Folha secreta: Inspeção do TCE-MS encontra salários de mais de meio milhão ao ano na Prefeitura

Na lista, estão dois adjuntos de Pedro Pedrossian Neto, que foi secretário de Finanças de Marquinhos Trad

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Marquinhos Trad e seu secretário de Finanças, Pedro Pedrossian Neto. (Foto: Divulgação/PMCG)

A inspeção do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) sobre as contas da prefeitura de Campo Grande de 2022 revelou que 69 servidores municipais recebem acima do teto constitucional, que seria o salário de R$ 21,2 mil da prefeita. O relatório técnico tem 93 páginas.

No documento, ao qual o Jornal Midiamax teve acesso, ficou constatada divergência de R$ 386,1 milhões entre as folhas apresentadas e o executado no orçamento, ou seja, não declarados no Portal da Transparência, nos últimos anos da gestão de Marquinhos Trad (PSD). 

Relator da inspeção, o conselheiro Osmar Jeronymo deu 20 dias úteis para a atual prefeita, Adriane Lopes (Patriota), se manifestar sobre a situação apresentada. Atualmente, o município está com 57,02% da receita comprometida com a folha de pagamento. 

Os técnicos do TCE-MS encontraram irregularidades e ilegalidades que poderiam ter causado o alto gasto com pessoal. No caso desse grupo seleto, a avaliação dos auditores é de que esses pagamentos vultuosos não são ilegais, mas os alertou sobre as inconsistências na folha de pagamento.

Adjuntos de ex-secretário de Marquinhos estão na lista de altos salários

No levantamento, foi constatado que esses servidores receberam de R$ 278.938,72 a R$ 599.693,27 ao longo do ano de 2022. Apenas 15 funcionários foram listados no relatório do TCE, incluindo dois adjuntos do ex-secretário municipal de Finanças e atual deputado estadual Pedro Pedrossian Neto (PSD).

No topo desse ranking, está Sérgio Padovan, que atuou ao lado de Pedro durante o primeiro mandato de Marquinhos, e recebeu R$ 599.693,27 nos 12 meses de 2022. Na oitava posição, aparece Márcia Helena Hokama, adjunta do atual deputado no segundo mandato do ex-prefeito e que o sucedeu no cargo, que ganhou R$ 422.993,89.

“Salienta-se que não foi realizado exame detalhado de cada remuneração desses servidores, de modo que o simples fato de receber remuneração superior ao teto constitucional não significa que o pagamento foi ilegal, diante das inúmeras exceções a esse patamar. Além do que, não foram acrescidos nos valores encontrados a rubrica empréstimo consignado, o que consequentemente, majoraria as quantias das remunerações desses servidores”, esclareceram os técnicos do TCE.

Apesar disso, isso fez com que eles começassem a analisar a folha para tentar descobrir como a prefeitura extrapolou os gastos com o pessoal e como o esquema da “folha secreta” começou.

Marquinhos e Adriane acumulam R$ 380 milhões em pagamentos não declarados

Os auditores do TCE – além de notarem diferença de R$ 386,1 milhões entre as folhas apresentadas e o executado no orçamento, ou seja, não declarados no Portal da Transparência – apontaram ainda que o ex-prefeito teria deixado despesas com pessoas de R$ 115,5 milhões acima do limite previsto na Lei Federal 4.320/1964, que proíbe efetuar gastos sem empenhar recursos.

Tudo isso colocou a prefeitura acima do limite permitido de gastos com salários previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 2021, Campo Grande estava com 59,16% da receita comprometida com a folha de pagamento. No ano seguinte, já sob a administração de Adriane Lopes (Patriota), o índice chegou a 57,02%.

Apesar disso, o município continua acima do limite máximo, de 54%. Caso o Executivo não ajuste a folha até 2032, corre risco de não receber mais repasses estaduais e federais, garantias e empréstimos enquanto não cortar gastos com pessoal.

Entre as várias recomendações que os técnicos fazem ao conselheiro Osmar Jeronymo, relator da inspeção, está a revisão da legislação sobre o funcionalismo público, ajustes no Portal da Transparência e substituição de comissionados por efetivos com o devido corte de gratificações que ultrapasse o vencimento de quem é concursado.

Adriane Lopes era vice-prefeita de Marquinhos Trad. (Foto: Divulgação/PMCG)

TCE flagra de remunerações excluídas a comissionados sem atribuição

A inspeção do TCE começou ainda em 2022. Em junho, quando ainda estava na fase de levantamento, a corte montou uma equipe de auditoria sobre as contas municipais.

Todo ano, a corte fixa prazo para as prefeituras enviarem todos os atos de pessoal, de nomeações a novas leis, por meio do Sicap (Sistema Informatizado de Controle de Atos de Pessoal). Durante a análise dos dados, a equipe percebeu que a gestão de Adriane Lopes (Patriota) retificou as informações sem comunicar oficialmente o TCE.

Até então, os técnicos tinham analisado os gastos com pessoal de janeiro a setembro de 2022 e perceberam que a retificação da prefeitura “excluiu” 67.693 vínculos, sendo 1.886 concursados, 64.533 contratados e 1.274 comissionados.

Essa exclusão fez que deixasse de constar R$ 365,3 milhões na folha de pagamento. Quando questionada, a prefeitura informou que haviam dados incorretos.

Além disso, a equipe de fiscalização do TCE passou a analisar o quadro de pessoal e apontou, entre 72 leis e decretos, a existência de 23.468 cargos efetivos, sendo que 16.843 estavam preenchidos até fevereiro de 2023.

Em relação aos comissionados, são 1.728 postos, dos quais 1.404 estariam preenchidos. Já sobre os servidores temporários, eram 9.883 pessoas em 54 funções diferentes.

Porém, os técnicos averiguaram que a legislação sobre cargos em comissão prevê atribuições específicas apenas para secretários municipais e procurador-geral, enquanto os demais postos têm obrigações vagas ou não especificadas.

O que diz a prefeitura?

O Jornal Midiamax questionou a prefeitura de Campo Grande sobre a inspeção do TCE, pedindo esclarecimentos sobre o que foi revelado e se a prefeita já foi formalmente intimada.

Além disso, a reportagem quis saber sobre os altos salários pagos a esses servidores, inclusive à secretária Márcia Hokama, e o que estaria sendo concedido a título de benefício a esse grupo.

Em nota, a Superintendência de Comunicação Social limitou-se a informar que “a equipe técnica está analisando e irá responder ao órgão no prazo estipulado”, que é de 20 dias úteis.

Prefeitura descumpre transparência desde a gestão de Marquinhos

Os auditores ainda destacaram que a legislação de transparência não está sendo cumprida. Ao comparar holerites de servidores com o que está no Portal da Transparência, viram que os pagamentos não foram devidamente detalhados.

Para exemplificar, a equipe de fiscalização apresentou o caso de dois servidores. Ao consultar o holerite de um professor é que os técnicos descobriram como o servidor tem um vencimento bruto de R$ 29,9 mil. O rendimento base é de apenas R$ 5 mil.

Como exerce carga horária de 40 horas semanais, ele tem direito a mais R$ 5 mil. O docente ainda exerce a função de supervisor executivo na Semed (Secretaria Municipal de Educação), pela qual tem direito a R$ 6,2 mil. 

Além disso, o professor ainda ganha mais R$ 6 mil por encargos especiais, outros R$ 7 mil por jetons, R$ 254,02 por adicional por tempo de serviço e R$ 210,81 a título de complementação salarial. Isso resulta num vencimento bruto de R$ 29,9 mil, que com os descontos de R$ 10 mil, levou ao pagamento de R$ 19,8 mil.

TCE só descobriu detalhamento de salário consultando holerite. (Foto: Reprodução/TCE-MS)

Esses pagamentos de encargos e jetons é outro exemplo dos técnicos, que apontaram que esses benefícios não aparecem no Portal da Transparência. O que fica disponível para o cidadão é apenas o valor bruto ou uma descrição simples.

“Não basta simplesmente exteriorizar as informações no Portal da Transparência, se essas não condizem com a realidade ou não estão devidamente completas, posto que dados parcialmente públicos não servem para o cumprimento das legislações que regulamentam a matéria”, concluem no relatório.

Folha secreta

Durante audiência pública de prestação de contas para exposição de Relatório de Gestão Fiscal, o advogado dos sindicatos da Guarda Civil Metropolitana, dos Médicos e dos Profissionais de Enfermagem, Márcio Almeida, questionou a atual secretária municipal de Finanças e Orçamento, Márcia Helena Hokama, sobre a possível existência do que ele denomina de “folha secreta”.

Hokama assumiu a pasta depois que Pedro Pedrossian Neto (PSD), titular das finanças na gestão de Marquinhos Trad, saiu para se candidatar a deputado estadual.

Uma das suspeitas, inclusive, é de que o inchaço nos pagamentos de pessoal na prefeitura de Campo Grande tenha a ver com a campanha do PSD nas últimas eleições de 2022 em Mato Grosso do Sul.

Trad renunciou ao cargo para concorrer ao Governo do Estado, mas acabou em sexto lugar após ser implicado em escândalo de assédio sexual. Ele virou réu por assédio sexual contra 7 mulheres e o caso continua na Justiça.

Penduricalhos: manobra para ‘engordar’ ganhos de aliados

Segundo o advogado, as possíveis causas para o crescimento do valor da folha do Poder Executivo, para além dos eventos legislativos, seriam contratos temporários, planos de trabalho (Gratificação por Encargos Especiais), jetons e acréscimos não informados no Portal da Transparência.

Segundo ele, praticamente não houve crescimento vegetativo da folha, “tendo em vista que os quinquênios, ascensões e progressões estão represados há muito tempo”.

O advogado pontuou diversas situações enfrentadas pelos servidores: falta de aumento real há anos, professores e profissionais da enfermagem fazendo greve, auditores e procuradores com salários limitados pelo teto remuneratório.

No entanto, a atual secretária informou que cabe à Seges (Secretaria Municipal de Gestão) informar sobre a folha municipal.