Por quase seis meses, senadores interrogaram mais de 60 pessoas e analisaram cerca de 9,4 mil gigas de documentos na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia. Instaurada em 27 de abril, a Comissão investigou os bastidores da pandemia no Brasil e apontou diversas irregularidades na aquisição de imunizantes contra a Covid-19. A investigação foi acompanhada pelos brasileiros praticamente como um reality show, com direito a memes e pipoca.

A Comissão foi presidida pelo senador Omar Aziz (PSD-AM) e teve como relator o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Assim, os parlamentares trabalharam com duas principais frentes: apuração de omissões do na pandemia e a fiscalização de eventuais desvios de recursos repassados pela União a municípios e estados.

Dos 61 interrogados, 37 foram investigados pela CPI da pandemia. A série de depoimentos começou com o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM). O sul-mato-grossense denunciou um ‘gabinete paralelo' no Ministério da Saúde e afirmou que, no Brasil, “nunca se fez lockdown de verdade”.

Mandetta foi o primeiro interrogado da CPI. Foto: Senado.

Interrogados

Os três ex-ministros da Saúde nomeados por Bolsonaro foram ouvidos durante a CPI da Pandemia. Após Mandetta ser ouvido, em 5 de maio foi a vez de Nelson Teich depor aos senadores.

Em 19 daquele mês, Eduardo Pazuello deu o primeiro depoimento. No dia seguinte, o ex-ministro voltou à CPI para continuar as oitivas. “Sem formação médica e desconhecedor inclusive do que fosse o SUS (Sistema Único de Saúde)”, definiu Calheiros sobre Pazuello no relatório final da Comissão.

Também em duas sessões, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga foi ouvido em 6 de maio e 8 de junho. A frente da Pasta mais importante para o combate ao coronavírus, Queiroga optou “pela assessoria do chamado ‘Gabinete Paralelo', exatamente porque o malfadado ‘Gabinete Paralelo' defendia a utilização de medicamentos ineficazes para o tratamento de Covid-19”.

A médica Nise Yamaguchi foi uma das investigadas e teve o depoimento considerado como ‘contraditório' pelo relator da CPI. Em oitiva, realizada em 1º de junho, a profissional negou a existência de um gabinete paralelo, mas afirmou participar de reuniões de aconselhamento ao presidente da república e membros do Ministério da Saúde.

Apesar de ser citado mais de 370 vezes no relatório final e em diversos depoimentos de interrogados, Jair Bolsonaro (PL) não participou das oitivas da Comissão. No entanto, provas e documentos que registraram as ações do presidente durante a pandemia foram utilizados durante toda a investigação.

Protagonismo feminino

Mato Grosso do Sul se fez presente durante toda a investigação da CPI com a participação da bancada feminina do Senado. O destaque maior vai para a senadora (MDB), que protagonizou diversos momentos memoráveis na Comissão.

A senadora por MS foi a fundo e apresentou diversos contratos com indícios de irregularidades. Nas redes sociais, ela ficou conhecida como o ‘terror dos contratos fraudulentos'. 

Quando não aparecia nas sessões, o público questionava na internet: ‘Senadora, abandonou a CPI?'. Mas Simone explicou que “como a bancada feminina não tem assento na CPI, as senadoras fazem um rodízio entre elas para participar das reuniões”.

Mesmo sem ser indicada pela legenda, Simone apontou irregularidades e fez questionamentos aos investigados — que muitas vezes se calaram frente à exibição dos documentos analisados pela senadora. Em uma das sessões, o ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, se exaltou com a senadora e foi apontado como machista após pedir para ela reler o processo.

Na oitiva, realizada em 21 de setembro, Wagner chamou a senadora de “descontrolada” após a fala da parlamentar, que considerou o trabalho do ministro como “desserviço para o país”. Após o ocorrido, Simone fez declarações sobre o episódio e relembrou que espaços ocupados por mulheres ainda são questões de preconceito.

“Quando a mulher começou a buscar espaços de poder, ela começou a ser taxada de ser uma pessoa histérica, uma pessoa louca, uma pessoa descontrolada. Essa palavra não vem à toa, ela está no inconsciente daqueles que ainda acham que mulheres são menores, são inferiores”, disse.

Nenhuma mulher foi indicada para compor a Comissão, no entanto, receberam destaque no relatório final de Calheiros. A bancada feminina se posicionou e questionou os interrogados, entre elas, outro nome representou MS: Soraya Thronicke (PSL – que se fundiu com o DEM para criação do União Brasil).

Na oitiva do sócio-administrador da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, a senadora questionou se a Precisa foi comunicada pelo Ministério da Saúde sobre o cancelamento do contrato com a Covaxin. Sem responder a maior parte das questões, Soraya disse que “o silêncio falou muito e falou alto”.

Soraya também revelou durante as sessões que desenvolveu problemas no fígado após usar Ivermectina para tratamento da Covid-19. A senadora questionou o diretor da Vitamedic, Jailton Batista, sobre o aumento da produção da Ivermectina. O medicamento foi utilizado amplamente no Brasil para combate ao coronavírus.

Resultados e indiciamentos

Após todas as reuniões, foi definida uma lista com 81 pessoas indiciadas por crimes que cometeram durante a pandemia. Com mais de 10 acusações, Jair Messias Bolsonaro foi o indivíduo com mais crimes apontados pela CPI da Pandemia.

Junto com ele, foram indiciados os filhos do presidente: Flávio Bolsonaro, e Carlos Bolsonaro. Todos eles foram acusados de incitação ao crime.

A lista de indiciamentos tem 25 tipos de crimes diferentes listados, que vão desde homicídio e mortes evitáveis até fraude de contrato, organização criminosa e improbidade administrativa. Entre os nomes indiciados pela CPI, estão: Eduardo Pazuello, Marcelo Queiroga, Danilo Berndt Trento, Nise Hitomi Yamaguchi, Luciano Hang, Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda.

Durante a leitura do relatório final, foi entregue um ‘relatório complementar' sobre irregularidades no enfrentamento da pandemia no Estado. Dos 29 processos recebidos de Mato Grosso do Sul, a parlamentar afirmou que 25 seguem em investigação.

O relatório final da CPI da Pandemia foi aprovado por 7 votos a quatro, em 26 de outubro de 2021. No dia seguinte, os senadores entregaram o relatório para o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Cerca de um mês depois, Augusto Aras encaminhou ao STF (Supremo Tribunal Federal) um documento com dez medidas que devem ser adotadas com base no relatório final da CPI da pandemia. No entanto, as investigações iniciadas na CPI estão paralisadas na PGR (Procuradoria-Geral da República).

Alguns projetos de lei foram criados com a Comissão, sendo que dois já foram aprovados pelo Senado. O Projeto de Lei nº 3.820/2021 cria o Livro dos Heróis e Heroínas da Pandemia de Covid-19.

A obra deve se juntar ao dos heróis da Pátria no Panteão Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes. Já o Projeto de Lei nº 3.818/2021 amplia e renomeia a Ordem do Mérito Médico para: Ordem do Mérito da Saúde. Assim, outras categorias da área são englobadas e homenageadas após enfrentamento da pandemia.