André Borges: Lei da ficha limpa não é a salvação da moralidade nas eleições
A aprovação da Lei da Ficha Limpa tem aberto discussões sobre sua eficácia e as possíveis alterações, principalmente no que tange a corrupção. O fato de 2012 ser um ano eleitoral amplia as dúvidas dos eleitores em vários pontos desta nova lei. De forma a contribuir com as discussões e esclarecer alguns pontos aos eleitores, […]
Arquivo –
Notícias mais buscadas agora. Saiba mais
A aprovação da Lei da Ficha Limpa tem aberto discussões sobre sua eficácia e as possíveis alterações, principalmente no que tange a corrupção.
O fato de 2012 ser um ano eleitoral amplia as dúvidas dos eleitores em vários pontos desta nova lei.
De forma a contribuir com as discussões e esclarecer alguns pontos aos eleitores, o Midiamax entrevistou o advogado constitucionalista André L. Borges Netto, que também foi Juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, por dois mandatos.
Confira a entrevista e veja a análise do advogado sobre a política brasileira e o que a ficha limpa poderá contribuir para minimizar a corrupção.
Midiamax – A Lei da Ficha Limpa vai corrigir todos os males da política brasileira?
André – Longe disso. Ela é importante, sem dúvida. Ela representou um avanço, sem dúvida. Mas, sozinha, não terá todo o impacto que tanto se divulga. Cito dois exemplos: não é toda e qualquer rejeição de contas pelo Tribunal de Contas que torna o cidadão inelegível, mas apenas aquelas contas em que forem constatadas irregularidades insanáveis, com condutas administrativas dolosas, em decisão contra a qual não caiba mais recurso na esfera administrativa e desde que a decisão não tenha sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário; não é todo e qualquer condenado por improbidade administrativa que se torna inelegível, mas somente aquele que for condenado à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado (Tribunal), com a presença do ato doloso de improbidade e que importe em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
Midiamax – Pelo que entendi, a Lei da Ficha Limpa, então, está longe de ser tão rigorosa como vem sendo apregoada?
André – Sim, a Lei da Ficha Limpa não é tão severa, como poderia ter sido. Inúmeras são as oportunidades de defesa daqueles que por ela teoricamente são atingidos. Mais um exemplo: todo aquele que for considerado inelegível e que estiver com o processo judicial em andamento poderá, ao apresentar novo recurso, pedir que seja dado efeito suspensivo à inelegibilidade, tudo numa clara demonstração de que a Lei em questão, em boa verdade, está muito longe de representar a salvação de todos contra a imoralidade, especialmente porque, no final, poucos (bem poucos, com certeza) serão os atingidos por ela.
Midiamax – Mas, então, o que precisa ser feito para mudar o estado lamentável da política brasileira?
André – Muita coisa. A principal: a plena conscientização do eleitor, que, lamentavelmente, muitas vezes, como demonstra a vida prática, continua vendendo seu voto, ou por dinheiro ou por um benefício qualquer. Afinal, se não tivermos quem se vende, não teremos os que compram almas.
Midiamax – Seria necessária alguma outra alteração legislativa?
André – Muitas, sem dúvida alguma. A Reforma Política está parada há anos no Congresso Nacional. A legislação eleitoral é confusa e cheia de furos. São várias leis (Constituição Federal, Código Eleitoral, Lei dos Partidos Políticos, Lei das Eleições e Lei das Inelegibilidades), tratando de um único tema (eleições). Lei confusa só beneficia aquele que pratica abusos, mas que pode ser bem defendido. Um exemplo bem claro: aquele que é acusado da compra de votos (o que há de mais grave em termos de abuso eleitoral) pode sofrer, quase ao mesmo tempo, pelo menos cinco tipos de processos: ação do art. 41-A da Lei 9504/97; ação de investigação judicial eleitoral; ação penal; recurso contra expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo. Isto, ao invés de ser bom, apenas facilita a vida de quem sofre esse tipo de acusação, pelo tumulto e confusão que gera toda essa parafernália absurda de medidas processuais.
Midiamax – Existe algum consenso quanto a essas críticas que o senhor faz?
André – Sim. Recentemente o Presidente da Comissão de Juristas encarregada pelo Senado para elaborar o anteprojeto do novo Código Eleitoral, o Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli, destacou que “o trabalho da Comissão será o de buscar a reorganização, a racionalização do sistema legal existente, porque temos um Código Eleitoral que data de 1965, com várias leis ordinárias, complementares, consultas, um emaranhado que precisa ser sistematizado e adaptado aos tempos atuais”.
Midiamax – Pode dar exemplos de leis eleitorais que precisam ser mudadas?
André – Sim, vários. Muitas penas para crimes eleitorais são ridículas: o crime de corrupção eleitoral (o mais grave do Código Eleitoral) tem pena mínima de um ano, algo absolutamente insuficiente para coibir esse tipo de prática. Já o crime bem mais simples do transporte de eleitor no dia da eleição tem pena mínima de quatro anos. Veja a gritante desproporção. Além disso, a multa para propaganda eleitoral irregular (algo que ocorre muito) está pautada no mínimo de R$ 5.000,00, valor muito pequeno para impedir esse tipo de prática nociva.
Midiamax – Mas a Justiça Eleitoral tem prestado bons serviços à população, certo?
André – Sem dúvida alguma. Como ex-Juiz Eleitoral, posso atestar que este setor do Poder Judiciário brasileiro (no que incluo a atuação técnica e firme dos servidores, da Polícia e do Ministério Público) tem atuado bem. Aliás, tem feito até mais do que se poderia esperar, diante da legislação fraca a que todo Juiz está obrigado a aplicar. Exemplos: a atuação rápida da Justiça Eleitoral; a maravilha tecnológica que é a urna eletrônica; a composição heterogênea e dinâmica das Cortes Eleitorais; o poder de polícia de que são dotados os juízes eleitorais, que podem atuar (em alguns setores, como o da propaganda eleitoral) independentemente de qualquer provocação; o sistema recursal da Justiça Eleitoral, extremamente acelerado (um exemplo: os recursos eleitorais, como regra, não são dotados do efeito suspensivo, além de terem prazos curtíssimos).
Midiamax – Algum outro ponto negativo da Justiça Eleitoral?
André – Um, que é principal: cabe ao TSE editar atos administrativos, chamados de Resoluções, que visam detalhar as previsões legais, acrescentando-lhe detalhes burocráticos, visando dar plena execução às leis, mas sem criar direito novo. Mas o que sempre tem sido feito, para preocupação geral, é o TSE ocupando indevidamente o espaço do legislador, criando ou alterando a legislação vigente, algo que contraria abertamente a Constituição Federal (porque quem deve criar leis é o Legislativo e não o Judiciário). Um exemplo, bem recente: a Resolução do TSE que trata da prestação de contas alterou previsão da Lei 9504/97. Esta revela que a conta de campanha rejeitada, desde que apresentada no prazo legal, não impede a obtenção da certidão de quitação eleitoral. Já o TSE, ignorando a lei, estabeleceu que a rejeição das contas também leva à não expedição da certidão de quitação eleitoral, o que atinge um grande número de cidadãos que foram candidatos há 2 anos e que agora estarão impedidos, se não for alterado o entendimento equivocado do órgão maior da Justiça Eleitoral.
Midiamax- Pelo que se percebe, o senhor anda meio angustiado com a Justiça Eleitoral?
André – O meu respeito e consideração por ela é grande, mas eu lamento muito que não se possa fazer muito mais do que aí está, por conta exclusivamente da péssima, atrasada e quase ineficaz legislação eleitoral que temos, o que é motivo de enorme angústia, falando como cidadão.
Midiamax – Por que se tem a impressão de que poucos que praticam crimes eleitorais são punidos?
André – Não há dúvida de que a maioria daqueles que são acusados desse tipo de crime são absolvidos. Isto eu acabo de provar na prática, quando fui Juiz Eleitoral. E tudo por conta de uma particularidade importante: o direito de participar da vida política, como candidato (o que chamamos de capacidade eleitoral passiva), é considerado um direito constitucional fundamental, que não pode ser afastado sem uma prova (obtida durante o processo judicial) que seja induvidosa. Trata-se do que a literatura jurídica chama de princípio da vedação da restrição de direitos políticos. A partir dessa noção, chega-se à conclusão de que, havendo dúvida, o candidato não pode ser punido. É a aplicação, na área do direito eleitoral, daquilo que há tempos é adotado no direito penal: “in dubio pro reo” (na dúvida sempre se absolve). Em alguns processos eleitorais se exige até mesmo a prova da potencialidade, ou seja, o reflexo da compra de votos tem que ter interferido no resultado da eleição. Como se vê, não é nada fácil punir alguém no âmbito da Justiça Eleitoral.
Midiamax – Alguma sugestão de outra reforma que seria boa para a política brasileira?
André – Uma que seria urgente é a redução do número de partidos políticos. Muitos desses partidos que aí estão só servem para fechar conchavos (às vezes inconfessáveis), a um custo altíssimo para o contribuinte. Um exemplo claro disso é a busca desenfreada de muitos por coligações com esses partidos, atrás do aumento do horário eleitoral. Veja um dado importante: a imprensa divulgou que só o Fundo Partidário (uma espécie de financiamento público dos partidos) de 2011 consumiu elevadíssimos R$ 418 milhões de reais, soma realmente impressionante, que precisaria ser reduzida.
Midiamax – Já vimos o senhor defendendo a ideia da reunião das eleições num único período. Continua de acordo com a tese?
André – A cada dia que passa, estou mais de acordo. É outro triste abuso do sistema eleitoral vigente (como é também o voto obrigatório). Um país com tanta carência realizando eleições a cada dois anos, a um custo elevadíssimo (porque os valores envolvem o Fundo Partidário, todo o funcionamento caro da Justiça Eleitoral e mais a chamada “propaganda eleitoral gratuita”, que, na verdade, é paga pelo contribuinte, a partir de abatimentos fiscais que têm as empresas de rádio e de televisão). Economizar recursos públicos neste setor implicaria na sobra de recursos para a educação, por exemplo.
Midiamax – Mas, no final de tudo, vale a pena insistir na defesa da decência nas eleições?
André – Lógico que sim. O debate de ideias, quando é feito de maneira desinteressada, contribui muito para a evolução. O mundo, segundo os cientistas, tem 4,5 bilhões de anos; quanto tempo teremos de esperar para a evolução positiva do sistema eleitoral brasileiro?.
Notícias mais lidas agora
- ‘Discoteca a céu aberto’: Bar no Jardim dos Estados vira transtorno para vizinhos
- Carreta atropela mulher em bicicleta elétrica na Rua da Divisão
- Papai Noel dos Correios: a três dias para o fim da campanha, 3 mil cartinhas ainda aguardam adoção
- VÍDEO: Motorista armado ‘parte para cima’ de motoentregador durante briga no trânsito de Campo Grande
Últimas Notícias
Motociclista por aplicativo é esfaqueado e tem moto roubada no Caiobá
Estava na Júlio de Castilho quando foi acionado para uma corrida até o Portal Caiobá
Vendas de imóveis no país crescem 19,7% de janeiro a setembro
Nos acumulado de janeiro a outubro, em comparação com o mesmo período de 2023
Funtrab disponibiliza 978 vagas de emprego em Campo Grande nesta quinta
O horário de atendimento é de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 17h30
Campanha contra importunação sexual é realizada em terminais de ônibus
Importunação sexual é crime e precisa ser denunciada
Newsletter
Inscreva-se e receba em primeira mão os principais conteúdos do Brasil e do mundo.