Da pandemia de cárie à decisão democrática de acrescentar flúor à água: o que o gole de vida esconde?
Neste Dia Nacional da Saúde Bucal, a reportagem especial fala sobre a medida democrática de fluoretação da água e os benefícios que trouxe para a saúde pública de Campo Grande
Graziela Rezende, Thalya Godoy –
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O que o gole de vida esconde? O que a água que escorre pelas entranhas tem além do poder vital sob o corpo humano? Qual o debate histórico – desde o século anterior – que fez o mundo buscar argumentos científicos para fluoretar o líquido? A medida democrática impactou o mundo, atingiu todas as classes sociais e trouxe dados positivos de saúde bucal, acabando, inclusive, com a pandemia que poucos conheciam: a de cárie.
De início, dados da literatura mundial começaram a fazer parte de estudos brasileiros, para ação preventiva viável de fluoretação das águas de abastecimento público. Assim, o tratamento de cárie dentária ganhou novo rumo e o cenário clínico de dentistas passou a ser diferente, atestando a segurança e a eficácia da medida nos municípios.
Mas e aqui, em solo sul-mato-grossense, como tudo aconteceu? Como é tomar água na Capital direto da torneira e ouvir tanta coisa sobre isto? O Jornal Midiamax buscou referências e mostra como tudo aconteceu, inclusive, o trabalho pioneiro de quem luta para combater a desinformação sobre este componente, tão importante para fortalecer dentes e ossos.
Nesta reportagem exclusiva, você vai aprender sobre:
É evidente que o uso de flúor na água pode ajudar na prevenção de cáries e outras doenças bucais. Além disso, o investimento no produto pode gerar uma economia de milhões de reais na saúde pública do país.
Já a ausência ou baixa concentração pode aumentar a necessidade de intervenções odontológicas curativas, como restaurações dentárias, tratamentos de canal e extrações, além de próteses e implantes dentários. E tudo isto impacta no custo do sistema de saúde.
Fluoretação da água é eficaz e econômica
Estudos sobre a análise de custo-benefício da fluoretação da água indicam que esta medida de saúde pública é altamente eficaz e econômica, conforme explica o professor doutor da Faculdade de Odontologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Rafael Aiello Bomfim, de 43 anos.
“Essa intervenção é capaz de prevenir até 40% dos casos de cárie dentária, especialmente em populações mais vulneráveis, como crianças e indivíduos com menor acesso a cuidados odontológicos. Além disso, cada real investido em fluoretação pode gerar economias de até 38 reais em tratamentos odontológicos, tornando essa estratégia extremamente viável economicamente, conforme este estudo desenvolvido na USP [Universidade de São Paulo]”, afirma.
O docente da UFMS foi um dos pesquisadores homenageados pelo Ministério da Saúde pela atualização do Guia de Recomendações do Uso de Fluoretos no Brasil. O documento oferece orientações sobre o uso seguro e eficaz do mineral na prevenção e controle da cárie dentária.
O fluoreto interfere no processo de desmineralização e remineralização dos dentes, promovido pela presença de bactérias e ingestão de açúcares. Quando o fluoreto está presente no meio bucal, reduz a perda de minerais (desmineralização) e ativa o processo de remineralização, ajudando a reparar o esmalte dentário.
“O guia destaca que a fluoretação da água é uma das maneiras mais eficazes de garantir essa constância de fluoreto no meio bucal, já que o fluoreto é ingerido diariamente pela água e pelos alimentos preparados com água fluoretada. Isso contribui para manter o fluoreto presente na saliva e no fluido do biofilme dentário, o que ajuda a prevenir o desenvolvimento de lesões de cárie dentária. Portanto, o mecanismo de ação do fluoreto é físico-químico, e o seu uso adequado é fundamental para a saúde pública e a redução de cáries em nível populacional”, aponta o docente.
O professor aponta que nem um terço dos 79 municípios de Mato Grosso do Sul são fluoretados. O índice chega a 31,6%, o que equivale a 25 cidades.
Com dados fornecidos pelo Sistema de Informação mantido pelo Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano, coordenado pela Secretaria de Vigilância à Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, e pelo Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento, mantido pela Secretaria Nacional de Saneamento Básico do Ministério das Cidades de 2023, os pesquisadores observaram a porcentagem das amostras com valores de concentração de fluoreto dentro do intervalo considerado ótimo (0,55-0,84 mg F/L) para obtenção do máximo efeito preventivo da doença.
Somente dois municípios apresentaram 75% a 100% das amostras nessa condição: Naviraí (89,1%) e Chapadão do Sul (75%). Sete municípios apresentaram de 50,0% a 74,9% das amostras com valores de concentração de fluoreto dentro do intervalo considerado ótimo (0,55-0,84 mg F/L) para obtenção do máximo efeito preventivo da doença em 2023. Campo Grande se encaixa neste segundo grupo, com índice em 53%.
Concessionária analisa 3 mil amostras por mês na Capital de MS
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Na Capital sul-mato-grossense, existe um laboratório – reformado recentemente inclusive – que é responsável pelo monitoramento da qualidade da água, desde as captações até a casa do cliente. Assim, mensalmente, a Águas Guariroba diz que analisa cerca de 3 mil amostras de água tratada fora dos mananciais, além de 1,8 mil análises de fluoreto na água, conforme portaria 888, do Ministério da Saúde, o qual estabelece os padrões para consumo humano.
No caso do flúor, ocorre o monitoramento em todas as saídas de tratamento. “É por isso a diferença dos dados, já que inclui as amostras da redistribuição e da saída do tratamento. São, ao todo, 23 profissionais que cuidam desde a coleta, recepção, programação, realização das amostras, emissão de relatórios de resultados e respostas para os clientes, tudo é feito aqui”, afirmou ao Jornal Midiamax a coordenadora do laboratório, a farmacêutica e bioquímica Vera Lucia Sandim.
Atuando na empresa há 38 anos, ressalta que viu muitas transformações e pode atestar a qualidade da água que chega à casa do campo-grandense. “Eu só não posso dizer que aqui foi o meu primeiro emprego porque fui responsável por uma farmácia antes, mas, logo em seguida entrei na Sanesul [Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul], até que foi feita concessão de serviços e eu continuei na Águas de Campo Grande, posteriormente Águas Guariroba”, contou.
Desde então, Vera fala sobre o lema que os colaboradores carregam. “Nós sempre falamos que somos apaixonados por água, porque a água é muito importante para o ser humano. E sabemos que 75% do nosso corpo é água, então, a gente fala que nós, literalmente, estamos dentro das pessoas. Temos esta paixão e, no caso do flúor especificamente, 100% da cidade é fluoretada, algo extremamente importante e que possibilita uma melhoria da qualidade de vida da população em geral, então, isso torna democrático o acesso à água e uma água fluoretada que ajuda a garantir a redução da cárie dental”, argumentou.
Fruto de uma determinação a nível nacional, Sandim ressalta que o Brasil é signatário da OMS (Organização Mundial da Saúde), oferecendo as políticas de saúde estabelecidas, incluindo a água fluoretada e assim melhorando a qualidade da saúde local.
“Se você pensar que uma pessoa, vamos dizer que tenha cáries, ela tem muitas dificuldades na vida, então, tudo que pode contribuir para reduzir a cárie é muito bom. E o fluoreto é um elemento que ajuda a reforçar a estrutura do dente, ele vai lá na estrutura e é uma forma democrática, porque todas as pessoas, independente da classe social, têm acesso a mesma qualidade de água”, explicou.
Como é feita a fluoretação da água?
Em tempos de online, cartinhas para o cliente!
Mas e quando a água chega com cor diferente? Ou “com gosto” ao abrir a torneira, como algumas pessoas reclamam? Política padrão da concessionária, a ideia foi enviar um técnico ao local para fazer uma coleta, na frente da pessoa e, após análise, enviar uma cartinha explicativa e personalizada ao cliente.
“Para não ficar em uma parte técnica somente, passamos a fazer as cartinhas, em que a gente mostra o relatório de análise por inteiro, fazemos a cartinha mostrando a situação. Antes, a gente percebia que enviar somente o relatório técnico o cliente não entendia. Aí decidimos fazer diferente, isso desde o ano de 2001. Outro problema é que a gente deixava no atendimento e o cliente não ia buscar, então, resolvemos entregar direto na casa dele”, afirmou a coordenadora.
Na cartinha, Vera comenta que até a questão do turbilhonamento da água é explicada ao cliente, além da presença do oxigênio incorporado à água durante o percurso.
“É importante ressaltar que, neste processo, não colocamos nenhum produto, pois, seria um despropósito, então, analisamos a água e descrevemos a situação ao cliente. Não colocamos nenhum produto que possa conferir cor na água e a analisamos bruta, das captações até as saídas de tratamento”, ressaltou.
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Água de qualidade + boa alimentação + higiene = saúde melhor
É evidente que a combinação ‘água de qualidade mais boa alimentação e cuidado com a higiene’ vai resultar em uma saúde melhor. E quem está na “linha de frente” e presenciou muita cárie em crianças pode falar com propriedade. É o caso da dentista Sônia Pereira da Silva Marques (CRO 377), formada em 1976 e especialista em saúde pública, com 48 anos de atuação na rede pública de Campo Grande.
“Tenho, sim, bastante tempo de profissão e exemplo até dentro de casa. Antigamente, não tinha flúor na água, mas, existia um comprimido de flúor que pegávamos na rede pública de saúde. E, com isto, meus filhos nunca tiveram cárie. Depois é que surgiu o tratamento de água, com a porcentagem correta de flúor. Eu sou desta época, presenciei a aplicação de flúor nas crianças, na época de visita constante de dentistas nas escolas”, relembrou Sônia.
Conforme a dentista, o programa Brasil Sorridente chegou a receber prêmios, de “cárie zero”. “No entanto, no decorrer do tempo, começaram a ocorrer muitos questionamentos sobre o flúor, alegando danos e possíveis problemas ósseos. Existia também a aplicação tópica de flúor, então, a gente sempre colocava em moldeira e passava nas crianças, seja no consultório ou nas escolas, mas, tudo mudou novamente. E graças a Deus o flúor na água permaneceu, eu sou super favorável a este método”, opinou.
Plantonista em postos de saúde dos bairros Itamaracá, Moreninhas e Universitário, onde faz atendimentos de urgência e emergência, Sônia diz que, antigamente, era nítida a diferença de dentição entre crianças que tomavam água de poço e as que ingeriam água tratada.
“A gente perguntava sempre e o primeiro caso era, na maioria das vezes, de crianças que apresentavam mais cárie”, disse. Outra discussão, ainda conforme a dentista, envolve a pasta de dente com ou sem flúor.
“A recomendação, antes, era de usar a pasta sem flúor e agora, de uns tempos para cá, pode ser usado, porém, com restrições, de não deixar a criança ficar comendo, porque o efeito pode ser inverso e a criança ter fluorose dentária. Ou seja, ao invés de ficar forte, o dente pode ficar supermole e desgastado, já que o excesso é prejudicial, porém, na quantidade exata é uma medida excelente”, finalizou Sônia.
Água fluoretada e aulas sobre saúde bucal = campo-grandense sem cárie
Qual é o resultado final de tamanho investimento de fluoretação da água, em Campo Grande? Como fica o consumidor final? Quais os benefícios para os campo-grandenses? A resposta está na boca de crianças e adolescentes e da população em geral, que exala saúde e ensinamentos que tiveram na escola, tão importante para o bem-estar, a autoestima e a saúde geral do corpo.
A estudante Natiely Ramos Tabosa, de 16 anos, ressalta que, apesar de ser uma pessoa que come “doces e besteiras”, nunca teve problemas com cárie. “Não sei como é este desconforto e nem nada do tipo. E os meus ensinamentos com saúde bucal ajudaram muito. Tudo começou muito cedo e a minha mãe sempre pegou no meu pé por conta disso e me ensinou sobre todos estes cuidados”, relembrou.
Enquanto esteve na creche, Natiely diz que lembra do cuidado das professoras e da presença de dentistas, que faziam palestras e visitas periódicas. “Quando entrei na escola, isto não mudou. Tive contato com muitos dentistas também, participei de ações preventivas durante a minha vida, então, este aprendizado se tornou um costume e eu priorizo a minha saúde bucal. Acho importante as escolas terem isso, afinal, o flúor é muito importante e ajuda na limpeza, entre outros fatores”, disse.
A estudante Emilly de Oliveira Candido, de 10 anos, também ressalta tudo o que aprendeu sobre saúde bucal, recentemente, durante as aulas na Escola Municipal Geraldo Castelo, localizada no bairro Monte Líbano, em Campo Grande.
“Nós aprendemos sobre saúde bucal e eu entendi que é muito importante escovar o dente três vezes ao dia, cuidar direitinho da saúde da boca, usar flúor, pois, ele protege contra as bactérias e não comer muitos doces para não criar cáries nos dentes”, finalizou.
Confira aqui imagens da estação de tratamento e o depoimento de estudantes:
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