Publicar sentença em revista é desrespeito ao leitor

“Inserir um acórdão numa revista semanal parece medida sem sentido e significa extremo desrespeito ao leitor, obrigado à leitura jurídica o que, na realidade, muito dificilmente fará, sem estômago para digerir.” Com essa consideração, o juiz convocado Álvaro Passos, da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, desobrigou a revista […]

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“Inserir um acórdão numa revista semanal parece medida sem sentido e significa extremo desrespeito ao leitor, obrigado à leitura jurídica o que, na realidade, muito dificilmente fará, sem estômago para digerir.” Com essa consideração, o juiz convocado Álvaro Passos, da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, desobrigou a revista Época de publicar sentença de condenação por danos morais causados ao advogado Marcos Malan. O colegiado manteve a condenação mas decidiu reduzir o valor da indenização, de 120 para 70 salários mínimos — cerca de R$ 38 mil — a serem pagos com juros de mora mais verba honorária pela Editora Globo e pelo jornalista Leandro Fortes, autor das ofensas.

Em 2003, na primeira instância, a Editora Globo, responsável pela semanal, e o jornalista Leandro Fortes foram condenados a indenizar o advogado Marcos Malan. De acordo com o pedido levado à Justiça pelo irmão do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, a reportagem deu a entender que ele fez parte de um esquema de tráfico de influência para atrapalhar o andamento de um processo administrativo junto ao Banco Central. Malan foi representado pelo advogado Fernando Lottenberg. O advogado Luiz Camargo Aranha defendeu a revista Época e concordou com a observação do juiz Álvaro Passos sobre a publicação da sentença. Para o magistrado, “seria enfadonho para os leitores”.

Com a decisão do último 27 de abril, Marcos Malan não vai mais receber os 120 salários mínimos — R$ 65.400 —, como determinou a primeira instância. Nas palavras do relator do caso no TJ-SP, o valor arbitrado encontrava-se “acima daquele que vem sendo estabelecido em casos análogos, mostrando-se compatível com a ofensa perpetrada o montante de 70 salários mínimos, diante da capacidade econômica dos apelantes [a Editora Globo e o jornalista Leandro Fortes]”.

Em primeira instância, o juiz Adevanir Silveira entendeu que a notícia não acusou, diretamente, Malan. De acordo com ele, a reportagem relata somente fatos verdadeiros e apurados junto às pessoas citadas. Ainda assim, afirmou: “a imputação da prática de tráfico de influência está na matéria impugnada pelo autor, foi feita de maneira dissimulada e não direta, mas está materializada no texto produzido pelo réu [site] e veiculado pela ré [revista]. A leitura da matéria revela a acusação, lançada contra o autor sem que houvesse prova alguma da sua veracidade”.

De acordo com a sentença, a notícia também distorceu a declaração em que Malan nega qualquer relação com o Banco Sul América S.A., tema do processo no Banco Central. Segundo Adevanir Silveira, Malan negou o envolvimento de “modo categórico”, mas, “na menção contida na matéria, a resposta é colocada de maneira dúbia e vacilante”.

No recurso levado ao TJ-SP, a Editora Globo alegou não ter havido ilicitude na sua conduta e que a própria Constituição Federal protege a liberdade de informação. O desembargador, retomando entendimento de primeira instância, escreve que a revista, “apesar de noticiar fatos verdadeiros, o faz de modo a estabelecer entre o autor, ora apelado, e a prática do tráfico de influência denunciada”.

Afastando a aplicação da Lei de Imprensa no caso, já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, o juiz convocado Álvaro Passos disse que “o direito de informar é o sustentáculo do regime democrático e garantia das liberdades públicas, e o seu preço é a responsabilidade com que ele é exercido”.

Os juros da indenização serão contados a partir da veiculação da notícia, e não a partir da citação, como pedia a Editora Globo. A previsão está na Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.

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