Campo Grande alagada: desrespeito ao uso do solo é explicação para caos em todo temporal
Entenda por que, afinal, Campo Grande alaga tanto
Clayton Neves –
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Basta chover um pouco além do que de costume para que as manchetes dos jornais de Campo Grande fiquem exatamente como ontem (4) e hoje (5): repletas de notícias de alagamentos, estragos e muitas casas invadidas e destruídas pela força de enxurradas.
Quando o assunto é alagamento, Rachid Neder, Via Park, Bonança, Nova Campo Grande, Ernesto Geisel e Rua da Divisão despontam como alguns dos pontos onde a situação crítica sempre se repete. Nessas áreas, moradores e lojistas chegam a repensar o local que escolheram para empreender e morar.
Mas afinal, por que Campo Grande alaga tanto? É possível fugir disso?
Aqui, abre-se parêntese para lembrar que a cidade começou às margens dos Córregos Prosa e Segredo. Da região, hoje cercada por avenidas, surgiram construções que compõem a Capital de Mato Grosso do Sul.
Para entender melhor o processo do impacto das chuvas, o doutor em arquitetura e urbanismo e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Júlio Botega, afirma que é preciso entender o que provoca as enchentes, um processo que é natural.
“Basicamente são rios recuperando a área de várzea, ou seja, a área em que naturalmente ocuparia. Por isso, esse não é um problema que se resolveria facilmente, é um reflexo da construção que a cidade sofreu desde que existe”, pontua.
Com córregos por toda a cidade, tanto no Centro quanto nos bairros, a situação fica propicia ao cenário visto ontem. Resultado da proximidade das vias e construções com a área de vazante dos córregos. Aliada a isso, a superfície plana, predominante na Capital, é facilitadora para o avanço dos rios, que fluem sem muitos obstáculos.
“Temos o exemplo da Ernesto Geisel, Fernando Corrêa da Costa e outras vias que são grudadas no córrego sem nenhuma proteção vegetal ou arbórea entre o rio e a pista. Quando chove bastante, o rio ocupa novamente esse espaço e vai destruir o que estiver ao redor. É um fenômeno natural e acontece porque o homem está onde não deveria estar. Isso e histórico”, avalia.
Legislação
Considerando os fatores naturais, especialmente a soma da água dos córregos e da chuva, não é preciso andar muito pelas ruas de Campo Grande para observar que muitas questões técnicas não foram observadas no processo de construção da cidade. Com o passar dos anos, a necessidade de planejamento urbano da cidade estabeleceu série de regramentos sobre o uso do solo, no entanto, ainda assim o descumprimento de muitas exigências é observado.
“No Plano diretor, por exemplo, existe a taxa de permeabilidade que um morador é obrigado a ter no seu terreno. Essa taxa é justamente para que a água tenha onde cair, percolar no solo e não fique passeando pela cidade, mas isso nem sempre é observado”, esclarece o professor Júlio Botega.
A taxa de permeabilidade é a área do terreno que deve ficar livre de construções, o que permite que a água penetre no solo e auxilie no processo de escoamento. O índice varia entre 25 e 30%, dependendo da área construída.
“No código florestal também existem as APPs (Áreas de Proteção Permanente), que determinam que se o rio tem dez metros de largura, deve ter no mínimo 30 metros de APPs de cada lado. Isso não existe em Campo Grande e nem na maioria das cidades do País, mas são questões ambientais presentes na legislação”, afirma o arquiteto.
De acordo com ele, a pobreza e falta de recursos também tornam-se pontos da discussão porque pessoas de baixa renda são as mais afetadas pelas destruições das enchentes. “A vulnerabilidade social acompanha a ambiental. Essas pessoas estão fora do mercado imobiliário e partem para a autoconstrução porque não podem escolher onde morar. Muitas construções, que não estão em áreas legalizadas, são antigas e de uma época em que a questão ambiental era secundária”, relata.
Em casos de imóveis já construídos, retirar moradores do foco de risco é tarefa que depende de avaliação caso a caso e pode resultar, inclusive, na interdição da área.
Caos na cidade
Levantamento divulgado pelo Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e Clima de Mato Grosso do Sul) aponta que Campo Grande acumulou 165,2 mm de chuvas no período de 24 horas, o que representa 68% do esperado para janeiro inteiro.
Entre os prejuízos estão ruas enlameadas, estruturas de pontes e calçadas desmoronadas e famílias com a casa invadida pela água. Uma residência no Água Limpa Park, por exemplo, ficou destruída após o rompimento de uma lagoa de contenção. Apesar do nome do bairro, a água suja e vermelha desceu a Rua Nobres e invadiu as casas.
Cerca de 200 trabalhadores da Prefeitura Municipal de Campo Grande foram para as ruas na manhã desta quinta-feira (5) para atuar no rescaldo das chuvas que castigaram a Capital na quarta-feira.
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