Agente literária recebe pedidos de direitos de textos falsamente atribuídos a autores

Há textos que já ficaram célebres.

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Há textos que já ficaram célebres.

Semana passada, o governador da Bahia, Rui Costa (PT) pediu licença para citar um poema em seu discurso de posse: “Sonhe com aquilo que você quer ser/ porque você possui apenas uma vida/ e nela só se tem uma chance/ de fazer aquilo que quer”. O texto circula há tempos na internet atribuído a Clarice Lispector — e logo a gafe ganhou a imprensa. Afinal, qualquer um que conheça a obra da autora de origem ucraniana sabe que ela não usaria tal retórica de autoajuda.

A agente literária Lucia Riff, dona da agência que leva seu sobrenome, a mais antiga do país, já olha essas casos com uma mistura de irritação e enfado. Administrando os direitos de vários dos principais escritores brasileiros, Lucia vê a ascensão de textos falsamente atribuídos a medalhões da literatura de um lugar privilegiado. Afinal, é à sua porta que muita gente bate pedindo autorização para usar os textos mais absurdos.

Pior, diz Lucia, é quando quem a procura nunca leu um livro do autor na vida. São campanhas publicitárias com textos falsos, peças teatrais, antologias, exposições — a lista é longa. Ela recebe mensagens como: “Estamos trabalhando em um projeto que será lançado nas redes sociais e o mood (sic) desta campanha esta (sic) ligado a um texto do Carlos Drumond (sic) Andrade.”

— Acabam confessando que buscaram os textos na internet. Na maioria das vezes, nunca tiveram um livro do autor — diz Lucia.

Há casos que chocam a agente literária: outro dia um sujeito montou uma peça cheia de poemas “de Mario Quintana”, em homenagem ao autor, e foi pedir os direitos. O problema é que todos haviam sido garimpados na internet — e nenhum era do escritor.

— Eles entram em desespero quando digo que a autoria está errada — conta a agente, que está de olho em uma página do Facebook que mistura textos originais e falsos de Manoel de Barros, morto em dezembro, um dos autores favoritos dos falsificadores.

Há textos que já ficaram célebres. É chegar o fim de ano para Lucia receber pedidos para usar “Desejo”, poema sobre o réveillon atribuído há anos a Carlos Drummond de Andrade, no qual o autor deseja ao leitor coisas como “viver sem inimigos”, “noite de lua cheia” e “ter fé em Deus” — o que os admiradores acham uma lindeza.

Outro que já virou “clássico” chama-se “Quase”, atribuído faz uma década a Luis Fernando Verissimo — outro nome amado pelos impostores.

— O Luis Fernando já foi homenageado em uma festa de formatura e, ao chegar lá, os alunos leram esse texto falso. Foi horrível! Já me pediram para usar em uma antologia em francês, com o título “Presque” — diz a agente, lembrando que até hoje a família de Moacyr Scliar, morto em 2011, recebe pedidos de autorização para o uso de sua suposta obra.

A agente literária afirma que tenta atuar como filtro e fica feliz que, hoje, seja preciso pedir autorização.

— Seria um desastre se pudessem publicar sem pedir. Qualquer citação errada em um livro é um desserviço para a memória do autor. Nós garantimos que o texto saia correto — diz Lucia.

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