Em depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia, no Senado Federal, o ex-ministro da Saúde, (DEM-MS) disse que o Brasil nunca adotou medidas de fechamento efetivas durante a pandemia de Covid-19. Para ele, o lockdown foi decretado sempre no afogadilho.

“Nunca se fez lockdown de verdade. Era sempre depois do leite derramado. Se acabou leito, fecha. Se acabou kit intubação, fecha. Estávamos sempre um passo atrás do vírus. Araraquara mesmo só adotou depois que não tinha mais leito. O vírus se impõe e não negocia, seja rico ou pobre”, afirmou.

Indagado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) porque não se impôs barreiras sanitárias no início da pandemia, o ex-ministro relatou a inviabilidade técnica dessas medidas principalmente por falta de pessoal. “Nós temos mais de 16 mil quilômetros de fronteira seca, um número incomensurável de fronteira marítima e tinha a via aérea. Essas equipes sanitárias nos aeroportos são egressos da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), não havia mais recomposição de pessoal há vários anos, não tinha concurso”, justificou.

Confronto com Bolsonaro

O ex-ministro lamentou o desencontro de informações com o presidente da República, Jair Bolsonaro. Ele disse que o País deveria ter discurso único sobre medidas como o isolamento social, mas o presidente colaborou para que a população fosse confundida.

“O Ministério da Saúde foi publicamente confrontado, e isso dava uma informação dúbia à sociedade. O objetivo do Ministério da Saúde era dar uma informação, e o presidente dava outra informação. Em tempos de epidemia, você tem que ter a unidade. Tem que ter a fala única. Com esse vírus, o raciocínio não pode ser individual. Esse vírus ataca a sociedade como um todo. Ele ataca tudo”, disparou.

Mandetta ficou à frente do Ministério da Saúde até o dia 16 de abril de 2020. No dia 28 de março, ele diz ter entregue uma “carta pessoal” a Jair Bolsonaro. No texto, ele “recomenda expressamente que a Presidência da República reveja o procedimento adotado” para evitar “colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.

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(Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

De acordo com o ex-ministro, o presidente Jair Bolsonaro foi diretamente comunicado sobre a escalada da pandemia no Brasil. Antes de deixar a pasta, Mandetta apresentou a Bolsonaro uma estimativa de que o país poderia chegar a 180 mil mortos no final de 2020. A previsão acabou sendo superada, e o Brasil encerrou o ano passado com quase 195 mil óbitos confirmados.

“Todas as recomendações as fiz com base na ciência, na vida e na proteção. As fiz em público, em todas as minhas manifestações. As fiz nos conselhos de ministros. As fiz diretamente ao presidente e a todos os que tinham de alguma maneira que se manifestar sobre o assunto. Sempre as fiz. Ex-secretários de saúde e parlamentares falavam publicamente que essa doença não ia ter 2 mil mortos. Acho que, naquele momento, o presidente entendeu que aquelas outras previsões poderiam ser mais apropriadas”, explicou.

Embora nunca tenha tido, segundo disse, “uma discussão áspera” com o presidente, Mandetta reconhece que entre os dois “havia um mal-estar”. Ele afirmou acreditar que Jair Bolsonaro recorria a “outras fontes” e a um “assessoramento paralelo” para buscar informações sobre a pandemia de coronavírus.

“Isso não é nenhuma novidade para ninguém. Havia por parte do presidente um outro olhar, uma outra decisão, um outro caminho. Todas as vezes que a gente explicava, o presidente compreendia. Ele falava: ‘Ok, entendi'. Mas, passados dois ou três dias, ele voltava para aquela situação de quem não havia talvez compreendido, acreditado ou apostado naquela via. Era uma situação dúbia. Era muito constrangedor para um ministro da Saúde ficar explicando porque estávamos indo por um caminho se o presidente estava indo por outro”, lembra.

Cloroquina e leitos de UTI

Questionado pelo relator da CPI, senador (MDB-AL), o ex-ministro da Saúde criticou o uso da como um tratamento preventivo contra a Covid-19. Embora Bolsonaro defenda publicamente o uso da medicação pela população, Mandetta lembrou que, no enfrentamento de outras doenças, a droga é utilizada em ambiente hospitalar. O ex-ministro disse ainda desconhecer por que o Laboratório do Exército tenha intensificado a produção dos comprimidos no ano passado.

“A cloroquina é uma droga que, para o uso indiscriminado e sem monitoramento, a margem de segurança é estreita. É um medicamento que tem uma série de reações adversas. A automedicação poderia ser muito, muito perigosa. A cloroquina é já produzida para malária e lúpus pela Fiocruz e já tínhamos suficiente. Não havia necessidade, e tínhamos um estoque muito bom para aquele momento”, apontou.

Mandetta disse que, na gestão dele, o Ministério da Saúde equipou 15 mil leitos de UTI com respiradores e iniciou a negociação para a aquisição de 24 mil testes para a detecção do coronavírus. Ele defendeu a vacina como a única “porta de saída” para a pandemia.

“Nós tínhamos a perfeita convicção. Doença infecciosa a vírus a humanidade enfrenta com vacina desde a varíola, passando por pólio, difteria e todas elas. A porta de saída era vacina. Em maio, depois que saí do Ministério da Saúde, os laboratórios começaram a realizar os testes de fase 2. Só ali eles começam a abordar os países com propostas de encomendas. Na minha época não foi oferecido. Mas eu rezava muito para que fosse. Teria ido atrás da vacina como atrás de um prato de comida”, disse.

Questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Luiz Henrique Mandetta disse que a atuação do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dificultou a aquisição de insumos para o enfrentamento da pandemia. O ex-ministro da Saúde disse que “conflitos” dos filhos do presidente Jair Bolsonaro com a China também geravam “mal-estar”.

“Eu tinha dificuldade com o ministro das Relações Exteriores. O filho do presidente que é deputado federal [Eduardo Bolsonaro] tinha rotas de colisão com a China através do Twitter. Um mal-estar. Fui um certo dia ao Palácio do Planalto, e eles estavam todos lá. Os três filhos do presidente [deputado Eduardo Bolsonaro, vereador Carlos Bolsonaro e senador Flávio Bolsonaro] estavam lá. Disse a eles que eu precisava conversar com o embaixador da China. Pedi uma reunião com ele. ‘Posso trazer aqui?' ‘Não, aqui não'. Existia uma dificuldade de superar essas questões. Esses conflitos com a China dificultavam muito a boa vontade”, contou.