Poucas pessoas têm o privilégio de dizer que mobilizaram uma multidão através do seu trabalho. Em Mato Grosso do Sul, o produtor rural João Carlos Stefanello pode espalhar esse feito aos quatro ventos. Agrônomo e proprietário da Fazenda Cinco Estrelas, ele é responsável por impactar Campo Grande com seu cultivo de quase 400 hectares de girassol. Nesta reportagem especial você vai entender que, além de cenário para a foto perfeita que encantou os campo-grandenses nas últimas semanas, o girassol é uma cultura versátil que ‘limpa’ o campo e alimenta com saúde.

Os campos de girassóis que viraram atração turística ficam a menos de 40 minutos do Centro de Campo Grande, na BR-060. A lavoura de João Carlos representa quase a metade de toda a produção do grão em Mato Grosso do Sul. 

Só para a safra de 2023 a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) estima que o Estado deve colher 2 mil toneladas de girassol. A fazenda Cinco Estrelas deve ter uma produção superior a 800 toneladas neste ano. A produtividade por hectare do grão em Mato Grosso do Sul é maior que a média nacional. Por aqui, cada hectare produz 2 mil quilos, no Brasil a média por hectare é de 1,5 mil quilos.

João Carlos cultivou girassol pela primeira vez em 2016 (Foto: Aliny Mary Dias, Jornal Midiamax)

Natural do Rio Grande do Sul, o agrônomo João Carlos pisou em Campo Grande pela primeira vez em 1971. Na época, o trabalho o trazia para a Capital, mas anos depois decidiu escolher a cidade como lar. No início dos anos 80, adquiriu a Fazenda Cinco Estrelas e naquela época não imaginava que sua terra estamparia capas de jornais e centenas de fotos cidade afora.

O plantio do girassol na propriedade começou em 2016 em mais um processo de rotatividade de cultura para melhor aproveitamento e recuperação da terra. Dois anos depois, o tesouro escondido foi descoberto por ciclistas que fazem dali rota para trilhas. Em 2018, a plantação de girassol virou cenário para vários ensaios fotográficos.

Mas foi neste ano, em 2023, que a visitação de campo-grandenses se multiplicou para níveis que João Carlos, aos 68 anos, e a família até agora custam a acreditar. No feriadão da Independência, segundo estimativas do fazendeiro, mais de 2 mil carros circularam na área. Ele estima que pelo menos 6 mil pessoas tenham visitado o campo de girassol em um único dia.

“Nós estamos sem palavras, é uma onda de encantamento que não imaginávamos. Estamos muito felizes de ver tanta gente que vem de bicicleta, de van, de carro simples, de caminhonete, de todos os cantos do Estado para apreciar nossos girassóis”, conta.

Exuberância da flor leva milhares a plantação na BR-060, em Campo Grande (Foto: Aliny Mary Dias, Jornal Midiamax)

A busca por culturas alternativas levou João até o girassol, que tem entre seus desafios a comercialização em um mercado diferente de outras commodities. Ao contrário da soja e do milho, que têm venda certa e em grande quantidade para compradores fixos, no caso do girassol as vendas dependem de um processo detalhado de negociação. Atualmente, a Fazenda Cinco Estrelas comercializa o grão, que é estocado na propriedade por até dois anos, para indústrias de todo o Brasil, mas principalmente para Goiás e Mato Grosso, que possuem moedoras que retiram o óleo da semente.

De cara, o trabalho para vender o grão pode assustar, mas João Carlos explica que o custo de produção do girassol está inferior ao milho safrinha, por exemplo. “Este ano o girassol está muito melhor que o milho. Ele tem uma possibilidade boa de lucro porque o preço é melhor que o de outras culturas e o custo de produção por hectare é menor”.

Responsável pela metade da produção estadual do girassol, o produtor é um entusiasta do grão, mas expõe o que ainda é necessário para a difusão da cultura em Mato Grosso do Sul e no Brasil. “Precisamos de vontade política e um programa de pesquisa de médio e longo prazo permanente focado na produção do girassol. O agricultor precisa de um respaldo para investir e buscar técnicas novas”.

Produtor diz que neste ano rentabilidade do girassol é maior que do milho safrinha (Foto: Aliny Mary Dias, Jornal Midiamax)

Da foto perfeita à integração com o agro

Diante de tanto sucesso, o agrônomo viu no interesse dos moradores pela flor amarela que segue o sol uma oportunidade para promover integração da sociedade com o agro. Ele aproveita cada contato com as centenas de pessoas que vão à fazenda todo o fim de semana para ensinar sobre o ciclo de cultivo do girassol e a sua importância para a melhora na alimentação do brasileiro.

“Aconteceu um fenômeno muito interessante. As pessoas passaram a perguntar mais sobre o girassol, muita gente não entendia que da flor vinha a semente que vira comida de passarinho e até óleo comestível com propriedades nutritivas excelentes. Eu comecei a passar esse ensinamento para frente, essa integração do urbano com o agro é algo sensacional que nos surpreendeu muito”.

O que mais chama atenção do agricultor e da família é a diversidade de pessoas que passaram a se interessar pelo cultivo do girassol. “É gente que vem, é gente que vai e esse intercâmbio é maravilhoso porque a pessoa traz as tristezas dela, enche a alma de alegria e vai embora plena. Com certeza deixa uma energia muito boa aqui para nós e no momento isso nos basta“, completa João Carlos.

Mariana e a família dedicaram uma manhã para fotos na plantação de girassol (Foto: Aliny Mary Dias. Jornal Midiamax)

E quem deixou um pouco de boa energia na lavoura foi a psicóloga Mariana Moraes, moradora de Campo Grande. Ela saiu do bairro Tiradentes e percorreu quase 40 quilômetros para viver uma experiência entre as grandes flores amarelas.

“Estou encantada, viemos contemplar e ver o quanto o homem pode contribuir com a natureza para a gente aproveitar essa riqueza. O girassol representa vida e queremos contribuir para passar essa informação para as pessoas, que devemos preservar e valorizar essa riqueza”.

Agora que você entende o impacto da plantação de girassol na vida do campo-grandense, vamos iniciar uma imersão sobre o cultivo, os desafios da cultura e as possibilidades de uma planta versátil que produz um tesouro para a saúde.

Confira mais sobre a plantação de girassol em Campo Grande no vídeo abaixo:

Negócio de oportunidade, girassol virou até biocombustível

Um dos principais nomes do Brasil quando o assunto é a pesquisa do grão, a doutora em Agronomia e pesquisadora da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Soja, no Paraná, Regina Campos Leite também é uma entusiasta do cultivo do grão, que depois de colhido tem a semente destinada para consumo humano e animal. A semente também pode passar por um processo de moagem de onde resulta o óleo comestível e o que resta vira farelo usado para ração animal.

A pesquisadora explica que o girassol é uma cultura rentável e opção para o produtor na entressafra, ou seja, ao final da colheita da soja. Geralmente os produtores colhem a soja até o mês de fevereiro e a partir daí iniciam o plantio do girassol, que tem um ciclo de produção de até 120 dias e é colhido entre o mês de junho e agosto.

O que torna o grão atrativo é a resistência do girassol frente às condições extremas do clima, como a estiagem e a baixa umidade. “O girassol é ideal para entressafra porque ele aproveita as últimas chuvas do verão no momento que é plantado e depois é colhido em um clima bastante seco, que outras culturas têm dificuldade de se manter”. 

Regina Leite detalha que o Brasil já viveu épocas de mercado bem mais aquecido. Em 2006, por exemplo, o país plantava 150 mil hectares de girassol, o que representou uma produção de mais de 225 mil toneladas do grão. Nesse período, o país investia em estudos de biocombustível a partir do girassol. Experimentos que envolveram até a Petrobras prosperaram e até tratores se moviam gerados a óleo de girassol, no interior de São Paulo.

Colheita do girassol é feita quando planta está totalmente seca (Foto: Reprodução, Freepik)

No entanto, com o avanço das pesquisas, ficou comprovado que a nobreza e qualidade do óleo de girassol para alimentação humana e até animal eram barreiras para que o líquido fosse queimado em motores de veículos. 

“Concluímos que seria até uma heresia usar como combustível um produto tão nobre e com excelentes propriedades para a saúde. Para isso, temos óleo de soja que se mantém como uma boa opção para biocombustível”.

A nobreza do grão composto 45% por óleo

A partir daí, o mercado interno se especializou na produção de girassol voltado à indústria alimentícia e o subproduto, como o farelo que tem alto teor de proteína, para produção de ração animal.

“O Brasil não é autossuficiente em óleos e importamos principalmente da Argentina. Com isso, o mercado de óleos vegetais se tornou o principal destino do girassol, muito porque 45% do grão é composto por óleo, é muito rentável neste sentido”, explica a pesquisadora.

Atualmente, o girassol tem lavouras de expressão no Mato Grosso e Goiás, e são nestes estados que estão implantadas as indústrias que compram os grãos produzidos em Mato Grosso do Sul, fazem a moagem para a retirada do óleo e o restante vira farelo para ração animal. Além do envase do óleo para venda direta ao consumidor, o produto também é usado pela indústria na fritura de alimentos, devido às atrativas propriedades nutricionais do girassol. Você vai conferir mais sobre isso em outro trecho desta reportagem.

Entre os trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo Temático do Girassol, grupo da Embrapa do Paraná que pesquisa o grão, está o melhoramento da cultura, que busca redução no tempo de germinação e maturação da planta, proporcionando ciclos mais precoces de cultivo. Além disso, melhorar a qualidade do grão também é um dos objetivos dos pesquisadores.

“Alta produtividade, alto teor de qualidade e ciclos mais precoces são os nortes do nosso trabalho com o melhoramento do girassol. A gente espera que cada vez mais a beleza do girassol seja traduzida em produtividade e rentabilidade para o produtor”.

Regina Campos Leite, pesquisadora da Embrapa Soja.

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Fotos do infográfico: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax e Divulgação/Embrapa

Girassol limpa a terra e vira protagonista em técnicas de plantio

Com estudos avançando em relação ao cultivo do grão, o assunto também chega às universidades. Agrônomo, doutor em Fitotecnia e professor na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Sebastião Ferreira de Lima desenvolve estudos sobre o cultivo do girassol há anos. 

Ele ressalta que a busca do brasileiro por mais qualidade de vida fez crescer a demanda pelo óleo de girassol no país. Além disso, o aumento no preço do grão também atrai o produtor que cada vez mais escolhe o girassol como opção para entressafra e rotação de culturas.

Sebastião também detalha o potencial “purificador” do girassol no solo, que se transforma em aliado do produtor no processo de rotação de culturas e proporciona ganhos nos cultivos feitos na sequência, geralmente a soja e o milho.

“O girassol é uma ótima cultura para o manejo do solo porque quando o produtor mantém lavouras da mesma cultura durante longos períodos, o solo fica mais suscetível a pragas específicas, o girassol faz uma espécie de limpeza nesse solo. Então, o produtor que é consciente escolhe o girassol como alternativa que hoje é altamente lucrativa”, explica o professor. 

Fazenda escola da UFMS em Chapadão do Sul, onde Sebastião Lima desenvolve pesquisas (Foto: Divulgação, UFMS)

Entusiasta do grão, Sebastião orienta cada vez mais alunos interessados em estudar o girassol. “Nos centros de pesquisa, antigamente não se trabalhava com isso, mas hoje é uma demanda do produtor e isso gera várias perguntas ainda sem respostas, então é necessária a pesquisa para esclarecer vários pontos como adaptação do solo, adubação, doenças e o manejo”, completa. 

Um dos cenários em que o girassol pode se tornar protagonista é na produção integrada, quando outras culturas são inseridas em um esquema de rotação de grãos, após o cultivo da soja e do milho, os carros-chefes da produção nacional. Com esse manejo, o solo ganha uma espécie de “respiro” e fica mais rico e menos suscetível a pragas.

Além da rotatividade de culturas, o produtor de Mato Grosso do Sul também tem como padrão promover a integração entre os tipos de lavoura, cultivando braquiária junto do milho, por exemplo. Isso faz com que após a colheita, a braquiária seque e se transforme em uma palhada, que vai proporcionar uma cobertura no solo. Essa proteção evita perdas ao produtor, já que o solo onde a nova cultura for germinada ficará menos suscetível a erosões.

Confira mais conteúdo na imagem interativa abaixo, clicando no botão:

Mato Grosso do Sul é líder em produção integrada

Com a produção integrada estabelecida nas propriedades, as próximas safras são produzidas através do sistema de Plantio Direto, técnica em que a semente é colocada no solo sem o preparo com aração ou gradagem niveladora. Nessa técnica, pequenos sulcos são abertos sob a palha restante da produção anterior e as sementes ficam protegidas, causando menos perdas para o produtor em caso de chuvas logo após a plantação.

Por reduzir o uso de máquinas e queima de combustível na lavoura, o Plantio Direto é defendido por organizações que atuam em defesa do meio ambiente, como a WWF.

E o girassol é uma das culturas disponíveis para esse tipo de técnica, já que na colheita apenas a flor da planta que atinge até 2 metros de altura é retirada. Todo o restante do caule e das folhas secam e se transformam na palhada que protege o solo e também vira um adubo natural para o próximo plantio.

Coordenador técnico da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), André Luiz Nunes ressalta que Mato Grosso do Sul lidera a produção nacional através da produção integrada e do Plantio Direto. São 3,2 milhões de hectares neste sistema de rotação de culturas e integração.

André Luiz é técnico da Famasul e fala sobre técnicas de plantio (Foto: Divulgação, Famasul)

“Mato Grosso do Sul tem essa grande possibilidade de rotação de cultura por conta do clima, nosso inverno não é rigoroso. Nenhum estado do país produz alimentos de forma integrada como a gente. A integração com diversas culturas é importante porque melhora a qualidade do solo”.

Entre as técnicas de produção integrada está a lavoura-pecuária-floresta, quando os grãos ou outras pastagens são plantadas na mesma área de criação de bovinos. Esse consórcio faz com que as plantas neutralizem a emissão de metano entérico exalado pelos animais. Esse tipo de técnica caminha junto da agenda ambiental que busca práticas para diminuir as consequências dos gases de efeito estufa.

Mato Grosso do Sul, inclusive, é o primeiro estado do Brasil com uma propriedade rural com certificação de carne carbono neutro. O título foi entregue há dois anos pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Saiba mais sobre a certificação neste link.

O uso de plantas oleaginosas, como o girassol, na produção integrada contribui neste processo porque essas plantas além de neutralizar gases do efeito estufa, também fixam nitrogênio no solo e aumentam a qualidade dos próximos cultivos.

“A gente diz que 99% dos produtores de Mato Grosso do Sul usam técnicas de integração e plantio direto nas suas lavouras. É extremamente importante porque favorece a qualidade do solo e auxilia na recuperação de áreas degradadas. Introduzir novas culturas como o girassol é altamente recomendado ao produtor”, conclui o coordenador técnico André Luiz.

Se você é produtor rural, trabalha no campo ou quer orientação a respeito das técnicas citadas nesta reportagem, pode entrar em contato com a Famasul neste link.

Alimentar com saúde é construir o futuro

E o crescimento na demanda pelo óleo e derivados do girassol tem explicação. É que a sociedade está cada vez mais em busca de alimentos saudáveis e com altos níveis de nutrição e é neste contexto que o girassol se destaca de outros grãos.

Nutrientes como Ômega 6, Vitamina E, Vitamina B1, magnésio, selênio são encontrados em abundância na semente e no óleo de girassol. Isso faz com que o grão se torne um alimento aliado na busca do sul-mato-grossense pela melhora na qualidade da alimentação.

Nutricionista Funcional, Bruna Reginatto explica que a busca por mais disposição, energia e qualidade de vida tem aumentado o interesse das pessoas por orientação nutricional.

“Hoje em dia todo mundo está sobrecarregado o tempo todo, então a gente vê no consultório que as pessoas estão buscando nos alimentos formas de aumentar a saúde, ter mais qualidade de vida e até combater doenças”.

Nutricionista Bruna Reginatto atende pacientes em busca de mais qualidade de vida (Foto: Arquivo Pessoal)

Diminuir o consumo de industrializados e inserir mais alimentos naturais no consumo diário é uma das principais orientações no consultório. E neste contexto os alimentos funcionais, como a semente de girassol, podem ser aliados poderosos.

“O girassol é um alimento com muitos benefícios e indicamos para o consumo diário. Ele é tão versátil que o óleo também é muito usado por pacientes acamados para curar feridas em razão do alto poder hidratante e cicatrizante“, explica Bruna.

Quem também exalta os benefícios do girassol para a saúde é a nutricionista Esportiva e Funcional Tatiane Passarini. Ela explica que o Ômega 6 é um dos ácidos presentes nas sementes e que proporcionam excelentes resultados para a saúde. Confira mais sobre as propriedades nutritivas do girassol no infográfico abaixo.

“O óleo de girassol pode ser uma boa opção de gordura para ser utilizado no preparo dos alimentos, porém, devido ao seu alto valor calórico, deve ser usado com moderação. Já as sementes além da presença dos nutrientes contidos no óleo, preserva outros nutrientes benéficos para o organismo, e tem um valor calórico menor”.

A nutricionista ainda dá dicas de formas de usar a semente ou óleo de girassol em diferentes preparos.

“A nossa alimentação deve ser baseada no consumo de verduras, legumes e frutas e quanto mais colorida, mas rica será em nutrientes. As sementes de girassol, entram como uma ótima opção para enriquecer as refeições, e podem ser consumidas na salada, na omelete, na fruta do lanche e em outras refeições”.

No infográfico interativo abaixo, clique nas indicações de +INFO e acesse mais conteúdo: