Abandono parental é uma realidade cada vez mais comum entre famílias de MS

Em Mato Grosso do Sul, pelo menos 2.750 pessoas não possuíam o nome do pai na certidão de nascimento só no ano passado. Em Campo Grande, o número corresponde a 895 certidões. Estes dados não correspondem ao total de filhos sem o nome do pai, mas representam o número de averiguações oficiosas de paternidade durante o ano de 2017, que são procedimentos obrigatórios para investigar…

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Em Mato Grosso do Sul, pelo menos 2.750 pessoas não possuíam o nome do pai na certidão de nascimento só no ano passado. Em Campo Grande, o número corresponde a 895 certidões. Estes dados não correspondem ao total de filhos sem o nome do pai, mas representam o número de averiguações oficiosas de paternidade durante o ano de 2017, que são procedimentos obrigatórios para investigar a paternidade em casos em que o nome do genitor não é informado pela mãe.

Os dados são sintomáticos e reforçam que abandono parental é uma realidade cada vez mais presente nas famílias. O número pode ser ainda maior, já que muitas vezes, as crianças são registradas com o nome do pai, mas mantém pouco ou nenhum contato com a figura paterna após os primeiros meses de vida.

Abandono parental é uma realidade cada vez mais comum entre famílias de MS
A irresponsabilidade parental e a violência
doméstica são alguns dos fatores que levam mulheres a criarem os filhos sozinhas. (Foto: Marcos Ermínio)

Neste Dia dos Pais, enquanto famílias comemoram a data, mulheres relembram uma herança passada entre gerações: a da ausência paterna. A falta de um pai é explicada por diversos fatores, mas principalmente pela irresponsabilidade parental e pela violência doméstica. A situação se agrava entre mulheres em situação de vulnerabilidade financeira e o Jornal Midiamax conversou com mulheres da periferia de Campo Grande, no bairro Parque do Sol.

Abandono parental é uma realidade cada vez mais comum entre famílias de MS
Maria Portilho passou por dificuldades para criar o filho sozinha. (Foto: Marcos Ermínio)

Criada pelos avós, Maria Portilho, de 36 anos, nunca contou com a presença do próprio pai e seu filho, de 17 anos, repete a sua história. Maria engravidou ainda nova e se separou do marido quando o bebê completou um ano de idade. Sem ajuda, ela enfrentou momentos de dificuldade e até passou fome.

“Foi muito difícil estes meses que passei sozinha, meu marido bebia muito, me abandonou e ainda fiquei sozinha com a criança. Fui trabalhar em uma fazenda, era a única maneira de conseguir alimentar o bebê. Passamos fome, muita dificuldade mesmo, enquanto o pai vivia festando, bebendo, não me enviava um centavo”, diz. Agora casada, Maria tem mais três filhos e percebe a falta que um pai fez ao filho mais velho.

“Eu vendo espetinho aqui no bairro, uma vez o meu menino estava comigo, quando recebemos um pai e um filho, que vieram para comer. Ele ficou um tempo olhando, admirando a relação entre os dois. Perguntei o que era e ele disse que nunca tinha tido aquilo, isso me doeu muito”, se emociona.

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Maria Neuza relembra as dificuldades que passou ao criar os dois filhos sozinha. (Foto: Marcos Ermínio)

A comerciante Maria Neuza Ramos, de 49 anos, também criou os dois filhos sozinha. Cansada de apanhar, ela resolveu pôr fim ao sofrimento, o denunciou e foi então que Maria se tornou uma mãe solo. Com um filho de 8 anos e outro de 8 meses para criar, ela não tinha família por perto e contava com a solidariedade dos vizinhos para vigiar as crianças quando saía para trabalhar como faxineira. “Teve até uma vez que o Conselho Tutelar bateu na minha porta, queriam tirar os meninos de mim porque eles ficavam em casa e eu ia trabalhar. O que eu ia fazer? Se não trabalhasse a gente passava fome”, diz. Na época, ela contou com a ajuda dos vizinhos mais uma vez, que fizeram questão de explicar que os garotos estavam sempre aos cuidados de algum morador.

A história de Maria é parecida com a do filho, ela também não contou com a presença do próprio pai. Segundo ela, a presença paterna não fez falta, já que ele costumava bater na mãe. “A minha mãe me contava como ele era, muito violento, bebia muito, então eu achei até bom que ele estava longe de nós. Depois, fui eu que passei por isso, apanhava do meu marido e resolvi criar meus filhos sozinha”, relembra.

A vida da família não foi fácil, já que a comerciante se dividia entre o emprego de faxineira e alguns bicos com a venda de bolos ou salgados. Maria Neuza faz parte de um perfil muito comum nas famílias brasileiras, o das mulheres que são chefes de família. Segundo dados do último Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, 276 mil domicílios tinham uma mulher como responsável. O número representa 36% das casas no estado. Em Campo Grande, as mulheres como chefes da casa correspondem a 41% dos domicílios na Capital.

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Crenice se emociona ao lembrar do sonho de conhecer o pai biológico. (Foto: Marcos Ermínio)

A ex-catadora Crenice Rodrigues, de 50 anos, não conheceu o pai biológico. Criada pelos pais adotivos, ela conta que até fugiu de casa quando adolescente motivada pelo sonho de conhecer o pai ‘de sangue’. A busca não durou muito, já que ainda muito nova engravidou e voltou a morar com a família adotiva. Com a gravidez, o filho conheceu o mesmo drama de Crenice: o pai ausente.

“Logo que eu contei que estava grávida, ele falou que não queria, pediu para tirar. Eu queria muito aquele filho, eu tive o meu bebê e ele nunca nem deu o nome na certidão. Meu filho cresceu assim, ele muitas vezes perguntava por que é que o pai não o queria, o que ele fazia, como ele era, ele era muito curioso”, explica.

Crenice se emociona ao relembrar de todo o sofrimento da adolescência pela falta do pai. Ela conta que era obstinada pela ideia de conhecer o progenitor, mas que o segredo morreu junto com os pais adotivos. “Eu sempre quis saber. Me disseram que ele me abandonou, que nunca me quis, mas meu sonho era encontrá-lo apenas uma vez e perguntar o porquê, mas meus pais morreram e nunca quiseram me contar”, relembra.

Apesar das dificuldades, as mulheres do Parque do Sol se dizem orgulhosas por terem conseguido criar os filhos sem qualquer ajuda. Lamentam a indiferença com que os homens deixam os filhos para trás, mas ressaltam que jamais fariam o mesmo. “Eu sei que tem mãe que abandona o filho, mas se você comparar, é muito menos frequente. O pai faz assim, vai embora, nem lembra do filho. É muito injusto para a mulher, mas mesmo que eu pudesse, jamais deixaria meus filhos”,  diz Maria Neuza.

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