Foi divulgado nesta semana um levantamento inédito do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre a quantidade de pessoas acima dos 18 anos que se autodeclararam homossexuais ou bissexuais no Brasil e nos estados. Os dados são de 2019 e foram colhidos por meio de uma questão respondida por autodeclaração, inserida na PNS (Pesquisa Nacional de Saúde).

Em Mato Grosso do Sul, apenas 2% da população se autodeclaram homossexuais ou bissexuais, o que representa cerca de 40 mil pessoas. Segundo o instituto, em 2019, havia cerca 1,98 milhão de pessoas com 18 anos ou mais em MS.

Campo Grande registra número maior que a média estadual. Na capital, 676 mil que tinham 18 anos ou mais se autodeclararam homossexuais ou bissexuais. Destes, 90,9% (614 mil) se declararam heterossexuais, 3,7% (25 mil) responderam ser homossexuais ou bissexuais.

A porcentagem geral dos que se autodeclararam homossexuais ou bissexuais no Estado é semelhante à nacional, de 1,8% (2,9 milhões de pessoas), porém, outro recorte dos dados em MS chama a atenção, o de pessoas que não souberam ou não quiseram responder. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, 5,5% (109 mil) não souberam ou se recusaram a responder à questão. Em Campo Grande, 5,4% (37 mil) disseram não saber ou se recusaram.

A porcentagem de pessoas que disseram não saber ou se recusaram a responder, no caso do Estado, é mais que o dobro das que afirmaram ser homossexuais o bissexuais.

Mas será que isso quer dizer alguma coisa? Existe a possibilidade de, dentro deste último grupo, ter pessoas que se recusaram a responder por receio da exposição ou do preconceito? Ou os que disseram não saber ainda não conseguiram classificar sua orientação sexual?

Para o professor e pesquisador da (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Duque, que também é líder do Impróprias (Grupo de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Diferenças da UFMS), a reposta é sim.

“Mais do que olhar para a porcentagem, sabemos que o número de pessoas que se identificam como homossexuais e bissexuais é bem maior do que aquele que aparece na pesquisa, seja aqui em Mato Grosso do Sul e Campo Grande. Fora as pessoas que não se identificam como homossexuais ou bissexuais, mas têm práticas sexuais com pessoas do mesmo sexo ou gênero, que jamais irão assumir isso para o entrevistador. Sabemos que há aí uma significativa subnotificação das práticas, experiências e identidades sexuais e de gênero da população brasileira, não é diferente em MS”, diz ele.

Para Karina Brum, psicóloga e sexóloga, que atua na aérea de gênero e sexualidade há mais de 10 anos, isso se dá porque as pessoas têm dificuldades em verbalizar sentimentos e emoções. “Não seria diferente no campo da orientação ou identidade da própria sexualidade”.

A especialista afirma que muitas pessoas ainda confundem sexualidade com o caráter, o que pode influenciar na hora de se autodeclarar. “Tem que sair desse lugar que assumir a sexualidade que dizer que aquela pessoa é vulgar, que gosta da ‘sacanagem’. E não é assim, a pessoa pode estar casada ou namorar pessoas do mesmo sexo ou gênero”.

Crítica ao levantamento do IBGE

Para Tiago, a pesquisa como um todo é frágil. “Não apenas pelo método de abordagem desse tema, mas também por não diferenciar ‘identidade de gênero’ e ‘orientação sexual’. Então, para nós pesquisadores, ela precisa ser vista com muito cuidado, pois pode ter efeito contrário do que se espera em termos de fundamentar políticas públicas, por exemplo, no que se refere à diversidade sexual e às múltiplas identidades de gênero”.

Ainda sim, o pesquisador da UFMS afirma que vale a lembrar que mesmo para a população de negros e negras (pessoas de cor preta e parda) foram feitas campanhas para que elas se autodeclarassem negras no passado quando consultadas em pesquisas como a do IBGE.

“O mesmo precisa ser feito com a temática do gênero e da sexualidade. Para além do instrumento de pesquisa do IBGE ter que melhorar, a população precisa ser educada para não constranger quem não se identifica como heterossexual para que as pessoas possam assumir sua autoidentificação em termos sexuais e de gênero. Ao mesmo tempo, investimentos em políticas públicas precisam ser intensificados para que o ambiente em que a pessoa vive não seja hostil a ponto de ela ter que mentir, dizer que não sabe ou que prefere não responder quando questionada sobre esse tema por medo, vergonha ou risco de ser agredida”.