Do campo para o campo: 4 mulheres com amor pela terra e tradição familiar

Criadas no meio rural, elas dão continuidade ao trabalho de suas famílias

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Criadas no meio rural, elas dão continuidade ao trabalho de suas famílias

As mulheres estão lutando para conquistar seu espaço a cada dia. A crescente onda de conscientização sobre respeito e a força da mulher mostra que há um bom tempo elas, muitas vezes, ficam às sombras dos homens, principalmente se levarmos em conta algumas atividades. No meio rural por exemplo, é comum o pensamento do peão tocando gado ou do homem que mexe com a terra, além daqueles que lideram os negócios enquanto a mulher fica relegada aos afazeres domésticos.

Nesta quinta-feira (8), data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o Jornal Midiamax mostra as histórias de quatro mulheres que amam a terra e escolheram permanecer no agronegócio por gosto. Seja ocupando funções de liderança ou mexendo diretamente com o solo, elas superam estereótipos, mostrando que há um espaço dominado por elas no meio rural.

1-Ana Maria de Jesus Cordeiro

Vivendo no assentamento Santa Mônica, em Terenos, há 10 anos, a produtora rural de agricultura familiar, Ana Maria, de 57 anos, tem amor pela terra. Ela ama mexer com o cultivo das plantações e, mesmo agora que um problema em um dos seus joelhos a tenha afastado do manejo direto com o solo, ela continua coordenando o escoamento da produção na terra de sua família.

Vivendo com a filha caçula, de 28 anos que está seguindo seus passos na roça, o marido e o irmão, a família trabalha com hortifrúti, produzindo berinjela, jiló, abobrinha e quiabo. Tem espaço ainda para o bananal, que deve render frutos em breve.

“Desde de sempre. Desde menina. Sou nascida e criada na lavoura”, disse ao explicar quando começou mexer com plantações. É verdade que foi uma herança do pai. Ele era agricultor e, como a própria disse, eles trabalhavam para os outros. “Éramos arrendatários, trabalhava fazendo plantio de lavoura, mas geralmente era mais para os outros do que para a gente”, lembra.

Dos cinco filhos do casal, ela era a segunda mais velha e precisou assumir o papel de ‘mãe’ quando os pais faleceram. Aos 12, eles perderam a mãe. Apenas dois anos depois, se despediram do pai. Cuidando dos mais novos, pouco tempo depois, eles saíram de Nioaque e vieram para Campo Grande por conta do trabalho do irmão mais velho, que era em uma pedreira. Por serem menores de idade, os demais chegaram a acompanhar o irmão no trabalho.

Depois de sair da companhia do irmão mais velho, ela trabalhou de empregada doméstica na Capital até ter a chance de voltar para a lavoura. Com 26 anos e já casada, foi em Dois Irmãos do Buriti que ela conheceu um produtor que lhe ensinou o manejo de hortifrúti, algo que ela trabalha até hoje em sua terra.

O nascimento dos filhos levou o casal para Campo Grande para buscar estudos. Na ‘segunda passagem’ pela Capital, Ana trabalhou em várias funções como cozinheira, doméstica, passando por uma cooperativa de reciclagem, inclusive. “Saí de Campo Grande em 2000, voltei para Dois Irmãos do Buriti, trabalhei em um hotel e depois ingressei na luta pela terra”, conta.

Mesmo quando esteve longe dos trabalhos no campo, a mãe e agricultora conta que sentiu falta da terra. “Eu gosto de mexer com a terra, eu gosto de trabalhar na terra. Eu não sei é porque quando eu era pequena, eu via muita fartura dentro de casa. Acho que quem trabalha na terra, não almeja a riqueza. A pessoa que trabalha na terra, principalmente a pessoa que atua na agricultura familiar, ela quer uma vida mais tranquila”, ressalta. 

2 – Maria Rosimeire dos Santos

Também do assentamento Santa Mônica, em Terenos, outra família conta com uma mulher forte e atuante no campo. Assim como Ana, Maria Rosimeire, de 43 anos, é integrante da Cooplaf (Cooperativa Agrícola Mista da Pecuária de Corte, Leiteira e da Agricultura Familiar) e é responsável atual por fazer o contato com cooperativa para escoar a produção de sua chácara, que gera principalmente ervas medicinais como hortelã, manjericão, além de outros cultivos como abobrinha paulista. É dela também a responsabilidade de higienizar e embalar os alimentos.

Outra função desempenhada pela agricultora é o cuidado com a cantina da propriedade enquanto o marido trabalha com a parte da colheita. Embora não atue diretamente com a terra hoje, ela sempre viveu do campo. “Meus pais sempre trabalharam em fazenda e criou a gente em fazenda”, conta. A mãe cozinha para os funcionários da fazenda e o pai gerenciava os trabalhos. Ela chegou ao Estado com 12 anos, quando a família se mudou de Presidente Prudente (SP) para Nova Alvorada do Sul.

Cresceu, casou e se mudou para Campo Grande com o marido e os três filhos por pura necessidade. “Teve um período que eu fui morar em Campo Grande porque os filhos precisavam estudar e onde eu morava, só tinha até o quarto ano”, lembra. Na Capital, ela conseguiu terminar também seus estudos.

Mesmo na cidade, ela e o esposo desempenharam atividades típicas do campo nos nove anos em que viveram no município e trabalharam no Hospital São Julião. “Acabei me tornando chefe de cozinha e meu esposo trabalhou cuidando das vacas leiteiras e das hortas. Então a gente sempre teve essa raiz voltada para a chácara e fazenda”, disse.

Quando a família conseguiu adquirir sua terra, em 2012, os cursos de capacitação foram constantes para dar conta de produzir e viver dessa produção. Mesmo com toda a vivência, ela entendeu que a qualificação era necessária. “Até o ano passado, a gente fazia curso a cada dois meses”. Muitos deles, segundo ela, foram viabilizados por intermédio da cooperativa.

Sobre a atuação feminina no campo, Santos acredita que ainda há uma desconfiança por parte dos homens quando a mulher desempenha uma tarefa mais complexa. “Tem um certo tabu mesmo, mas depende de nós, mulheres. Falo por mim. Às vezes meu esposo tem que sair para trabalhar em outro local, e aí tem a necessidade de eu ter que manejar um bezerro para tirar leite no outro dia, colocar a água para o gado. Então, não é sobre a mulher tomar o espaço do homem, mas é de saber de tudo um pouco”, pondera. 

3 – Ligia Franciscon Ricardo

Aos 53 anos, Ligia é chefe da propriedade juntamente com o marido nas atividades do gado que desenvolve em Anaurilândia além de ser presidente do sindicato rural da cidade. “Eu sou a terceira geração de uma família de agropecuaristas”, conta. A propriedade que administra hoje foi passada para ela há dois anos, com a divisão das terras feita pelo pai para os sete filhos. Com base na gerência familiar, a proprietária conta que ela e o marido lideram os rumos da propriedade que hoje faz o ciclo completo do gado, que consiste em criar, recriar e confinar os animais, além da produção da soja.

​Engenheira agrônoma por formação, Ligia conta que após a faculdade, atuou em uma empresa multinacional no Paraná, voltou para o campo após o casamento, recebendo o convite de seu pai para cuidar dos pequenos animais da fazenda de Anaurilândia. “O veterinário que tomava conta foi embora para gerenciar a propriedade do pai. Daí meu pai me convidou para vir para cá”, lembra.

Ela transmitiu seu amor pela terra para os seus três filhos assim como era feito com ela e seus outros seis irmãos na infância. “Como somos de uma família rural, a agente aprende a amar [a terra]. Amar, você ensina, então, nossas férias, não eram praia, eram fazenda. Eu dizia para meu marido levar os meninos para abrir a porteira, para ajudar a salgar um cocho. Tudo que você ensina, você acaba fazendo com que ele aprenda e aos poucos, você gosta”, observa.

Dos três filhos, dois estão no caminho para suceder a gerência da propriedade e continuar a tradição da família, um, de 28 ano, que já é engenheiro agrônomo e outro, de 22, que está no último ano do mesmo curso. “Eles estão vindo para oxigenar”, brinca a mãe orgulhosa.

Toda a vivência no campo leva Ligia a acreditar no amor pelas atividades desenvolvidas. “O que às vezes o urbano não percebe é o rural tem uma paixão. A gente sofre quando as coisas não acontecem e não é pelo lado financeiro, é porque gosta, é porque está enraizado na gente”, conta.

4 – Ana Nery Terra Souza

Vice-presidente do sindicato de Maracaju, Ana Nery, de 52 anos, é a também uma mulher do agronegócio e atua na empresa da família do marido como diretora estratégica. Embora tenha se formado em pedagogia, ela veio de uma família de fazendeiros e se casou com um homem do campo também. Após o casamento, o desafio de tocar uma fazenda no Pantanal foi o que a levou de volta para o trabalho ligado com a terra. 

“Voltei a estudar, eu comecei a fazer cursos de especialização e fui para a área de gestão de pessoas, mas sempre focada no rural”, explica. Após um ano trabalhando fora da empresa, 15 anos foram dedicados ao grupo da família como a responsável por contratar os funcionários da companhia.

Herdando o gosto em trabalhar no meio rural dos pais, se envolvendo no trabalho da empresa desde o início de se casamento, Nery conta que hoje, as duas filhas também se preparam para seguir dentro do grupo familiar, com uma formada em administração e a outra cursando agronomia.

Sua atual função na empresa da família é de responsabilidade já que ela é quem pensa nos próximos passos da companhia, mas mesmo com essa visibilidade, ela não nunca se sentiu intimidada pela atuação masculina no mundo do agronegócio e sempre acompanhou seu marido em leilões da área. “Tem alguns lugares em que os homens estão mais fechados, eles estavam ali e eu estava fazendo o meu papel, olhando, aprendendo, e isso nunca me afetou”, afirma.

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