Em 2018, a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul já havia recebido uma denúncia de assédio contra o então prefeito de , Marquinhos Trad (PSD). Na época, a vítima do suposto ataque sexual foi uma estudante que atuava como mirim, então com 17 anos.

No entanto, a jovem diz que não prosseguiu com a denúncia para ‘evitar perseguições'. Meses depois ela acabou nomeada sem concurso público na Prefeitura. Mirim é o nome dado regionalmente para estudantes que fazem estágio remunerado. O nome se deve ao Instituto Mirim, que intermedia a relação entre os estudantes e o local de trabalho.

O pré-candidato a governador foi denunciado neste mês por outras mulheres, também por assédio sexual. Embora admita adultério com duas das denunciantes, Marquinhos nega os crimes sexuais e afirma que as novas denúncias seriam uma ‘armação eleitoral'. O ex-prefeito afirma que ‘não há lógica' no que alega a ex-mirim porque ela já era funcionária do município. “É tudo uma armação e eu vou provar”, disse o pré-candidato ao Governo.

Segundo Trad, após defender indígenas e criticar ação policial em Amambai que virou conflito e terminou com uma morte, ele teria se tornado alvo de retaliação por parte do secretário estadual de Segurança Pública, Carlos Videira. Os dois trocaram farpas por WhatsApp.

Na conversa, o titular da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) chega a citar o caso de 2018 com a então mirim.

Videira nega que tenha ameaçado Marquinhos e também que teria ‘jogado na cara' suposta operação para abafar a denúncia e ‘salvar' Trad no caso, que acabou mesmo arquivado.

Vítima foi nomeada para cargo comissionado – Reprodução

Lacerda foi atrás da vítima, que acabou nomeada no gabinete dele

A denúncia foi feita na Depca ( Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) em fevereiro de 2018, um dia após a adolescente relatar o fato à mãe. Ela teria sido beijada pelo então prefeito com um selinho, após ele pedir a ela um beijo na bochecha.

A vítima estava em casa quando policiais civis chegaram, relatando terem recebido a denúncia anônima. Naquele dia, teve início apuração do caso de suposto assédio sexual, com aumento de pena se a vítima é menor de 18 anos.

Segundo os registros policiais aos quais a reportagem teve acesso, no momento em que o boletim de ocorrência era elaborado, o então secretário de Governo de Marquinhos na Prefeitura, Antônio Cézar Lacerda Alves, atual presidente municipal do PSD, teria ido até a delegacia, supostamente para tentar coagir a vítima.

Um investigador o retirou do local. Mesmo assim, no depoimento feito pela mãe da jovem, ela afirmou que não queria prosseguir com a denúncia, para não ser perturbada ou perseguida pelo prefeito e seus assessores.

Ainda em fevereiro de 2018, o inquérito foi remetido ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). A princípio, não houve denúncia sobre o caso.

Meses depois, já em setembro de 2018, a jovem foi nomeada para um cargo comissionado, em decreto assinado por Marquinhos Trad.

Em 2019, a vítima foi remanejada, justamente para o gabinete de Lacerda, que teria ido até a Depca ao saber que a vítima e sua mãe prestavam queixa.

Nas novas denúncias feitas contra o pré-candidato ao Governo do Estado na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), uma das vítimas contou que sabia de outras mulheres que tentaram denunciar Marquinhos Trad.

Segundo outras vítimas que falaram com a reportagem e prestaram depoimento à Polícia Civil, a suspeita é de que o emprego seria uma forma de ‘compensação' para a jovem por desistir da denúncia por assédio sexual.

Vários dos relatos envolvem a promessa de benefícios financeiros para atrair as supostas vítimas de Marquinhos Trad.

O Jornal Midiamax entrou em contato com a ex-mirim, que agora já é maior de e continua como nomeada na Prefeitura de Campo Grande, e questionou se o cargo que conseguiu sem concurso público poderia ter a ver com suposto ‘acordo'.

Ela nega e diz que atuava na Prefeitura antes mesmo de Marquinhos Trad assumir como Prefeito. Sobre o suposto acordo com compensação financeira para ‘abafar o caso', a jovem se limitou a dizer que registrou em cartório uma declaração sobre o fato.

É uma declaração que eu conto que não aconteceu nada. Que eu conto o que realmente aconteceu”, concluiu.

Segundo apurou o Jornal Midiamax, a ex-mirim ainda consta no Portal da Transparência do município com salário de R$ 3.439,77. A última admissão na Secretaria Municipal de Governo e Relações Institucionais, no cargo de gestor de processo, ocorreu em 1º de janeiro de 2021.

Delegada diz que ouviu mais vítimas, apesar de ‘país patriarcal'

Polícia investiga denúncias de assédio
Delegados Maíra Pacheco, Roberto Gurgel e Edilson Santos – Foto: Marcos Ermínio/Midiamax

Após as denúncias, delegada Maíra Pacheco, da Deam, que está à frente das investigações, confirmou que mais mulheres procuraram a delegacia para denunciarem o ex-prefeito, além das primeiras quatro vítimas que já tinham denunciado.

Também estiveram na coletiva o delegado-geral, Roberto Gurgel e o delegado Edilson dos Santos, do Departamento de Polícia Especializada. A Polícia Civil informou que vai investigar se as mulheres teriam sido pagas para registrar as denúncias contra o ex-prefeito de Campo Grande.

Segundo a delegada, a informação sobre o suposto pagamento feito as mulheres para registrarem denúncias não constaria no inquérito, mas tudo será investigado e, caso seja provado que as mulheres tenham recebido dinheiro, elas podem responder por testemunho. O crime tem pena de 2 a 4 anos, além de multa.

“Mas não diminui outras denúncias das outras vítimas que procuraram a delegacia”, disse Maíra Pacheco. Ainda segundo a delegada, sobre as denúncias de assédio sexual, “crimes como esse a única materialidade são os relatos das vítimas. Temos de ter respeito em um país patriarcal”, falou a delegada.

Conforme a delegada, após a divulgação dos casos na imprensa mais vítimas procuraram a delegacia. A delegada disse que o número de denúncias aumentou, mas não revelou quantas mulheres já teriam procurado a delegacia.

Maíra explicou que outras pessoas estão sendo investigadas, mas não revelou por quais crimes e nem a quantidade de suspeitos. O inquérito deve ser concluído em 30 dias. Não existe ainda previsão de quando Marquinhos Trad deve ser ouvido.

Já sobre supostas mensagens enviadas pelo secretário estadual de segurança pública, Carlos Videira, a Marquinhos Trad, em que Videira faria ameaças de divulgar os casos de assédio contra o ex-prefeito, a Polícia Civil afirma que se houver denúncia será investigado.

“Se chegar para nós e ter uma formalização, vamos tocar do mesmo jeito, se for da nossa atribuição. Se tiver qualquer situação de A ou B que seja. Se for da nossa competência nós vamos investigar”, disse o delegado-geral, Roberto Gurgel.

‘Eu errei, mas não cometi crime algum'

Procurado pela reportagem, Marquinhos Trad alega que tudo faria parte de uma “armação política daqueles que não querem largar o poder”, para prejudicar a candidatura dele a menos de 3 meses das eleições.

No entanto, confrontado com detalhes dos relatos de uma das mulheres, que relatou um caso extraconjugal e diz ter feito sexo consensual com o então prefeito, Marquinhos Trad admitiu que cometeu adultério com duas das denunciantes enquanto estava na Prefeitura de Campo Grande.