Jornal paulista cita na matéria declaração de Ary Rigo exibida em vídeo que diz que a Assembleia Legislativa doava dinheiro a Puccinelli, Tribunal de Justiça e Ministério Público

Reportagem de O Estado de São Paulo que enche quase uma página inteira do jornal, publicada nesta quinta-feira, recordou o caso já tratado aqui no Midiamax de um militar aposentado que move uma ação judicial que desvendaria um mistério: afinal, quanto de dinheiro cai nas contas dos deputados estaduais?

José Magalhães Filho faz essa pergunta desde 2007 por meio de uma ação judicial hoje estacionada numa das seções do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Na última movida, a corte recusou o propósito do militar.

A matéria é sustentada pelo vídeo que mostra o deputado estadual Ary Rigo, do PSDB, dizendo que a Assembleia Legislativa dava dinheiro para o Puccinelli, Poder Judiciário e Ministério Público. Na gravação, o parlamentar dá uma dica de quanto o deputado estadual receberia por mês: R$ 120 mil por mês, quantia reduzida recentemente para R$ 42 mil, segundo o tucano.

Eis a reportagem completa do jornal o Estado, publicada hoje.

Quanto ganha um deputado estadual? De acordo com a Constituição Federal (Art. 27, § 2º), um deputado estadual não pode receber mais do que 75% do subsídio pago a um deputado federal. O subsídio do deputado federal, que é seu salário bruto (não confundir com verba indenizatória, verba de gabinete e outras benesses parlamentares), está em R$ 16.512,09. Com isso, o subsídio do deputado estadual não pode ultrapassar os R$ 12.384,06.

Um cálculo simples, mas que, no Mato Grosso do Sul, virou um assunto nebuloso. Um mistério que o militar aposentado José Magalhães Filho vem tentando desvendar desde 2007. Seu último revés foi uma decisão do dia 25 de agosto de 2010 do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, negando Mandado de Segurança pedido por Magalhães para que fosse informado o valor do subsídio dos deputados. A Carta Magna também afirma que o valor do subsídio deve ser publicado anualmente (Art. 39, § 6º).

Os assuntos nebulosos do Mato Grosso do Sul, aliás, têm chamado a atenção em todo o País. Um vídeo lançado na internet flagra o primeiro secretário da Assembleia Legislativa do Estado, Ary Rigo (PSDB) explicando como funciona divisão de um dinheiro não identificado entre o Governo do Estado, a Assembleia Legislativa, o Ministério Público e o Judiciário.”Para você ter uma ideia, nós devolvíamos dois milhões em dinheiro para o André, 900 nós dávamos para os desembargadores do TJ e 300 para o Ministério Público”, relata o deputado no vídeo. André seria o governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB).

O vídeo foi gravado pelo ex-secretário de governo de Dourados (MS), Eleandro Passaia, que colaborou com a Polícia Federal em operação que culminou na prisão de 28 pessoas, entre elas, o próprio prefeito de Dourados, Ari Artuzi. O Conselho Nacional de Justiça já cobrou o TJ/MS sobre as declarações de Ary Rigo. Após a divulgação do vídeo, o deputado divulgou nota para tentar esclarecer os fatos.

A partir do vídeo, Magalhães levantou a suspeita. “A fala do deputado Ary Rigo, apontando promiscuidade entre deputados, Ministério Público, Tribunal de Justiça e governador, nos remete a pensar nessas decisões. Entendo que não houve legitimidade, muito mais que isso, foram parciais, corporativistas”, afirma.

Denúncia foi feita em 2007

Em 12 de julho 2007, o jornal “O Estado”, do Mato Grosso do Sul, denunciou a ilegalidade dos subsídios dos deputados estaduais. Foi publicada uma certidão datada de 2005 e emitida pela Assembleia Legislativa e assinada pelo primeiro secretário da Casa, Ary Rigo, informando que a remuneração dos deputados, a partir de 1º de fevereiro de 2003, passou a ser constituída de 2 parcelas perfazendo um total de R$ 28.405,00.

De acordo com a Constituição (Art. 39, § 4º), o detentor de mandato eletivo é remunerado exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado acréscimo de qualquer gratificação. Para Magalhães, aí estaria outra ilegalidade do subsídio dos deputados do MS, a divisão em parcelas. Mas mesmo que se alegue que umas das parcelas seja verba indenizatória (bônus pago normalmente a parlamentares de todo o País e frequentemente questionado na Justiça justamente em função do que diz a Constituição), ainda assim o valor do subsídio ultrapassaria o total permitido, chegandoa R$ 15.502,50. Além disso, em 2003, o subsídio do deputado federal era de R$ 12.847, então o máximo que poderia ser pago a um deputado estadual seria de R$ 9.635,25.

Magalhães buscou a lei que fixa o valor do subsídio para a legislatura iniciada em 1º de fevereiro de 2003 até 31 de janeiro de 2007. “A lei nº 2.578, de 23 de dezembro de 2002, aprovada para fixar o valor do subsídio dos deputados estaduais, descumprindo a Constituição Brasileira, não explicita o valor do subsídio, entretanto, referencia que a remuneração atual será mantida”, explica.

Mantido? Desde quando?”

“Como o valor do subsídio não está explicitado, nesta lei, sem qualquer elucubração, o atestado na certidão é o valor omitido (R$ 28.405,07). Como esta lei diz que esse valor fica mantido e como só podemos manter o que temos, obviamente, esse valor era praticado anteriormente à aprovação da lei nº 2.578, de 23 de dezembro de 2002”, continua. “Mantido? Desde quando?”, questiona.

A lei anterior que trata do subsídio dos deputados é a lei nº 1.916, que também não o explicita e referencia que fica mantida a remuneração dos deputados para legislatura iniciada em 1º de fevereiro de 1999 e que se encerrou em 31 de janeiro de 2003. Magalhães acredita que o valor de R$ 28.405,07 seja mantido, pelo menos, desde 7 de dezembro de 1998, data da aprovação da lei nº 1916.

Em 4 de outubro de 2007, o deputado estadual Marquinhos Trad encaminhou a Magalhães um e-mail informando sua remuneração, composta de parcelas e perfazendo um total de R$ 15.657,54. Embora o valor informado seja menor que o constante de certidão, o e-mail mostra uma remuneração acima dos 75% do subsídio do deputado federal que naquela data já era de R$16.512,09.

Primeira ação é ajuizada

Magalhães ajuizou uma Ação Popular em 21 de setembro de 2007. Segundo ele, o objetivo era o ressarcimento aos cofres públicos dos valores recebidos ilegalmente pelos deputados estaduais. Depois de recebida a Ação e intimado o Presidente da Assembleia, houve recurso, e o juiz Dorival Moreira dos Santos, da Vara de Direitos Difusos, foi chamado a dar explicações.

Em documento enviado ao desembargador Rêmolo Letteriello, o juiz afirma que a vara então presidida por ele era competente para julgar o caso e cita o artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal, para afirmar que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público.” Segundo o documento do magistrado, a inicial foi recebida por conter todos os requisitos necessários para a constituição da ação popular, “quais sejam, a prova da cidadania, o indício da ilegalidade e da lesividade”. O juiz se mostra surpreso com o recurso apresentado ao TJ pelos deputados, que, de acordo com o juiz da primeira instância, “buscam obstacularizar a apuração da verdade dos fatos, inclusive, com o presente recurso.” Dorival Moreira dos Santos fala ainda em “interesse público ameaçado.”

Na conclusão de seu ofício, o magistrado afirma estranhar “que se reclame tanto da morosidade da Justiça, e, no agir do juiz, interponham-se e sejam acolhidos recursos como presente. A lei é para todos. Está expresso com todas as letras na Carta Magna.”

Apesar da argumentação do juiz de primeira instância, o desembargador Rêmolo Letteriello decidiu extinguir o processo sem resolução do mérito, alegando que a petição não indicou seu objeto, “ou seja, o ato ilegal e lesivo ao erário” e, ainda, que Magalhães carecia de “interesse processual”.

“Se a ação não indicava o seu objeto e eu careço de interesse processual o juiz, que acatou a inicial, não soube apreciar corretamente”, afirma Magalhães.

Mandado de segurança

“Dando continuidade, já que o mérito não foi julgado, solicitei por escrito, com amparo no direito de certidão, que o Presidente da Assembleia me informasse os valores dos subsídios dos deputados com suas respectivas leis de sustentação. Obtive como resposta o silêncio. Encaminhei novo pedido, desta feita, sustentado por um abaixo-assinado referendado por 1001 assinaturas”, relata. De novo, sem resposta.

No dia 8 de abril deste ano, Magalhães ajuizou um mandado de segurança, respaldado com parecer do MP, pedindo que fossem fornecidas “as informações quanto aos valores dos subsídios dos deputados estaduais, desde janeiro de 1999, bem como, as respectivas leis de sustentação desses valores e as datas em que esses valores de subsídios foram publicados de acordo com a norma constitucional.”

Mais uma vez, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul negou a Magalhães – e à população do Estado – o acesso aos dados sobre os subsídios. Desta vez, o mérito foi julgado. Para o desembargador Luiz Carlos Santini, pretensão de Magalhães “encontra óbice no direito individual da pessoa, no caso, dos deputados estaduais” e “a informação buscada pelo impetrante diz respeito a terceiros.” Ainda segundo a ementa, “a pretensão do impetrante esvazia-se com uma simples consulta ao endereço eletrônico da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul” – e cita os endereços www.al.ms.gov.br/institucional/transparência/424/default.aspx e www.imprensaoficial.ms.gob.br – testados pelo repórter, sem sucesso. O desembargador concluiu seu voto afirmando que, “havendo diversos meios para que o impetrante venha a ter conhecimento da constituição dos salários totais dos deputados estaduais, não se deve a segurança ser concedida.”

Magalhães rebate, sempre usando a Constituição como arma. Segundo ele, a lei nº 11.111, que regula o inciso XXXIII, do art.5º da Constituição Brasileira, não impõe que outros meios disponibilizados sejam comprovadamente exauridos para que se possa solicitar informações e que seja fornecido certidão pelo Poder Público. “A negação de informação só é cabível quando importar na segurança do Estado ou da sociedade”, esclarece.

Para Magalhães, “o subsídio dos deputados estaduais/MS são ilegais por não haver leis que fixem seu valor, por serem constituídos por parcelas, por serem superiores aos 75 %, do subsídio dos deputados federais e por não terem sido publicados no Diário Oficial.” Ele afirma que pretende levar o caso ao Conselho Nacional de Justiça.

Contatados para comentar o caso, nem o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul nem a Assembleia Legislativa do Estado se pronunciaram ainda sobre o caso.