Na linha de frente, 14% dos infectados pelo coronavírus são profissionais de Saúde em MS

Mais de 1,5 mil pacientes de coronavírus atuaram no combate à pandemia; entidades veem risco e pedem distanciamento social à população.

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Há cerca de um mês, o imunologista Leandro Silva de Brito entrou para as estatísticas do novo coronavírus em Mato Grosso do Sul como um dos casos confirmados e recuperados da doença. Nos 9 dias de sintomas e 6 de internação, destaca dois momentos: o do qual conviveu com sintomas da Covid-19 e, principalmente, de passar todo o tempo pensando na família –a mulher e a sogra também testaram positivos, sendo que esta precisou ser internada em UTI.

Leandro também engrossa dados mais específicos do coronavírus em Mato Grosso do Sul, abrangendo os profissionais de Saúde: até quarta-feira (8), a Secretaria de Estado de Saúde registrava 1.547 trabalhadores do setor infectados pela Covid-19. Naquele dia, foram confirmados 11.063 casos positivos de Covid-19 entre a população desde o início da pandemia.

Isso quer dizer que, naquele momento, do total de infectados no Estado, 14% eram médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas ou outros profissionais que estão na linha de frente do enfrentamento ao coronavírus. É o mesmo que dizer que, de cada 100 infectados, 14 são trabalhadores do setor de Saúde, seja pública ou privada.

“Somos a categoria que mais permanece ao lado do leito do paciente, então, há uma fragilidade emocional muito grande”, afirmou a presidente do Siems (Sindicato dos Profissionais de Enfermagem do Estado), Helena Delgado. “Há muitas suspeitas de Covid-19 entre os profissionais, que são imediatamente afastados. Mas os que ficam não são imediatamente testados”, prosseguiu.

O sindicato aponta 67 profissionais já infectados no Estado, 13 deles recuperados, e dois óbitos. Conforme a sindicalista, em um cenário de contágio iminente, a possibilidade de contato com uma pessoa que pode ter a doença sem a garantia de que poderá ser testado, “e voltar para sua casa com o pai, mãe, companheiro, filhos. Isso traz fragilidade emocional, de não saber até onde pode levar [o coronavírus] para casa ou ser um portador assintomático”.

Entidade oferece psicólogo para profissionais de enfermagem lidarem com pressão na pandemia

A fim de aliviar a pressão entre os enfermeiros, o Siems passou a ofertar acompanhamento psicológico, inclusive de forma online –diante da alta demanda–, “para ver se consegue amenizar a aflição em relação ao inimigo invisível”. A esta realidade, soma-se ainda a revolta de pacientes em busca de tratamento e, muitas vezes, indignados com a demora, e que descarregam a irritação em profissionais de enfermagem (e que não é uma exclusividade dos que têm suspeita de Covid-19).

Entre fisioterapeutas, são pelo menos 10 infectados no Estado, conforme Renato Silva Nacer, presidente do Crefito13 (Conselho Regional de Fisioterapia da 13ª Região, de Mato Grosso do Sul). “É o número de profissionais em hospitais. O fisioterapeuta trabalha em vários setores, tendo contato com pacientes de Covid-19 nas UTIs e enfermarias”, explicou.

Os fisioterapeutas atuam, por exemplo, na reabilitação de pacientes que ficaram muito tempo acamados ou dependeram de suporte mecânico para se recuperar. “Temos vários profissionais especialistas na linha de frente e, se vários ficarem doentes ao mesmo tempo, recrutaremos outros sem tanta capacitação, preocupando quanto a qualidade da assistência”.

Sinmed-MS: população pode ajudar mantendo o distanciamento social

Já o Sinmed-MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul) contabilizava, até quarta-feira, 222 médicos com Covid-19 no Estado, 171 deles em Campo Grande –pelo menos três profissionais já morreram da doença. Presidente da entidade, Marcelo Santana direciona seus apelos à população em geral, alertando que o risco de contágio na Saúde pode atingir a sociedade como um todo.

A receita seguida pelo presidente do Sinmed-MS é a mesma de outros setores da Saúdeo cuidados que podem reduzir o número de infectados e pacientes, reduzindo a pressão no sistema e sobre os trabalhadores.

“A população pode ajudar desde que mantenham o distanciamento social. Usando máscaras na rua, não ficando próximas umas das outras e fazendo aglomerações, como vimos nos últimos dias em praças lotadas e jogos de bola. Isso não pode”, afirmou. Para ele, a população se apegou a uma sensação de falsa segurança diante do baixo número de casos no Estado até há alguns dias.

“Houve relaxamento social. E agora não é hora para isso. A situação é gravíssima, estamos com hospitais lotados. O Sinmed e outras entidades pedem cuidados, que as pessoas lavem as mãos, troquem de roupa ao chegar em casa e tomem banho, e que parem com as aglomerações”. “Quanto mais irmos a locais com agrupamentos, mais vamos ficar expostos”.

A preocupação encontra eco nas demais entidades de trabalhadores da Saúde. “A população precisa adotar medidas de biossegurança: usar máscara, ir às ruas apenas em situações de necessidade, evitar festas e aglomerações. O profissional de Saúde lá na ponta está sujeito à contaminação também. Se faltar profissional lá, é a população quem vai sofrer”, afirmou Renato Nacer, do Crefito13, ao ver “falta de empatia” da população em relação a quem luta contra o coronavírus quando opta por “sair para qualquer coisa, não estando nem aí”.

No Siems, Helena Delgado lembra que foram feitas diversas campanhas envolvendo distribuição de máscaras para quem tinha contato com profissionais de Enfermagem e orientações para a população ficar em casa, o que tem impacto em outras questões da Saúde além do coronavírus.

“Isso não implica apenas em não pegar a Covid-19, mas também em não estar sujeito a acidente de trânsito que o levariam a ocupar leitos em hospitais e, depois, faltar para atendimento de pacientes de coronavírus e de outras patologias”, sintetizou.

Médico relata dificuldades de cura do coronavírus e pensamentos na família

Leandro Silva de Brito não sabe como contraiu a Covid-19: seu consultório havia sido fechado e as aulas que ministra em universidades vinham sendo feitas de forma online. Ele admite, porém, que como muitos, manteve rotina que o obrigava a frequentar locais em caso de necessidade –vindo daí a possível infecção.

“Comecei a ter tosse e febre, fiquei praticamente 9 dias febril. Depois, tiver dor de garganta, indisposição, cansaço, fiquei sem me alimentar direito”, contou ao Jornal Midiamax. Apenas a falta de ar não se fez presente, embora uma tomografia comprovasse alteração nos pulmões –acompanhada de vômitos. Foi constatada pneumonia.

Foram 6 dias de internação, acompanhados da confirmação de que a mulher e a sogra também testaram positivo para Covid-19. A esposa teve sintomas leves, mas a sogra precisou de 15 dias de UTI antes da alta. Ela e Leandro ainda têm sintomas. Do período, o médico tem nas lembranças da família uma das marcas mais intensas.

“É algo que vale a pena falar da doença: não se sabe onde se pega, mas as pessoas não se cuidam. ‘Se pegar, vai ser pouca coisa, porque sou jovem’. Mas ninguém pensa como isso repercute entre a família”, afirmou Leandro.

“Quando internei, e realmente estava me sentindo muito mal, veio essa sensação muito ruim de que dá para morrer cedo. E no nono dia, o meu pior, voltei a ter febre alta, e como médico sabia que isso não era bom no momento. Pensei na minha família o tempo todo, sem poder visitar porque não tem como”.

As duas filhas ficaram com uma cunhada, já que, mesmo com sintomas leves, sua mulher precisou ficar isolada. Dias depois do período, a tosse persistente faz o médico realizar o acompanhamento sobre sua saúde. E também a avaliar a forma como a sociedade vem lutando contra a Covid-19, quando troca o isolamento e distanciamento social por festas e aglomerações. “Parece que falta empatia ao não se colocarem no lugar do próximo”.

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