Morte de ciclista expõe falta de ciclovias onde trabalhadores mais precisam em Campo Grande
Segundo especialista, falta de conexões entre os trechos faz sistema ser inviável na Capital
Clayton Neves –
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No papel, Campo Grande tem mais de 100 quilômetros de ciclovias, muitas delas precárias, principalmente em bairros afastados do Centro. Mortes de ciclistas, como a do jovem Wyllyan Caldeiras, de apenas 18 anos no bairro Nova Campo Grande, no último sábado (18), revelam que a Capital precisa de mais ciclovias e de conexões que interliguem diferentes regiões da cidade.
Foi andando pela Rua Spipe Calarge que Gustavo Figueredo Domingues, de 22 anos, teve a pior experiência da vida de ciclista em Campo Grande. “Eu trabalhava em uma pizzaria e estava indo para o serviço. Uma caminhonete simplesmente me ignorou e tentou passar por cima de mim”, conta.
Além do susto que o deixou paralisado, uma das rodas da bicicleta entornou e precisou de conserto. “O motorista só dizia para que eu ficasse calmo. Ele me fez um pix de R$ 100 para o conserto da bike, mas nem desculpa pediu”, acrescenta.
Depois do episódio, Gustavo lembra que ficou traumatizado por meses. Aliás, em três anos que usa a bicicleta para se locomover, a rotina sobre duas rodas se divide entre conviver com o medo e torcer para a sorte acompanhar.
“Vejo motoristas que ignoram nossa existência e passam a centímetros de distância da gente. Sempre penso que esses carros podem me matar”, detalha.
No último sábado (18), o temor de Gustavo se tornou realidade para outro jovem. O ciclista Wyllyan Caldeiras, de apenas 18 anos, morreu ao ser atropelado por um ônibus. Ele seguia pela Rua Nove, uma das mais movimentadas do bairro Nova Campo Grande, quando foi desequilibrado por um motorista que abriu a porta do carro estacionado. Wyllyan caiu na rua e foi atingido pelo ônibus. Ele morreu na hora.
Neste ano, nova experiência negativa e mais uma prova do risco a que dezenas de ciclistas são submetidos em Campo Grande. “Eu estava voltando para casa e atravessando na ciclofaixa da Avenida Mato Grosso. Quando cheguei no meio da via o sinal abriu e os carros começaram a passar sem ao menos me olhar”, relembra.
Com medo, a reação de Gustavo foi parar até que um dos motoristas lhe desse passagem. “Uma mulher quase me acertou e eu fiquei parado em choque até um carro parar e deixar que eu seguisse”, explica.
Em meio ao perigo do dia a dia, o ciclista conta que já até considerou abandonar a “bike”, que há 3 anos usa como forma de economizar nos gastos com gasolina. “As condições na cidade são péssimas e parece que muito motorista se incomoda com nossa presença. Ver notícias de gente que morre no trânsito só aumenta o receio”, finaliza.
Mobilidade urbana a desejar
Vivências como a do Gustavo só reforçam a necessidade de melhorar o sistema de mobilidade urbana de Campo Grande. Com 942 mil habitantes, atualmente a Capital conta com 103 quilômetros de ciclovia, o que representa pouco mais de 11 km do percurso para cada 100 mil habitantes.
As ciclovias, no entanto, não chegam em vários bairros populosos da cidade, como é o caso do Nova Campo Grande onde Wyllyan morreu no sábado. E isso faz com que trabalhadores que ‘cortam’ a cidade de bicicleta fiquem expostos.
No ranking nacional, a cidade ocupa o 12º lugar no ranking das capitais com mais áreas destinadas aos ciclistas.
A frente de Campo Grande aparecem São Paulo (667,1 km), Brasília (527,23 km), Rio de Janeiro (450 km), Fortaleza (411 lm), Salvador (308,59), Curitiba (252,1 km), Recife (169 km), Florianópolis (121,56 km), Belém (116,5 km), Rio Branco (110 km) e Belo Horizonte (105, 9 km). Os dados são da Associação da Aliança Bike.
Em mapa disponibilizado pela Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano) é possível notar que as ciclovias de Campo Grande se concentram nas seguintes avenidas:
- Dos Cafezais
- Gury Marques
- Doutor Nasri Siufi
- Nova America
- Graça Aranha
- Lúdio Martins Coelho
- Duque de Caxias, Noroeste
- Prefeito Heráclito Diniz de Figueiredo
- Afonso Pena
- Desembargador José Nunes da Cunha Nelly Martins
- Cônsul Assalf Trad
- José Barbosa Rodrigues
- Amaro Casto Lima
- Senador Filinto Muller
Também passam pelo quadrilátero do Parque do Soter, na área interna do Parque das Nações Indígenas e nas ruas Arthur Pereira e Petrópolis.
Apesar de cruzar por ruas de diferentes bairros, entre os ciclistas se mantém a reclamação de que a quantidade de faixas para ciclistas não atendem a demanda da cidade e limitam-se às maiores e mais conhecidas avenidas da cidade.
Além disso, basta analisar o mapa para notar diversos pontos com ciclovias isoladas, sem que haja ligação entre elas. Na Rua Artur Pereira, por exemplo, ciclovia às margens do Córrego Lageado abrange extensão de apenas 14 cruzamentos. Na Rua da Divisão, a situação se repete e somente 18 ruas são atendidas.
Como resultado, ciclistas que começam itinerário dentro das ciclovias são obrigados a disputar espaço entre carros pouco tempo após o início do percurso.
Questionada sobre a expansão e readequação das rotas, a Prefeitura de Campo Grande informou que desenvolve estudos para revisar o PDTMDU (Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana da Capital) da cidade e implementar mais ciclofaixas, no entanto, não informou detalhes do levantamento nem qual a intenção envolvida.
Desempenho Insatisfatório
Na avaliação de Júlio Botega, doutor em arquitetura e urbanismo e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), no contexto mobilidade urbana e uso das ciclovias, Campo Grande não tem despenho satisfatório. Para o especialista, a falta de ligação entre um itinerário e outro é justamente um dos motivos que reforçam o cenário ruim.
“Parece não haver planejamento, exemplo disso é a ciclovia que sai da UFMS e passa pela Fábio Zaran. Quando chega no Mercadão ela simplesmente é interrompida, sendo que poderia seguir pelo menos atá a Afonso Pena ou continuar pela Orla Ferroviária até a Praça São Francisco, se conectar com a ciclovia da Orla Morena e chegar à Avenida Heráclito Figueiredo. Essa falta de conexão desmotiva as pessoas”, comenta.
Outro grande desafio apontado por Júlio é desenvolver na sociedade o senso de que é preciso pensar no sistema de ciclovias da mesma maneira que se pensa no carro, com implantação de vias com início e fim, conexão e segurança.
“Uma das coisas mais absurdas que vi em Campo Grande e a ciclovia da Via Parque que em determinado momento é jogada para a calçada para os carros terem chance de virar a direita. É tudo para o carro e enquanto se pensar dessa forma não terá muita chance para a bicicleta”, acrescenta.
Para quem resiste no uso das bicicletas, os ganhos são pessoais e coletivos. “Investimento em ciclovia é uma questão de saúde por ser um meio não polui e a pessoa ainda faz um tipo de exercício. Também não causa congestionamento e tem uma série de vantagens sobre outras formas de mobilidade”, completa Júlio Botega.
Insegurança nas ruas
No último sábado (27), o ciclista Wyllyan Caldeiras, de apenas 18 anos, morreu atropelado por um ônibus no Bairro Nova Campo Grande. O rapaz foi atropelado por um ônibus depois de ser atingido pela porta de um carro estacionado.
O acidente foi flagrado por câmeras de segurança. Nas imagens é possível notar que o automóvel Siena está estacionado na Rua Nove. O ciclista transita pela rua e assim que passa ao lado do carro, o motorista abre a porta.
Assim que Wyllyan é derrubado, é atropelado pelo ônibus que passava no mesmo momento. Testemunhas contaram que o ciclista ainda estava respirando após o acidente, mas morreu em seguida.
O motorista do Siena foge do local sem prestar socorro. Ele se apresentou à polícia na segunda-feira (30) e disse não ter visto a vítima ser atropelada. O suspeito prestou depoimento e foi liberado.
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