questionáveis, os ‘corotinhos’ são uma forma acessível de combater o frio. “Isso aqui esquenta igual um cobertor. Já desce animando o peão”, explica um dos amigos de Mello.

Debaixo da ponte

Assim como o grupo, que se amontoava no único ponto banhado pela luz do sol na manhã deste sábado (9), verdadeiras comunidades de moradores de rua se formam e ganham visibilidade nas épocas mais frias do ano.

Embaixo de uma ponte sobre o Córrego Anhandui, na Vila Nhanhá, sinais de ocupação humana revelam que o local é ponto de encontro frequentado constantemente. Vizinhos reclamam que muitos usuários de drogas aproveitam a área como abrigo contra o frio e contra a polícia.

“Eles se entocam ai embaixo e acendem uma fogueira. A gente tem pena, mas o duro é que fazem de tudo. Isso prejudica a vizinhança”, reclama uma senhora que há 20 anos mora nas proximidades.

Em outra ponte alguns metros adiante, no mesmo Córrego, mais moradores. Sobre a avenida Manoel da Costa Lima, no cruzamento com a avenida Ernesto Geisel, verdadeiras casas foram improvisadas com barracas de lona, papelão e trapos.

O abrigo chega a ter dez pessoas, que se ajeitam em duas barracas onde há até camas. “Isso aqui, quando fica muito frio, enche de chegados na mesma situação que a gente”, conta uma jovem que se apresenta como Patrícia Antônia Aparecida.

Ela diz ter 36 anos de idade, e conta que mora nas ruas enquanto aguarda o marido sair da prisão. “Moro com meus irmãos aqui, e somos dependentes químicos mesmo. Mas a gente admite isso, e não causamos B.O. pra ninguém”, afirma.

B.O., sigla de boletim de ocorrência, é uma gíria que indica ‘problema ou preocupação’.

Sapos na cama

Patrícia diz que ganha algum trocado cuidando carros em estacionamentos na região central de Campo Grande e exibe um apito como prova de que é trabalhadora. “Aqui ninguém rouba nada de ninguém. A gente ganha nosso dinheirinho cuidando carro na frente da Igreja Perpétuo Socorro e ganha comida de umas pessoas”, explica.

Com a ponte como teto, os barracos ficam a menos de três metros do nível normal da correnteza. “Nesses dias de chuva, eu acordei com minha cama cheia de sapos. A água subiu até aqui e os bichinhos correram pra cá também”, diverte-se Patrícia.

Questionada sobre o problema das enchentes, a moradora de rua sai em defesa da capital de Mato Grosso do Sul: “Apesar da minha situação, eu acho Campo Grande uma cidade muito boa para viver. Esse friozinho chato é passageiro, mas aqui ninguém atormenta a gente. Essas obras ai até ajudam a gente, seguram o vento”.

A mulher se refere às obras da Avenida Ernesto Geisel que há vários anos estão em andamento sem resolver os problemas de desmoronamento nas margens da via, que tem algumas pistas de rolagem interditadas.

“A polícia, bem de vez em quando, vem dar uma geral no povo aqui. Mas eles já sabem que a gente não rouba. Ninguém aqui sai usando droga na frente de crianças lá encima, então, acho que fica melhor a gente escondido aqui embaixo mesmo”, argumenta.

Menos doações

Segundo a moradora de rua, no entanto, tem faltado ‘gente de bom coração’. “Em outras épocas parece que vinham mais pessoas ajudar a gente, trazer uma comida ou até um cobertor. Agora parece que tem menos gente se importando em ajudar quem não tem nada”, reclama.

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