Desvio de dinheiro público é genocídio, afirma ex-presidente do STF
Ayres Britto diz que bandido número 1 é o corrupto
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Ayres Britto diz que bandido número 1 é o corrupto
Na explosão de criminalidade deste início de 2017, as quadrilhas que convertem prisões em centros de delinquência e selvageria disputam o noticiário com os corruptos e corruptores pilhados na Lava Jato. Em entrevista ao blog, Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal na época do julgamento do mensalão, foi convidado a dizer qual das duas facções é mais nociva para o país —a dos mensalões e petrolões ou a dos PCCs e Comandos Vermelhos? “Ambas são deletérias”, disse o ex-ministro, antes de acrescentar:
“Os assaltantes do erário são os meliantes mais prejudiciais à ideia de vida civilizada. […] O dinheiro que desce pelo ralo da corrupção —sistemicamente, enquadrilhadamente—, é o que falta para o Estado desempenhar bem o seu papel no plano da infraestrutra econômica, social, prestação de serviços públicos, educação de qualidade, saúde. O assaltante do erário, no fundo, é um genocida. É o bandido número um.”
A conversa com Ayres Britto, gravada na última quinta-feira, vale o desperdício de um pedaço do seu domingo. Além dos trechos que podem ser assistidos ao longo do texto, a íntegra está disponível no vídeo acomodado no rodapé deste post. Para o ex-ministro, o combate ao crime organizado pede ações ousadas do Estado. “Temos um encontro marcado com o tema da descriminalização progressiva das drogas”, declarou. O consumo recreativo seria liberado gradualmente, começando pela maconha, “a mais leve das drogas, a mais usual.”
Ayres Britto parte do pressuposto de que a descriminalização eliminará o mercado mais rentável para os criminosos. “Perderia o objeto a atividade dos traficantes”, afirmou. Nessa versão, o governo passaria a taxar o consumo de drogas, exatamente como faz com o cigarro e a bebida alcoólica. O dinheiro coletado pelo fisco, disse o ex-ministro, seria usado em campanhas de esclarecimento sobre os efeitos nocivos do vício e no tratamento dos viciados. “É repensar o tema com toda a radicalidade”, ele defendeu.
Amigo de Michel Temer há mais três décadas, Ayres Britto tornou-se um interlocutor assíduo do presidente. Os dois conversam amiúde. Encontraram-se há uma semana, no domingo passado, no Palácio do Jaburu. Voltaram a se falar durante a semana, pelo telefone. “Nossos encontros são de amigos”, disse. Mas as conversas não giram apenas na órbita das amenidades.
“É lógico que duas pessoas curtidas na vida pública não deixam de tratar dos temas de interesse nacional, os mais candentes, os mais atuais, os mais recorrentes.” O blog quis saber se Ayres Britto conversou com Temer sobre a descriminalização das drogas. “Falamos, sim, sobre isso. Mais por telefone do que pessoalmente.” Sentiu receptividade de Temer para o tema?, quis saber o repórter. E o entrevistado: “Senti.”.
Conjuntura
A amizade com o presidente não impediu o ex-magistrado, um constitucionalista de mostruário, de analisar com acuidade jurídica o processo sobre a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. A ação corre no Tribunal Superior Eleitoral, que já foi presidido por Ayres Britto. A eventual cassação da chapa por abuso de poder econômico e político produziria duas consequências graves: 1) a queda de Temer; 2) a ascensão de um novo presidente, a ser escolhido em eleição indireta realizada pelo Congresso.
O blog perguntou a Ayres Britto se a conjuntura de alta combustão seria levada em conta pelos sete ministros do TSE na hora de julgar o processo que pode custar a Presidência a Temer. E ele: “É claro que é preocupante, em quatro anos, você colocar três presidentes da República. Mas isso é uma opinião muito política. […] O julgador deve se louvar no substrato factual e jurídico do processo. Exclusivamente!”
Sem entrar no mérito de um processo de cassação que não chegou a folhear, Ayres Britto explicou, em poucas palavras, qual é a tentação que os ministros do TSE deveriam evitar: “Quando o julgador começa a se imbuir daquela mentalidade que é válida no Congresso Nacional e começa a decidir politicamente, como se parlamentar fosse, está traindo a sua função.”
Perguntou-se também a Ayres Britto se ele subscreveria a íntegra do Plano Nacional de Segurança, divulgado pelo ministro Alexandre de Moraes (Justiça). A resposta foi negativa. E quanto à decisão de Temer de oferecer aos governadores a possibilidade de requisitar inspeções das Forças Armadas nos presídios? Bem, o ex-presidente do Supremo não chega a rechaçar a providência. Mas fala sobre ela em timbre cético.
Ayres Britto disse não ter dúvidas de que a presença de soldados na região de fronteiras é essencial para conter a entrada de armas e drogas. Mas acrescentou: militares “nos presídios, eu tenho um certo receio. Não rechaço, não refugo, porque o caso é emergente, gravíssimo. Pode haver necessidade mesmo de emprego das Forças Armadas. Mas eu não tenho uma reflexão detida sobre o melhor modo de atuação. […] É preciso planejar bem.”
De resto, Ayres Britto realçou o receio de que o emprego das Forças Armadas acabe se banalizando. “Nós temos um pé atrás com o uso das Forças Armadas por causa do nosso recente passado ditatorial. A gente teme muito banalizar o uso das Forças Armadas. Mas é fato também que temos umas Forças Armadas, hoje, hiper-compenetradas do seu papel de defesa da democracia, não de ataque à democracia.”
Brasil erra
Ayres Britto avalia que o Brasil erra ao tratar dos problemas relacionados à segurança pública com visão “punitivista”. O agravamento de penas não se revela um bom antídoto contra a criminalidade. “E não quero dar uma de avestruz”, declarou o ex-ministro. “Não se pode cegar jamais para o fato de que a criminalidade de massa pressupõe desigualdade social aberrante.”
Pesquisa do Datafolha divulgada em novembro do ano passado revelou que 57% dos brasileiros concordam com a tese segundo a qual “bandido bom é bandido morto”. Ayres Britto atribui o fenômeno a um paradoxo: “A sociedade brasileira, politicamente, se arejou mais do que a classe política. […] No plano dos costumes, porém, a sociedade brasileira é conservadora, às vezes até reacionária.”
Na opinião do ex-magistrado, é papel do Judiciário zelar para que não prevaleça a corrente que acha que zelar pelos direitos humanos dos presos e pela civilidade do ambiente nos presídios é o mesmo que premiar a bandidagem. “A Constituição não é conservadora, não é reacionária. É humanista, é civilizada, é democrática. Então, o que cabe ao Judiciário é aplicar a Constituição, ainda que contra os segmentos majoritários da sociedade”, afirmou Ayres Britto.
Ex-presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ayres Britto enxerga problemas também no Judiciário. Disse que se disseminou entre os juízes “a ideia falsa de que, lavrada a sentença condenatória, o problema de execução da pena é do Poder Executivo. Não é assim.”
O entrevistado enumerou os tópicos que deveriam merecer mais atenção: o zelo com a progressão de regime a que os presos têm direito, o número de inspeções nas cadeias, a elevação do número de juízes de execução penal, a multiplicação das varas e o aumento dos recursos orçamentários do próprio Poder Judiciário para administração do sistema penal.
Ayres Britto fez reparos também à atuação das Defensorias Públicas. Afirmou que o atendimento aos “necessitados” deixa muito a desejar. “E os penitenciados são necessitados. Olha o perfil social da populaçao carcerária brasileira. E o perfil racial? Não preciso dizer mais nada, não é? É a área típica, própria de atuação das defensorias públicas. Que também nao têm merecido maiores elogios nesse aspecto da execução das penas.
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