Redação do Enem joga luz ao trabalho invisível que sobrecarrega e adoece mulheres em MS
Pesquisas mostram que a sobrecarga do trabalho do cuidado, invisível na sociedade, têm levado mulheres a doenças mentais
Priscilla Peres –
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Segunda-feira, mais uma semana se inicia e na agenda de afazeres vários compromissos. Ir ao mercado e garantir o alimento da semana, preparar o almoço, o lanche dos filhos, lavar, dobrar e guardar as roupas, limpar a casa, agendar a consulta médica do filho… Tudo isso é considerado trabalho doméstico e quando somado ao trabalho formal, concede às mulheres a chamada jornada dupla, às vezes tripla.
A invisibilidade deste trabalho do cuidado realizado por mulheres e os desafios para o enfrentamento à situação, formaram o tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2023. O tema joga luz a assunto delicado e urgente ao fazer com que mais de 33,4 mil estudantes no Mato Grosso do Sul e 3 milhões no Brasil, dissertem sobre o assunto.
Ao longo dos anos nos acostumamos com as mulheres que cuidam, cenário que muitas vezes passa por gerações de mulheres sem ser reconhecido como trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que as mulheres dedicaram 9,6 horas a mais do que os homens aos afazeres domésticos e ao cuidado em 2022.
Mesmo quando ambos têm trabalho remunerado, a divisão das tarefas domésticas e do cuidado é desigual entre homem e mulher. Conforme o IBGE, as mulheres que têm um trabalho remunerado, dedicam 6,8 horas por semanas a mais que os homens aos afazeres domésticos.
Quando o recorte inclui raça e classe social, a desigualdade aumenta. Pesquisas mostram que mulheres pobres e negras são ainda mais invisíveis no quesito trabalho doméstico. Mulheres que são mães relatam sobrecarga e julgamentos para além do trabalho invisível.
Sobrecarga no trabalho de cuidar
Aos 39 anos, Flávia Paulina Rodrigues de Mazzi é esposa, mãe de duas meninas e professora em Sidrolândia, cidade distante 70 km de Campo Grande. Ela vive na pele a sobrecarga do trabalho doméstico, aliado ao trabalho remunerado, mas junto com o marido ensinou a família a dividir as tarefas e ensina seus alunos sobre a importância de enxergar as esferas da sociedade.
Com 60 horas de trabalho por semana fora de casa, de segunda a sábado, mais compromissos religiosos durante a semana, seria impossível manter uma casa e ordem e as filhas bem cuidadas, sozinha. E é por isso que na casa dela as tarefas são divididas entre todos os moradores, que se ajudam nos serviços.
“Hoje se fala mais sobre as condições mentais dos sujeitos, mas pouco se faz diante da invisibilidade da demanda de trabalho entre os sexos, onde a mulher se sente culpada ao descansar e não dar conta de suas “responsabilidades”, mas será que somos responsáveis por tudo?”, questiona ela ao destacar que é necessários que as mulheres entendam seus limites e busquem ajuda.
Sábia, Flávia ainda faz uma reflexão mais ampla. “O trabalho da mulher é visto como cuidar, um cuidar condicionado a boa filha, boa mãe, boa esposa… Mas a sobrecarga do cuidar nos torna invisíveis. A mulher não sabe descansar, sempre pronta a auxiliar e dar tudo de si, fazendo com que dê certo”.
Como mudar o cenário atual? Educando as novas gerações para um consciência de cuidado coletivo e é isso que a professora Flávia faz no seus dia a dia. “Sempre abordo os assuntos relacionados à mulher em minhas aulas de Filosofia, seja pela carga de trabalho e/ou pela distorção entre o que compete a mulher e ao homem”, afirma.
Trabalho invisível que adoece mulheres
Pesquisa do Laboratório Think Olga revela que 45% das mulheres possui um diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum outro transtorno mental. E as principais causas para os sofrimentos são apontadas por elas pela falta de dinheiro, sobrecarga e insatisfação com o trabalho.
Mulheres negras vivenciam maior sofrimento. A ansiedade, transtorno mais comum no Brasil, faz parte do dia a dia de 6 em cada 10 mulheres brasileiras. Cenário brasileiro vivenciado pela psicóloga Marcela Lombelo em seus atendimentos, em Campo Grande.
Ela conta que atende em consultório maioria de mulheres mães e é muito comum relatos de mulheres com baixa autoestima, insônia, irritabilidade, fadiga, sentimento de impotência, transtornos de alimentação e de humor. Fruto da sobrecarga diária e da cultura de “dever da mulher”.
Marcela destaca que o trabalho do cuidado é invisibilidade principalmente pela sociedade que enxerga a mulher como responsável única e certa por toda a demanda de casa e filhos. Mulheres cada vez mais pressionadas pelo mercado de trabalho e julgamentos da sociedade, principalmente quando o tema é a exaustão da maternidade.
“Esse tema trás para gente a oportunidade de olhar para quem cuida, podemos sim continuar exercendo esse cuidado, mas falando sobre ele, partilhando o cuidado e mudando por relações mais colaborativas”, destaca a psicóloga.
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