Ter sua liberdade cerceada, perder sua casa e ser constantemente tratado como moeda de troca é o que muitas aves e animais silvestres enfrentam em todo o país, inclusive em Mato Grosso do Sul. No Estado, as aves são o principal alvo de traficantes, principalmente os papagaios, de acordo com a PMA (Polícia Militar Ambiental). Ao todo, 737 aves foram resgatadas no Estado nos últimos 5 anos, uma média de 147 por ano.

Levantamento da PMA aponta que em 2021, 238 animais foram apreendidos e seis pessoas foram detidas por tráfico de animais, com multa aplicada de mais de R$ 2 milhões no total. Do número de animais apreendidos, 233 eram papagaios. Já no ano de 2020 — no contexto da pandemia da covid —, o índice cai para 11 animais apreendidos, sendo 7 deles papagaios, 2 tucanos, um periquito e uma arara-azul, e 7 pessoas multadas.

Em contrapartida, 2019 contabilizou 345 aves apreendidas, entre eles 180 papagaios, 5 periquitos e 160 canários peruanos. O valor total de multas aplicadas em 2019 foi de R$ 799 mil. No ano de 2018, 143 animais foram apreendidos, deste número 141 são papagaios, o que corresponde a 98,60% do total. Cerca de R$ 145 mil foram aplicados em multas.

Em relação às multas, a PMA descreve que os valores variam de acordo com quantidade de animais apreendidos, bem como, se eles constam ou não na lista da Cites (Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Flora e da Fauna em Perigo de Extinção).

Animais mais traficados e suas rotas

Filhote de papagaio resgatado em ação de tráfico. (Foto: Divulgação/PMA)

As aves são os animais mais traficados no estado de Mato Grosso do Sul, segundo dados da PMA. Com destaque para o papagaio, animal mais traficado na região. Os períodos de maior frequência dessas ocorrências são entre agosto e dezembro, por abranger o período reprodutivo dos papagaios. De acordo com a polícia militar ambiental, o interesse nos papagaios é mais relacionado aos filhotes, por terem a capacidade de reproduzir a voz humana apenas quando pequenos, o que é um atrativo para a compra dos animais para a criação doméstica.

As rotas principais para o tráfico de papagaios são os municípios de Jateí, Batayporã, Bataguassu, Ivinhema, Novo Horizonte do Sul, Anaurilândia, Santa Rita do Pardo, Nova Andradina e Brasilândia, além de Naviraí e Mundo Novo com destino a São Paulo.

Já uma prática em que Mato Grosso do Sul é apenas rota é a do canário peruano (Sicalis flaveolavalida) que entra no Brasil por meio de traficantes peruanos, bolivianos e brasileiros e são levados para Minas Gerais, Brasília e região nordeste para serem utilizados em rinhas.

Conforme o biólogo, o tráfico de animais silvestres afeta consideravelmente as populações nativas seja pela remoção sistemática de fêmeas e machos, seja pela destruição de seus ambientes, as relações entre as espécies e desequilíbrio da cadeia alimentar do local de onde foram retirados. As caças e acampamentos em que armadilhas são montadas para a captura de alguns animais também podem afetar animais de espécies que não são de interesse comercial também.

Outro risco do tráfico de animais silvestres citado pelo biólogo é o fato de que os animais traficados não têm um meio de controle, portanto, não se sabe as doenças que eles podem ter adquirido e consequentemente estejam transmitindo.

Terceira atividade mais rentável do mundo

O tráfico de animais silvestres é a terceira atividade criminosa mais rentável do mundo e chega a retirar 38 milhões de espécimes da natureza do país todo ano, conforme o Relatório Nacional de Tráfico de Fauna Silvestre do Renctas (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres).

O relatório do Renctas também aponta que o tráfico de animais silvestres movimente de 10 a 20 bilhões no mundo e o Brasil corresponde de 5 a 15% deste número. Cerca de R$ 2,5 bilhões são movimentados pelo comércio ilegal de animais todo o ano, ainda conforme a pesquisa da rede nacional de combate ao tráfico.

O biólogo José Milton Longo explica que a atividade é rentável por se tratar de animais que despertam o apelo de criação doméstica ou de pesquisa. Além do papagaio e das aves, o biólogo esclarece que lagartos e animais terrários também são de interesse comercial.

Por ser uma atividade ilegal, embute um valor agregado que as pessoas acabam pagando, o que explica a grande movimentação de dinheiro que a comercialização ilegal proporciona.

José Milton aponta que as penalidades para quem comete o tráfico de animais silvestres ainda é branda, o que incentiva o crescimento do setor. Afinal, as multas aplicadas correspondem a um valor baixo em relação ao lucro que a atividade gera. “A pessoa acaba só pagando multa e não é preso, e isso estimula que ela só tome mais cuidado da próxima”, pontua.

Medidas de prevenção

Para evitar o tráfico de animais, a PMA realiza a retirada dos papagaios dos ninhos para evitar a captura dos traficantes, bem como efetua trabalhos de educação ambiental nas áreas rurais com a divulgação de informações sobre a legislação ambiental. Uma prática comum dos criminosos é a manipulação de sitiantes e funcionários de propriedades rurais para que os animais sejam retirados e vendidos para eles, muitas vezes sem saber que está cometendo um crime ambiental.

Além disso, barreiras físicas também são inseridas nas saídas para São Paulo, principal rota de tráfico dos papagaios.

Nos anos de 2018, 2019 e 2020, período crítico da retirada dos papagaios, a PMA, em conjunto com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), realizou operações preventivas com a participação de cerca de 45 policiais e fiscais em Mato Grosso do Sul, o que segundo a PMA pode ter contribuído para a diminuição no índice de apreensões dos papagaios no período.