Mesmo qualificadas, pessoas com deficiência enfrentam luta diária para encontrar empregos

Com vagas limitadas a funções específicas, PCDs lutam para que empresas compreendam que inclusão não é ato de caridade

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Médico Lucas Pacini
Mesmo em meio a diversidades, Lucas se tornou médico (Arquivo Pessoal)

Na jornada em busca de emprego, PCDs (Pessoas com Deficiência) enfrentam uma batalha silenciosa e muitas vezes invisível que ultrapassa as barreiras físicas e se sustentam em crenças limitadoras. Para quem possui algum tipo de deficiência, a maior dificuldade na hora de encontrar um emprego é provar ser capaz de exercer cargos para os quais se especializaram.

Médico, Lucas Guilherme Vieira Pacini, 30, é portador de Mielomeningocele, uma má formação congênita que afeta a coluna vertebral e a medula espinhal. No caso de Lucas, a doença afeta sua mobilidade do joelho para baixo, o que implicou no uso de cadeira de rodas, mas não o impediu que cursasse medicina, um dos cursos mais disputados do país.

“Fiz 13 anos de fisioterapia, me desenvolvi e me tornei independente. Antes da medicina, cursei engenharia de produção e trabalhei em uma multinacional. Porém, meu irmão teve uma piora nas condições clínicas (deficiência mental), o que me fez largar tudo, fazer cursinho e trocar de graduação aos 19 anos. Prestei vestibular e consegui a vaga em ampla concorrência”, relata.

‘É exaustivo provar o tempo todo que sou capaz’

Logo no início do curso, Lucas se deparou com a primeira barreira: a Universidade não estava preparada para receber uma pessoa com deficiência. Por isso, alguns ambientes da faculdade, assim como as aulas e provas práticas, precisaram ser adaptadas.

“O capacitismo praticado por professores foi o mais difícil. Sempre me senti olhado com um ar de dúvida quanto a minha capacidade de exercer a medicina. Alguns professores incentivavam, perguntavam as minhas necessidades. Outros simplesmente me subestimavam quase que o tempo todo”, recorda.

Lucas Pacini
Médico Lucas Pacini (Arquivo Pessoal)

Na hora de buscar um emprego, as barreiras sociais e as crenças limitantes que sempre o subjugaram fizeram com que Lucas se sentisse inseguro e omitisse sua deficiência.

“Fiz meu cadastro para a vaga como todo mundo, e em nenhum momento eu coloquei que era PCD por medo de não ser contratado. Acho que foi impactante quando eu me apresentei, mas eu nem me importei com isso e agi naturalmente”.

Mesmo após se tornar médico, ele ainda precisou lidar com o capacitismo diário por parte de chefes e colegas de trabalho. “Me olhavam como se eu fosse incapaz, é exaustiva essa tarefa de provar o tempo todo que eu sou capaz”.

‘Só nos resta o chão de fábrica’

Jornalista e ativista em prol das pessoas com deficiência, Sarah Santos explica que na hora da contratação, é comum que as empresas limitem as vagas a funções administrativas e de manutenção. Nesse contexto, segundo a jovem, raramente são ofertados cargos de chefia voltados a PCDs.

“Uma das maiores dificuldades é que PCDs com formação não encontram oportunidades. Quando abrem um processo seletivo os cargos são sempre de ‘baixo escalão’, ‘chão de fábrica’. Não que isso seja menos digno, mas a pessoa qualificada tem muita dificuldade de encontrar um emprego compatível com sua formação”, destaca.

Representante da Associação de Mulheres com Deficiência, Mirella Ballatore, ressalta que mesmo como Instituição, ainda passa por situações cotidianas de capacitismo, termo utilizado para expressar a discriminação contra pessoas com deficiência.

“Dentro da nossa Associação temos mulheres qualificadas, pós-graduadas, mas não existem oportunidades para elas. Só ofertam vagas de serviços gerais, repositor de estoque. Além da luta para se qualificar, tem a luta para conseguir um emprego pelo qual se especializou”, enfatiza.

Como alguém que lida diariamente com situações capacitistas, tanto no âmbito pessoal quanto profissional, Lucas Pacini considera que não só as empresas, mas a sociedade na totalidade não estão preparadas para lidar com pessoas com deficiência.

“Já ouvi várias vezes a ‘sugestão’ de procurar uma aposentadoria, como se fosse uma opção viável para mim. É horrível enxergar que a própria sociedade vê PCDs como incapazes, sendo melhor ‘que se aposentem por invalidez’, como muitos dizem”, destaca.

‘Inclusão só chega quando a multa bate a porta’

Para Sarah, ainda há muito para que as empresas compreendam que a inclusão não é um ato de caridade, mas sim um investimento no potencial daquele profissional.

“As empresas só se preocupam com a inclusão quando o Ministério Público bate na porta para aplicar multa. Antes disso não é algo pensado. Naturalmente, as empresas não acreditam na força de trabalho de quem possui uma deficiência”, destaca.

A legislação brasileira prevê que as proporções para empregar pessoas com deficiência variam conforme a quantidade de funcionários de cada empresa. De 100 a 200 empregados, a reserva legal é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1.000, de 4%. As empresas com mais de 1.001 empregados devem reservar 5% das vagas para esse grupo.

Associação de Mulheres com Deficiência
Associação de Mulheres com Deficiência (Divulgação)

Mirella Ballatore ressalta que mesmo quando há oferta de vagas, as empresas optam por escolher candidatos com deficiências menos ‘aparentes’, para não precisar adaptar os locais de trabalho.

“Quando as empresas procuram a Associação para auxiliar no encaminhamento de PCDs ao mercado de trabalho, elas já deixam subentendido que preferem candidatos com deficiências mínimas. Para inserir um cadeirante, a empresa precisa ser adaptada, um surdo precisa de um intérprete de Libras (Língua brasileira de sinais), mas eles não querem investir nisso”, explica.

Segundo a representante da Associação de Mulheres com Deficiência, muitas empresas buscam apenas cumprir a cota de contratação estipulada pelo governo.

Salários incompatíveis e inacessibilidade dificultam a contratação

Funtrab
Atendimentos a PCDs na Funtrab (Divulgação)

Em 2023, a Funsat (Fundação Social do Trabalho) encaminhou 76 PCDs para o mercado de trabalho, sendo que, diariamente, são ofertadas cerca de 40 vagas exclusivas para pessoas com deficiência em Campo Grande.

Conforme a Fundação, o encaminhamento é feito por meio de uma convocação que filtra os candidatos de acordo com o perfil da vaga oferecida.

“As maiores dificuldades na inserção dessas pessoas no mercado de trabalho são os salários oferecidos e a falta de acessibilidade por parte das empresas”, destaca a Funsat em nota.

A nível estadual, a Funtrab (Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul) realiza o processo de contratação por meio do Setor de Serviço Social, especializado no atendimento a PCDs.

“Em 2022, foram abertas 14.385 vagas exclusivas para pessoas com deficiência em todo o Estado”, afirma a pasta.

Criado em 2003, o Setor de Serviço Social conta com três assistentes sociais que realizam atendimentos específicos e disponibilizam em média 100 vagas diariamente. No entanto, segundo a Funtrab, há inúmeros fatores que dificultam a inserção de PCDs no mercado de trabalho, que vão desde a falta de vagas específicas até questões familiares.

Atendimento em Libras
Atendimento em Libras (Divulgação)

“Há também a contenda desses candidatos receberem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio emergencial, entre outros auxílios. Além disso, a qualificação e a capacitação profissional, questões familiares e a inacessibilidade das empresas são desafios. Às vezes, encaminhamos o perfil solicitado, mas a empresa contrata de outras fontes”, destaca a pasta.

Apesar da falta de vagas específicas para PCDs com qualificação, a Funtrab afirma que, com frequência, determinadas ocupações que exigem formação técnica profissional não são preenchidas. “Mesmo veiculando a vaga na mídia, não encontramos o candidato que preencha os requisitos mínimos”.

Descumprimento à Lei de Cotas pode gerar multa de R$ 265 mil

Conforme previsto na legislação brasileira, as empresas que possuem acima de 100 funcionários, precisam cumprir a Lei de Cotas, destinando de 2 a 5% das vagas a PCDs. Segundo a Funtrab, o não cumprimento é punível com multa, que pode chegar ao valor de R$ 265 mil.

“Uma vez que é identificado que a empresa não cumpre a cota corretamente, é emitido um aviso para o cumprimento ser feito em até 90 dias. Caso não apresente avanços neste período, a empresa é autuada”, destaca a Fundação do Trabalho.

A fiscalização nas empresas é realizada por um Auditor Fiscal do Trabalho da SRTE-MS (Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em MS).

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