Em relato chocante, atriz Gisele Itiê fala sobre estupro que sofreu aos 17

“Eu me sentia oca. Sentia tanto quanto não sentia nada”

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

“Eu me sentia oca. Sentia tanto quanto não sentia nada”

Os abusos sexuais e psicológicos fazem parte da vida de muitas mulheres ao redor do mundo. Algumas famosas, inclusive, já revelaram ter sofrido com esse problema também. Uma delas é a atriz Giselle Itié, 34 anos, que fez um depoimento chocante à revista Glamour em que conta, com detalhes, o estupro que sofreu pelo homem que confiava, aos 17 anos e virgem.

No fim do ano passado, a atriz contou parte do drama vivido em uma campanha de combate à violência contra a mulher, intilada ‘Nem Uma a Menos’ e postada em sua conta no Instagram. “Um dia, ele (o namorado) insistiu para sair, eu só pedi dois sucos de laranja. No dia seguinte, acordei machucada, mordida e com sangue. Dentro de tanta dor e confusão eu ainda tinha que me sentir culpada por não me casar virgem? Educação machista”, denuncia.

Gisele Itiê nasceu no México, mas tem nacionalidade brasileira. Em sua nuca, ela tem tatuada a frase “Veritas vos liberabit”, que significa “A verdade vos libertará”.

 

 

Um vídeo publicado por GiseLLe ItiÉ (@gitie) em

Confira trechos do relato dado à Revista Glamour Brasil:

“Era uma vez uma menina nascida em uma família amorosa, unida e machista: eu. Quando pequena, meus ídolos eram a Mafalda, a menina inconformada que levantou a bandeira da justiça, da paz e da igualdade, e o Hulk… Mas o tempo foi passando e, de Mafalda e Hulk, passei a gostar das princesas encantadas de Walt Disney, lindas com seus vestidos à espera do príncipe para o “felizes para sempre”. Na minha época, não existia Frozen. Pena.

A educação machista foi me moldando: ‘Menina de família não dança desse jeito!’; ‘Feche as pernas, endireite as costas! Isso não é jeito de menina sentar’. Seguia essa educação, mas a questionava.

Pedia para fazer teatro, mas ser atriz não era para uma mocinha de família como eu. Cheguei a morar no México com meus tios para estudar teatro sem que meus pais soubessem. Eu era uma princesa rebelde, mas minhas primas mexicanas me ensinavam a ser uma menina para casar.

Quando tinha 17 anos, deixei de lado o sonho de ser atriz. Estava me preparando para entrar na faculdade de jornalismo e namorava um cara 15 anos mais velho. No início, meus pais surtaram, mas, com tempo, o X passou a fazer parte da família. Meu príncipe era um cara extrovertido, romântico, galã de comerciais. Em dois anos iríamos nos casar. Além disso, respeitava minha virgindade e minha vontade de casar assim.

Uma noite estávamos em um restaurante, e um moço me chamou para ser modelo, me entregando seu cartão. Voltei à mesa, e X ficou bravo. Ele podia ser modelo, eu não.

Até que um dia me chamou para viajar com a família dele. Disse que não aguentava mais ter um relacionamento com ‘uma criança de 17 anos’ e me pressionou ‘amavelmente’ para viajar com ele. Meus pais, infelizmente, me deixaram ir. Antes de viajar, minha mãe me orientou: ‘Não coloque nenhuma gota de álcool na boca!’.

Em uma das noites, ele pegou pesado. Quando me dei conta, meu namorado foi substituído por um estranho ofegante que não queria me escutar. Implorei para ele sair de cima! Quando comecei a chorar, ele decidiu parar e saiu do quarto magoado. Eu fiquei com uma mistura de alívio e culpa.

No dia seguinte, X pediu desculpas, disse que me amava e garantiu que iria me respeitar.

Escureceu, e ele teve a ideia de irmos a uma boate. Eu, minha cunhada, todos falamos não, mas ele me convenceu. Chegando lá, lembrei da minha mãe e pedi um suco de laranja com bastante gelo no bar. Ele sorriu para mim. Pensei no quanto ele era lindo, dei um beijo nele e disse: ‘Te amo e vou ao banheiro’. Fui. Voltei. Bebi. Fim. MENINAS, TOMEM CONTA DOS SEUS CO(R)POS!Quando tinha 17 anos, fui estuprada pelo último homem que eu poderia imaginar. Quando tinha 17 anos, o castelo caiu e fiquei soterrada. X me desejou ‘boa-noite’ e me chamou de ‘Cinderela’.

Acordei. Olhei para o lado e lá estava ele, dormindo. Olhei melhor e o vi nu. Susto. Me olhei. Nua. O chão forrado de garrafas vazias. Eu forrada de amnésia. Foi difícil sentar. Então vi o que eu já imaginava. Perdi a virgindade. Me perdi.

Sem saber o que fazer, me tranquei no banheiro. Senti nojo de mim, vergonha, medo. O que aconteceu? Notei meu corpo machucado, roxo, mordido. Não conseguia pensar nem chorar. Só queria o abraço da minha mãe.

Como zumbi, fui para o chuveiro e tentei me limpar, tirar a sensação de sujeira. Embaixo da água, me senti de alguma forma protegida. E chorei. Me dei conta de que não era pesadelo quando escutei o X batendo na porta. Num dado momento, me levantei aos prantos e exigi, do outro lado da porta: “Quero ir para a minha casa agora!”. Ele tentou dizer que não dava e entrei em surto. X concordou em me levar.Em casa, contei tudo para minha mãe. Éramos duas mulheres chorando. Também vítima da sociedade machista, ela não sabia o que fazer. Se sentia culpada, teve medo de contar para meu pai, pois sabia que o mexicano iria atrás do X e a família Itié iria desmoronar. Por isso, decidiu não contar, e eu entendi. Mais tarde, ela foi atrás do X e bateu nele.

Eu? Eu me sentia oca. Sentia tanto quanto não sentia nada. Com a ajuda do tempo, da minha mãe e da terapia, comecei a me reencontrar.

Hoje, tenho consciência de todas as situações violentas pelas quais passei simplesmente por ser mulher. Estamos (sobre)vivendo na cultura do estupro. A cada 12 segundos uma mulher sofre violência no Brasil. Ou seja, todo movimento é importante para chegarmos mais perto do fim da desigualdade de gênero. Foi duro escrever este texto, mas isso me fortaleceu ainda mais. Meninas, precisamos nos unir! 

Conteúdos relacionados