MPF entra com ação para total reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da

O valor estimado dos danos é de R$ 155 bilhões

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O valor estimado dos danos é de R$ 155 bilhões

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Força-Tarefa que investiga o desastre socioambiental causado pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ingressou com ação civil pública, com pedido de liminar, contra as empresas Samarco Mineração S.A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda, e contra a União e os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo para que sejam obrigados a reparar integralmente os danos sociais, econômicos e ambientais causados pelo rompimento.

O MPF estima, como valor preliminar de reparação, o montante de R$ 155 bilhões. Esse valor foi baseado nos gastos já realizados para custeio da reparação dos danos provocados pelo desastre da Deepwater Horizon, ocorrido no Golfo do México em 2010, conforme reconhece a empresa British Petroleum, responsável pelo vazamento de cerca de 4,9 milhões de barris de óleo, que teria impactado diretamente 180.000 km² de águas marinhas e matado 11 pessoas. 

Avalia-se, com base em estudos preliminares, que os impactos humanos, econômicos e socioambientais, provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, são, pelo menos, equivalentes àqueles verificados no Golfo do México. Não parece crível, nem técnica, nem moralmente, que o valor do meio ambiente humano, cultural e ambiental no Brasil seja inferior ao de outros países. Por se tratar, todavia, de um valor estimado, o MPF requer que seja realizado um diagnóstico e valoração dos danos por meio de uma equipe técnica independente, de modo a definir os valores e o cronograma de execução das ações de reparação, recuperação e indenização socioambientais.

Numa ação de 359 páginas e com mais de 10 mil páginas de laudos técnicos, relatórios de inspeção e depoimentos que a instruem, o MPF formula mais de 200 pedidos. Em caráter liminar, postula-se, entre outros requerimentos, que as empresas Samarco, Vale e BHP, de forma solidária, depositem em um fundo privado próprio, sob gestão e fiscalização de auditoria independente, o valor inicial de R$ 7,7 bilhões, correspondente a 5% da valoração mínima dos danos, e apresentem garantias idôneas à plena reparação dos prejuízos. Caberá, ainda, às empresas manter depósito líquido e corrente mínimo de R$ 2 bilhões ou, após definido o cronograma físico e financeiro de reparação,  de 100% dos gastos previstos para cada período de 12 meses, o que for maior.

Vedação de oneração de ativos e de distribuição de lucros – Como forma de garantia adicional à reparação dos danos, o MPF pediu, liminarmente, a vedação de oneração ou alienação de bens do ativo fixo não circulante e a proibição de distribuição de lucros da Samarco, Vale e BHP, inclusive na forma de dividendos, quando for o caso, e juros sobre capital próprio, devendo ser determinado o bloqueio judicial dos valores deles provenientes. 

O MPF também requereu a aplicação da legislação ambiental às poluidoras, de modo a suspender os financiamentos e incentivos governamentais a elas concedidos, decretando-se, imediatamente, o vencimento antecipado de todas as operações de crédito que  contemplem tais benefícios. 

A tragédia de Mariana revelou uma série de falhas de planejamento, de controle e gestão dos riscos que podem ter contribuído decisivamente para sua ocorrência. As empresas não teriam cumprido  suas obrigações sociambientais, conforme determina a legislação brasileira.

Com vistas a prevenir que as empresas continuem a operar com os mesmos problemas, submetendo a população a desastres da mesma espécie, o MPF requer a realização de auditoria independente que avalie a governança corporativa das empresas e determine os ajustes e conformidades necessários, devendo dar publicidade aos seus relatórios e recomendações.   

Outro pedido é para que seja adotada ou complementada uma série de medidas emergenciais de natureza socioambiental e socioeconômica, destinadas a minorar o drama causado pelo desastre. 

A Força-Tarefa também pede que sejam reforçadas as ações destinadas à garantia de segurança das estruturas remanescentes no Complexo de Germano, de modo a evitar novos rompimentos e ainda mais perdas de vidas humanas, devendo-se adotar medidas efetivas de contenção dos rejeitos que continuam a ser carreados de Fundão e lançados na Bacia do Rio Doce e no Oceano Atlântico.

Danos socioambientais – O rompimento da barragem de Fundão provocou destruição ao longo de toda a bacia do rio Doce, chegando ao mar, no município de Linhares/ES. Houve perdas de vidas humanas, poluição e contaminação de recursos hídricos (córrego Santarém, rio Gualaxo do Norte, rio do Carmo, rio Doce e seus afluentes, regiões estuarina, costeira e marinha), do solo, do ar e do meio ambiente cultural. 

Considerando que até hoje não foram adotadas medidas emergenciais satisfatórias para interromper o processo de degradação ambiental e proteger a população afetada, o MPF pretende que os réus adotem medidas para proibição imediata da pesca ao longo do rio Doce e da área costeira afetada. Foram também requeridas ações emergenciais para recuperação da flora, da fauna e do patrimônio histórico-cultural, paisagístico e arqueológico. 

Mas, como os danos não se restringiram ao meio ambiente, pois, além das perdas humanas, o desastre afetou gravemente a vida de populações residentes na Bacia Hidrográfica do Rio Doce – e permanecem ameaçando a manutenção e continuidade do modo de vida de povos e comunidades tradicionais -, o desastre comprometeu gravemente a economia regional e destruiu agricultura, pecuária, comércio, serviços e atividade pesqueira em toda a bacia hidrográfica, além da infraestrutura pública e privada nas cidades afetadas.

Os municípios também tiveram prejuízos, tanto os decorrentes da diminuição na arrecadação tributária, como os relacionados às ações emergenciais realizadas para mitigar os efeitos do desastre sobre a população atingida, e ainda à perda de receita de alguns serviços, como o de abastecimento de água, esgotamento sanitário e produção de energia elétrica.

A ação destaca que, para os povos indígenas, como os Krenak, que habitam a região de Resplendor/MG, a relação com o rio Doce não é apenas física, mas cultural e espiritual. Ressalta também a gravidade dos impactos vivenciados pelos povos indígenas Tupiniquim e Guarani, bem como pelos quilombolas, ribeirinhos e pescadores artesanais, que tiveram a imediata perda do recurso natural central para sua alimentação, reprodução cultural e fonte de renda.

Em razão disso, o MPF pediu a condenação dos réus para que seja reconhecida a existência da obrigação das empresas de reparar os danos morais e patrimoniais dos afetados, para que se viabilize o posterior ajuizamento de ação de cumprimento pelos interessados. As empresas também devem ressarcir todos os gastos públicos feitos com recursos humanos, materiais, logísticos e outros que se fizeram e venham a ser necessários em razão do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, feitos pelos entes públicos.

Em relação aos povos indígenas e comunidades tradicionais atingidos, o MPF pediu a condenação de todos os réus na obrigação de promover, após realização de consulta livre e informada a esses povos e comunidades, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) –, a recuperação ambiental de suas terras e indenização pelos danos socioculturais e humanos sofridos. A União deve concluir o processo de demarcação do território de Sete Salões, contíguo à terra indígena, o que é uma antiga demanda do povo Krenak, e as empresas, como medida compensatória, devem ressarcir os gastos da União na conclusão do processo.

Impugnação do acordo da União, Minas Gerais, Espírito Santo e empresas – O MPF entende que o Termo de Ajustamento e de Transação celebrado entre o Poder Público e as empresas Samarco, Vale e BHP não tutela de forma integral, adequada e suficiente os direitos coletivos afetados, violando preceitos constitucionais como o princípio democrático e o princípio do poluidor-pagador. Para a Força-Tarefa, o acordo não contou com nenhuma participação efetiva dos atingidos nas negociações e limitou os aportes de recursos por parte das empresas para a adoção de medidas reparatórias e compensatórias. Além disso, concedeu-se injustificadamente tratamento beneficiado à Vale e à BHP Billiton, vulnerando a garantia de responsabilização solidária.

O acordo, inclusive, desconsidera a garantia de responsabilidade solidária do próprio poder público para a reparação do dano, não tendo sido sequer estabelecidos mecanismos jurídicos capazes de garantir a efetividade do cumprimento das obrigações assumidas pelas empresas, o que “transformou o ajustamento em algo próximo de uma carta de intenções”.   

Responsabilidade do Poder Público pelo dano ambiental – Para o MPF, a tragédia em Mariana demonstrou que as autoridades públicas foram omissas ou negligentes, desde a emissão da licença ambiental, que autorizou o exercício da operação da barragem, até a sua execução.

Segundo a ação, “é patente a omissão da União e do Estado de Minas Gerais, por meio de seus órgãos e entidades ambientais e minerário, em fiscalizar a segurança da barragem de rejeitos de Fundão. Há responsabilidades primárias, decorrentes dessa omissão, e responsabilidades subsidiárias, incidentes no caso de descumprimento das obrigações por parte das empresas”. Por isso, a União e os Estados devem “responder pela omissão, com atuações que a supram plenamente”, e, sobretudo, “devem controlar efetivamente as ações de planejamento e da execução das medidas de reparação integral do meio ambiente, não podendo terceirizar essa responsabilidade, tipicamente de Estado, para as empresas poluidoras”. Entende o MPF que essa terceirização foi uma das responsáveis pela tragédia.

Também são réus na ação a Agência Nacional de Águas (ANA), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o Instituto Mineiro de Gestão de Águas (IGAM), a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais(IEPHA-MG), o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), a Agência Estadual de Recursos Hídricos (AGERH) e o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF).

Dano moral coletivo – O MPF entende que os réus também devem ser condenados por dano moral coletivo, na medida em que seus atos causaram prejuízos que transcenderam os valores ambientais passíveis de serem restaurados, mitigados ou compensados materialmente. Assim, a indenização  deve levar em conta “os lucros cessantes ambientais, que são decorrentes do período de espera para o cumprimento da obrigação de reconstituir, em que a coletividade é privada de desfrutar do meio ambiente equilibrado”.

Para calcular essa indenização, o MPF pede que seja considerada a extensão e gravidade do dano, o tempo decorrido entre o dano e recuperação ou compensação ambiental e o caráter pedagógico da indenização. Os valores devem ser destinados à tutela de direitos coletivos vinculados à área impactada.

Medidas de compensação –     O rompimento da barragem de Fundão inviabilizou completamente o abastecimento de água e comprometeu o saneamento básico em municípios banhados pelo Rio Doce. Além disso, diversos municípios dependem exclusivamente do Rio Doce para a captação de água para a população. Esse é o caso de Governador Valadares, que, nas semanas que se seguiram ao rompimento da Barragem de Fundão, sofreu uma crise de desabastecimento de água, que levou, no extremo, a saques de caminhões de água pela população. O MPF entende que para haver a recuperação do meio ambiente afetado serão necessários investimentos na universalização dos serviços de saneamento básico. 

Por isso, os réus devem ser condenados, solidariamente, a adotar medidas de compensação em  valor a ser definido pericialmente, mas não inferior a R$ 4,1 bilhões, para que seja garantida, pelo menos, a realização de obras necessárias para instalação ou melhoria dos sistemas de saneamento básico nos municípios afetados ao logo do rio Doce, de acordo com indicação técnica no plano de recuperação ambiental dos municípios, investindo em ações de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais. Trata-se de medida de recuperação e melhoramento do meio ambiente artificial que é fundamento necessário para a melhoria do meio ambiente natural da bacia hidrográfica afetada.

O MPF também pede que as empresas sejam condenadas destinar aportes suficientes em apoio e fortalecimento das unidades de conservação existentes na Bacia do Rio Doce, bem como que a União e o ICMBio sejam condenados a concluir, em no máximo um ano, o processo, já iniciado, de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável da Foz do Rio Doce, no Espírito Santo, e, em no máximo três anos, adotar as medidas necessárias à criação de unidade de conservação para proteção dos vales dos rios Gualaxo do Norte e Carmo, na região situada entre a barragem de Fundão e o reservatório de Candonga, em Minas Gerais, que foram praticamente destruídos pela onda de rejeitos de Fundão. Deve ser garantido amplo processo de consulta pública e, com relação aos povos e comunidades tradicionais que eventualmente possam ser afetados, procedimento de consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção n. 169 da OIT.

Foi requerida ainda a realização de um concurso para selecionar projeto de criação de memorial na região afetada, como forma de garantir a proteção do patrimônio histórico-cultural, homenagear os atingidos e servir como espaço de educação, cultura e desenvolvimento de atividades voltadas à conscientização da necessidade de preservação do meio ambiente. “O desastre oriundo do rompimento da barragem de Fundão, que, entre as inúmeras consequências, dizimou o subdistrito de Bento Rodrigues, ceivando além de vidas a história pessoal de todas as famílias que lá residiam, merece ser relembrado como um episódio de agressão à vida, à sociedade, ao meio ambiente e à dignidade humana, que não pode se repetir”, aduz o MPF.

Mineração sustentável – Como forma de incentivar a sustentabilidade e dar cumprimento à Política Nacional de Resíduos Sólidos, a ação também requer a destinação ambientalmente adequada dos resíduos de mineração, através da introdução dos rejeitos que venham a ser retirados da área afetada em outra atividade econômica, por meio de sua transformação em produtos utilizados na construção civil, como areia, argila, cimento, tijolos, blocos e outros, utilizando-se tecnologias desenvolvidas por universidades brasileiras, para se evitar a necessidade de criação de novas barragens ou pilhas de rejeitos. 

O MPF pede, ainda, que a União e os Estados de MG e do ES sejam condenados a adotar estratégias para o desenvolvimento de outras atividades econômicas na região, diminuindo sua dependência à indústria minerária e estimulando o surgimento de novas indústrias na região. Para isso, requer o estabelecimento de linhas de crédito produtivo, apoio técnico ao desenvolvimento do plano de diversificação econômica da região de Germano e o fomento a novas indústrias e serviços, para atendimento de demandas provenientes das áreas atingidas.
 

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