Chávez e os ossos de Simon Bolívar

Na quinta-feira (22), o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia. Foi a terceira vez que o líder venezuelano tomou a decisão, uma forma intempestiva de demonstrar seu descontentamento com as decisões tomadas em Bogotá. Nas próximas semanas ou meses, é muito provável que Chávez amplie as tensões […]

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Na quinta-feira (22), o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia. Foi a terceira vez que o líder venezuelano tomou a decisão, uma forma intempestiva de demonstrar seu descontentamento com as decisões tomadas em Bogotá. Nas próximas semanas ou meses, é muito provável que Chávez amplie as tensões entre os dois países promovendo uma revisão histórica de um assunto caro para ambos – a forma como morreu Simon Bolívar, conhecido como “El Libertador”, o homem que livrou Venezuela e Colômbia, entre outros, do jugo espanhol.

Chávez promoveu, na sexta-feira passada (16), a exumação do que seriam os restos mortais de Bolívar, morto em 1830. Por meio de seu perfil no Twitter, comemorou o ato. “Que momentos impressionantes vivemos essa noite. Vimos os restos do grande Bolívar”, escreveu Chávez no microblog. “Deus meu, Deus meu…Cristo meu, nosso Cristo, enquanto rezava em silêncio vendo aqueles ossos pensei em Ti! E como quis que chegasse e ordenasse como a Lázaro: ‘Levante, Simon, não é tempo de morrer”, afirmou. A empolgação de Chávez tem a ver com a influência que a figura histórica de Simon Bolívar tem para ele. O venezuelano sempre se refere à “revolução bolivariana” que estaria implantando no país e o termo está presente até mesmo na Alba, a Aliança Bolivariana para as Américas, fundada por Chávez para alinhar os países ideologicamente próximos.

Por trás da exumação e dos exames pode estar o oportunismo de Chávez. Provar que Bolívar não morreu vítima de tuberculose, mas que teria sido assassinado, talvez por integrantes da oligarquia colombiana. Oligarquia colombiana é o termo que Chávez usa atualmente para designar os aliados do atual presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, seu maior desafeto.

A tese do assassinato defendida por Chávez é parcialmente baseada em uma pesquisa feita pelo especialista em doenças infecciosas Paul Auwaerter, professor da universidade John Hopkins, de Baltimore (Estados Unidos). Em maio, ele apresentou uma palestra na qual defendeu a tese de que um envenenamento crônico por arsênio poderia ter causado a morte do “Libertador”. Em entrevista a ÉPOCA, Auwaerter afirma que sua pesquisa foi mal interpretada. “Eu acredito que o envenenamento crônico por arsênio contribuiu para os problemas de saúde [de Bolívar], mas não tenho certeza de que foi a causa direta de sua morte”, afirmou. Segundo Auwaerter, o arsênio pode ter enfraquecido Bolívar, causado mudanças na pele e no cabelo, além de bronchiectasis, uma infecção no pulmão que atinge 15% das pessoas afetadas por envenenamento crônico de arsênio.

Auwaerter diz que Bolívar pode ter sofrido um envenenamento crônico por ter consumido água contaminada com arsênio. “Muitas das campanhas militares foram realizadas em locais de mineração, onde a água estava contaminada” diz. Bolívar também teria passado muito tempo no Peru, onde múmias testadas tinham altos níveis de arsênio. Outra forma de contaminação era o consumo direto da substância. “Naquela época as pessoas achavam que o arsênio poderia ajudar em certos problemas de saúde, como infecções”, diz.

Para Auwaerter, a perda de peso e o estágio avançado de infecção pulmonar, dois quadros que a autópsia feita na época mostraram, não são compatíveis com um envenenamento agudo – aquele que um assassino buscaria. Para ele, sinais de uma morte aguda por arsênio seriam fortes dores de cabeça e vômitos, que não foram descritas na morte de Bolívar.

Resta saber se a opinião de Auwaerter será levada em conta pelos cientistas que estão analisando os restos mortais a mando de Chávez. O médico diz que foi procurado por membros da embaixada venezuelana nos Estados Unidos, mas que recusou o convite para participar da comissão de investigação em Caracas. “Eu tinha problemas de agenda e também não tinha certeza sobre o nível de independência que essa comissão teria”, diz. “E apesar de entender o quanto Bolívar é importante na América do Sul, acharia satisfatório ficar apenas com os dados históricos, sem precisar realizar essa exumação”, diz.

Para colombianos e venezuelanos, é uma preocupação saber que Hugo Chávez não pensa da mesma forma.

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