O médico veterinário alvo do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), na segunda fase da Operação Traquetos, deflagrada em agosto deste ano, tinha contratos de locação com traficantes como forma de encobrir o tráfico, segundo denúncia do (Ministério Público Estadual). 

Segundo a denúncia, o veterinário mantinha um contrato de locação de um salão comercial com um dos traficantes responsáveis por trazer cargas de drogas na fronteira do Brasil com o Paraguai, além de ser também responsável por levar veículos como garantia para o condomínio de luxo do veterinário.

O contrato de locação era de um salão comercial, no bairro Vila Almeida Lima, em Campo Grande. A locação do imóvel foi fechada e registrada em cartório, no dia 22 de junho de 2020. “Esse contrato de locação inclusive é usado com justificativa para todos os aportes de MILTON para DIEGO, não se descartando que sua finalidade real seja apenas o de encobrir o financiamento ao tráfico de drogas”, diz a denúncia.

O traficante regularmente viajava para São Paulo, onde morava o líder da organização criminosa conhecido como ‘Gordinho' para a negociação de drogas. O médico veterinário era chamado de ‘Patrão', o que, segundo a denúncia do , reforçava a condição de financiador da organização criminosa. “E talvez, voltaram a falar com o ‘patrão', mas o rapaz ia olhar essa Land Rover vermelha”.

Ainda segundo o MPMS, o médico veterinário fazia parte da organização criminosa desde o começo do ano de 2020. O alvo do Gaeco tem uma empresa de inseminação artificial com registro de abertura desde 11 de dezembro de 2017 e como sócia tem a esposa. 

O médico veterinário não tinha contato com a droga, e por isso, tinha a garantia dos veículos de luxo que eram deixados em seu condomínio. Ele teria investido cerca de R$ 1 milhão no tráfico. A cidade de seria uma das bases do grupo criminoso. 

Em setembro deste ano, o médico veterinário foi para prisão domiciliar. O STJ (Supremo Tribunal de Justiça) havia negado o habeas corpus para a liberdade do médico, no dia 22 de setembro.

A decisão havia sido tomada pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, onde ela tinha discorrido: “Em relação à contemporaneidade dos motivos que ensejaram a prisão preventiva, não há flagrante ilegalidade, pois, segundo julgados do STJ, a própria natureza do delito de integrar organização criminosa, que configura crime permanente, além do inerente risco de reiteração delitiva, reforça a contemporaneidade do decreto prisional (AgRg no HC n. 636.793/MS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 15/4/2021). Ainda, nesse sentido: HC n. 496.533/DF, Sexta Turma, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe de 18/6/2019; AgRg no HC n. 759.520/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 2/12/2022.”

Já no dia 27 de agosto, foi convertida a prisão preventiva em domiciliar. O médico veterinário deverá: comparecer trimestralmente em juízo, para comprovar suas atividades e seu endereço e número de celular atualizados; não se ausentar desta comarca sem prévia autorização deste juízo; não se ausentar do país; comparecer a todos os atos do processo, quando devidamente intimado; recolhimento domiciliar obrigatório no período noturno e finais de semana, exceto por emergência médica, sob pena de eventual restabelecimento de sua prisão.

Carros de luxo e notas promissórias

O médico veterinário tinha em sua casa em um condomínio de luxo, em Campo Grande, carros de luxo e notas promissórias como garantia pelo investimento feito de R$ 1 milhão no tráfico.

Na casa do médico, foram localizadas duas notas promissórias no valor de R$ 242 mil em nome de uma agropecuária e outra no valor de R$ 300 mil. Ainda foi encontrada na residência outra nota promissória do dia 16 de maio de 2021, do traficante com quem o médico veterinário mantinha ‘negócios'.

O traficante era o responsável por levar os carros de luxo como garantia para o médico veterinário. Na residência do médico veterinário no escritório, havia uma pasta preta com a inscrição “DOC.DIEGO”6, na qual continha documentos referentes ao controle dos veículos providenciados pelo traficante, muitos dos quais autorizaram a realizar a transferência/venda/troca desses automóveis.

Uma dessas procurações era da empresa do CAC, preso na primeira fase da Operação Traquetos, outorgando, a partir do dia 28 de setembro de 2022, poderes para que o traficante na condição de procurador pudesse transferir para o nome do outorgante e posteriormente, vender, ceder, transferir, permutar, ou por qualquer outra forma, ou título alienar, a quem quiser, pelo preço, prazo e condições que livremente ajustar.

A esposa do médico veterinário era a responsável por entrar com os carros de luxo dentro do condomínio sem levantar suspeitas. Assim, os veículos ficavam no local como garantia para o médico. A esposa do alvo do Gaeco teve uma das conversas interceptadas onde fala sobre o carro que deve ser entregue.

“(…) X, bom dia, tudo bem? O X falou que eu tenho que pegar uma encomenda contigo, né? (…)”. Em resposta afirmativa, o primeiro instrui como deverá ser o recebimento do veículo: “ô X, bom dia! Vai ser em torno de uma e meia, por ai! eu vou falar pra ele ficar lá na frente, aí você só pula pra dentro, e tchau! Mas aí nós vamos falando aqui, mas vai ser em torno disso aí mesmo, uma e meia por ai”. E, continua: “Ô X! Ele disse que tá chegando aí já, ele tá numa Hilux prata, cê vai catar a Hilux, só pergunta pra ele se tem documento, né! O porte, ai ele… ai ele se vira ai.”

Organização sofisticada

Organização estruturada, articulada e com logística sofisticada: assim foi definido o grupo alvo da Operação Traquetos, deflagrada pelo Gaeco no dia 8 deste mês, na Capital.

A organização criminosa também traficava pedras preciosas e ouro, mas a base era o tráfico de drogas. As investigações mostram que o grupo chegou a transportar cerca de 10 toneladas de maconha.

Em interceptações telefônicas, investigadores do Gaeco descobriram a troca de 931 mensagens entre um dos líderes e outro membro do grupo. As mensagens foram trocadas em um período de 15 dias, entre 8 e 23 de junho. Os dois discutiam a retirada de 200 peças de maconha de uma garagem, que era usada por eles como ‘guarda-roupa' – termo usado para mencionar o local onde escondiam a droga.

“Já! Já retirou velho, eu já paguei tudo lá já, ai o GURI cobrou SETE CONTO, SETE PEÇA lá pra retirar e guardar lá, tem que ter DUZENTAS E DUAS PEÇAS lá certinho, ele já conferiu já, só falta o *** ligar o telefone e entrar em contato que o GURI lá vai buscar, eu já passei o telefone pro GURI só que chega aqui, chega lá ele não responde”, diz uma das mensagens interceptadas pelo Gaeco.

Em outra mensagem é possível perceber a preocupação dos membros da organização em relação à polícia que sempre estava na região. “Uma semana que é pra pegar o BAGULHO lá e ninguém pega mano, porra cara eu tô, é foda mano aqui toda hora tá POLÍCIA entrando aqui entendeu? Tá lotado aqui não dá pra ficar com o telefone em cima não”.

Segundo as investigações, outra preocupação da organização era a necessidade de encontrar outro lugar para armazenar a droga.

Em outra interceptação telefônica entre um casal, também alvo da operação, a mulher questiona o marido sobre como ele estava ligando para ela de dentro do presídio e o homem responde que entrou na unidade prisional com o chip do celular embaixo da língua.

Na conversa, o casal fala da movimentação financeira das atividades ilícitas. A ligação dura pouco mais de 3 minutos e o homem pede à mulher que salve seu novo número.