Apesar de pesca liberada, peixes não nativos na Lagoa Itatiaia ‘bagunçam’ cadeia alimentar

Há anos, pesca na lagoa urbana é tema de debate entre moradores e pescadores da região

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Pesca diária às margens da lagoa (Foto: Arquivo/Midiamax)

Viralizou nesta semana imagem de pescadores retirando uma carpa e um cachara da Lagoa Itatiaia, em Campo Grande. A situação surpreendeu pelo tamanho das espécies e levantou a antiga discussão: pode pescar ali? Autoridades afirmam que nada impede a pesca no local, mas ambientalista alerta para a inserção de peixes não nativos na lagoa.

Diferente do Parque das Nações, a Lagoa Itatiaia é natural e urbana, isso significa que existem peixes nativos do local. A pesca no local se tornou algo cultural em Campo Grande, que nunca foi barrado pelo poder público, apesar de várias tentativas da Câmara dos Vereadores.

A pesca na Lagoa, que atrai dezenas de visitantes, incomoda quem mora na região. Moradores entraram em contato com o Jornal Midiamax para reclamação da situação que chamam de “baderna”, além da sujeira que fica pelo local.

Apesar das reclamações de moradores em relação à pescaria, a Lagoa Itatiaia não recebe manutenção permanente da prefeitura, que tem um projeto de revitalização do local.

Espécies não nativas ameaçam peixes que já vivem por lá

De acordo com a PMA (Polícia Militar Ambiental), os peixes de grande porte pescados nos últimos dias na Lagoa Itatiaia, não são nativos do local que não apresenta condições favoráveis a reprodução da espécie. Se estão lá é porque, certamente, alguém colocou alevinos das espécies não nativas na lagoa. Essa prática só é permitida mediante autorização ambiental.

Professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), especialista em ciências biológicas e biologia animal, Fernando Rogerio de Carvalho é membro da Associação de Ictiologia Neotropical, e explica que a existência de peixes exóticos vivendo na Lagoa Itatiaia, acende alerta ao ecossistema local.

Não temos um levantamento de quais peixes vivem ali, mas se for um cachara, um Pseudoplatystoma fasciatum, é uma espécie nativa introduzida na bacia rio Paraguai, ou seja, se foi colocado ali foi cometido um crime ambiental. A carpa também é uma espécie exótica, nativa da Europa. Os danos são irreversíveis, não faz parte da composição e deve ter interferência.

Sem um predador, as espécies citadas causam uma “bagunça” na cadeia alimentar do lado, já que se alimentam de outros peixes menores como lambaris e o cará. “Uma espécie invasora compete com recursos de uma espécie nativa e isso pode levar a extinção local. O cachara é um bagre, de porte grande e se alimenta de peixes pequenos, o lambari, por exemplo, é um onívoro e se alimenta de tudo”.

Qualidade da água não é analisada

A garantia de que os peixes pescados ali são saudáveis só poderia ser atestada caso fossem realizados testes de qualidade da água, o que não é feito. Dessa forma, não é possível afirmar que os peixes são próprios para o consumo humano.

“Uma espécie invasora pode trazer parasitas que não tinha naquele ambiente e que passam para outras nativas. Outro ponto é se há grau de contaminação de mercúrio na água, falta um diagnóstico”.

O cachara ou carpa podem ter classificação híbrida, que tem cruzamento genético, e a pura. Caso o peixe for híbrido, a reprodução não ocorre; se for puro as chances são pouco maiores, entretanto, seria necessário um casal e o fluxo de água para reprodução, o que não há na Lagoa Itatiaia.

Carpa pega na lagoa (Foto: Reprodução)

Por que não é proibido?

Em nota, a Semadesc (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação) explicou que a lagoa Itatiaia é um corpo d’água que não se interliga com outros corpos hídricos, o seu abastecimento é subterrâneo.

“De acordo com a Gerência de Recursos Pesqueiros e Fauna do Imasul, a pesca na lagoa Itatiaia é considerada ‘pesca de subsistência’. Não há obrigatoriedade de se obter uma autorização ambiental para pesca no local pelo fato de a lagoa estar em área urbana e ser um parque municipal”.

Ou seja, caso entenda necessário, a atividade de pesca na lagoa pode ser regulamentada pela prefeitura, mas se a administração municipal não regulamentar, a pesca naquele local continua sem exigência de autorização ambiental.

A Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) informou que não monitora a pesca no local, assim, não possui listagem de peixes por não se tratar de atribuição desta pasta, que seria de competência da PMA (Polícia Militar Ambiental).

“A Semadur não realiza o monitoramento da qualidade da água da Lagoa Itatiaia, somente no rio Anhanduí e em córregos urbanos e destacamos que qualquer possível degradação em Áreas de Preservação Permanente é monitorada pela Secretaria e que denúncias neste sentido podem ser formalizadas por meio da Central de Atendimento 156”.

O Major Queijoz, da PM, já havia declarado anteriormente que “com certeza alguém soltou alevinos a Lagoa, eles encontram alimentos ali e crescem e engordam. Para se reproduzir eles precisam de uma água corrente para subir a correnteza”.

A mesma situação acontece em dourados onde os peixes foram soltos em uma lagoa para engordar e a população pescar. “Claro que para soltar alevinos ali é necessária uma autorização ambiental”.

Afinal, quem colocou aqueles peixes exóticos ali? Sem retornos esclarecedores do poder público e falta de estudos especializados na lagoa, a pergunta permanece. A Prefeitura disse que já licitou a obra para a revitalização do entorno da Lagoa Itatiaia.

“Será um investimento de 1,3 milhão de reais para dotar o entorno do lago de equipamentos urbanísticos para esporte e lazer dos moradores. No momento, a prefeitura aguarda liberação dos recursos por parte da Caixa Econômica Federal para dar início às obras. Regularmente a prefeitura faz a manutenção do local”, finaliza.

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