CNJ está sob ameaça porque incomoda poderosos, diz ministra

A baiana Eliana Calmon está preocupada com o futuro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) desde 1999, ela assumiu em setembro o cargo de corregedora-nacional de Justiça. É responsável por fiscalizar o cumprimento de determinações do órgão de controle externo pelos tribunais de Justiça do país, além de […]

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A baiana Eliana Calmon está preocupada com o futuro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) desde 1999, ela assumiu em setembro o cargo de corregedora-nacional de Justiça. É responsável por fiscalizar o cumprimento de determinações do órgão de controle externo pelos tribunais de Justiça do país, além de investigar denúncias de corrupção e desvio de conduta contra juízes e desembargadores.

A ministra admite que tem enfrentado grandes resistências nos últimos dois meses. “A corregedoria está desagradando segmentos poderosos que, ao longo dos anos, foram se desenvolvendo pela inação da Justiça”, disse Eliana, em um encontro promovido na última sexta-feira (19/11) pelo IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo).

Mesmo com pouco tempo no cargo, Eliana Calmon já demonstrou que manterá o estilo de seu antecessor na Corregedoria. “O ambiente foi desinfetado pelo ministro Gilson Dipp”, afirmou.

Apesar de criado em 2004, pela reforma do Judiciário, foi só a partir da gestão de Dipp (2008-2010), que o CNJ passou a efetivamente julgar e punir magistrados. O caso mais emblemático foi o do Mato Grosso, quando 11 juízes e desembargadores foram aposentados compulsoriamente por terem desviado dinheiro do Tribunal de Justiça para cobrir prejuízos de uma casa maçônica.

A reação não demorou a chegar. No início do mês, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) argumentando que a competência para investigar juízes e desembargadores é do próprio tribunal local e não do CNJ.

Para Eliana Calmon, caso o Supremo limite o poder de investigação do Conselho será o começo do seu declínio. A corregedora argumenta que não é possível imaginar que um desembargador tenha a liberdade e isenção suficientes para julgar um colega. Ela citou ainda a possibilidade de um Tribunal inteiro estar contaminado por um esquema de corrupção, o que impediria a atuação de um controle disciplinar.

Gestão

Apesar do destaque alcançado pela atuação CNJ, a ministra acredita que a maior parte dos magistrados tem boas práticas. “A visibilidade da corrupção dentro do Judiciário, entretanto, é prejudicial e faz a gente pensar que é muito maior”, ponderou.

Para ela, o maior desafio está na modernização da gestão do Judiciário. A ministra ressaltou o desafio de vencer a resistência que alguns tribunais tem em aceitar a supervisão do Conselho. “O CNJ não é um intrometido, ele orienta tecnicamente como deve se portar o Tribunal e a corregedoria fiscaliza essas atividades orientadas”, garantiu.

A ministra denunciou também a existência de “grupos que não querem uma Justiça pronta e séria”, dentre os quais, estariam os leiloeiros oficiais e os cartórios extrajudiciais.

“Estamos enfrentando uma guerra contra os valores, que hoje são muito mais econômicos do que morais, o que reflete no Judiciário”, disse. Quando há a realização de mutirões, observou, é pensando no jurisdicionado e não em aliviar o trabalho do juiz. “O sistema faz o magistrado pensar só nele. Ele acha que é o ator principal do poder judiciário”, afirmou Eliana Calmon. De acordo com ela, isso é uma visão sistêmica, e não de cada magistrado isoladamente.

Relações perigosas

Eliana Calmon criticou a postura de alguns advogados, frente a uma platéia de cerca de 200 pessoas da classe jurídica. “Há advogados que se nutrem de liminares, conseguidas por compadrios. Outros se nutrem de amizade com os magistrados”, disse. Para ela, esse tipo de profissional também não tem interesse de que haja uma Justiça séria.

A corregedora afirmou que a situação é também perigosa por influenciar negativamente os novos advogados, e completou: “vemos meninos advogados de 29 anos se utilizando dessas práticas, e eles têm um apartamento de quatro quartos e uma BMW na garagem. Isso é perigoso, pois acham que esse é o melhor caminho. É quase como dizer ‘não estude, faça lobby’”.

Presente no encontro, o presidente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo), Luiz D’Urso, afirmou que a classe jurídica há muito sabia das mazelas denunciadas pela ministra, mas que era necessário que houvesse movimentação do próprio Judiciário. “Ela trouxe as verdades que precisam ser ditas e, além de apenas denunciá-las, reagiu a essa situação”. D’Urso considera que as críticas feitas a práticas que não são sadias à função de advogado não foram direcionadas à advocacia, mas sim a exceções e casos pontuais.

Ivete Senise Ferreira, presidente do IASP, afirmou que a palestra da corregedora “dá autoridade à classe jurídica para iniciar um movimento de apoio às atitudes do CNJ e da Corregedoria”.

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