Quem foi e como morreu Fatinha, a menina do túmulo que sai ‘água milagrosa’ em Campo Grande
Casa onde Fatinha viveu segue intacta e mãe dorme todos os dias ao lado da porta que a filha não conseguiu abrir. A família conta como a menina era em vida
João Ramos –
Notícias mais buscadas agora. Saiba mais
Quarenta e três anos já se passaram desde que a menina Fátima Aparecida Vieira faleceu aos 7 anos de idade em Campo Grande. Poucos meses após sua morte, a garotinha ganhou fama de milagreira, principalmente pelo fato de seu túmulo, no Cemitério Santo Amaro, liberar uma suposta água com poder de cura. Mas, quem foi Fatinha? Como e onde a pequena vivia? E, de que maneira a família encarou o luto?
Quatro décadas depois, o Jornal Midiamax localizou os familiares da menina, os mesmos que conviviam com ela na época da tragédia. Em maio de 1979, ao chegar da escola, Fátima se trancou em um quartinho para rezar à Nossa Senhora, quando acabou derrubando uma vela acesa em seu vestido. A porta problemática não abria de jeito nenhum e as chamas tomaram conta de seu corpo. Em meio aos gritos de desespero, a família pediu para que ela passasse a chave pelo vão debaixo da porta e o cômodo finalmente pôde ser aberto.
Por incrível que pareça, Nair Maria de Jesus, a mãe de Fatinha, vive até hoje na casa em que tudo aconteceu. O imóvel, localizado na Vila Ipiranga em Campo Grande, está do mesmo jeitinho de quando Fátima vivia ali. As cores rosa e azul adoradas pela mãe e já desgastadas com o tempo, os móveis de tijolo, as janelas, o piso… e, principalmente, o quartinho do acidente. Até a porta e o prego em que a chave do cômodo estava pendurada permanecem intactos.
Local da tragédia
Aos 87 anos, dona Nair está acamada e não anda há três anos, depois que levou um tombo e quebrou o fêmur. Ela também perdeu a visão e tem problemas de audição, mas se comunica bem e lembra muito da filha. A cama da idosa fica no meio da sala, hoje transformada em seu quarto, bem ao lado da porta do cômodo onde Fátima se queimou.
Do seu lado esquerdo, na cômoda, há um altar com inúmeras fotos da filha, e uma garrafa de vidro com a água que sai do túmulo de Fatinha. Na parede acima da cama, mais fotos da menina. No coração, muito amor e saudade. Chegando aos 90, Nair não esquece de Fátima por um dia e recorda o sofrimento causado pela perda precoce.
“Lembro que ela rezava, pedia pelo povo, era muito boa. Ia pra escola e levava lanche para as crianças. Aquele tempo eu era mais ou menos de vida, fazia tudo por ela. Eu senti quando perdi minha filha, fiquei louquinha. Fiquei 41 dias no túmulo da Fátima sem beber e sem comer, com a companhia dela do lado”, relembra Nair.
Porta que Fatinha não conseguiu abrir segue intacta
Paulo Eduardo Vieira, irmão de Fátima, acompanhou nossa visita. Oito anos mais velho, ele já era um rapaz quando perdeu a irmã. Na casa, viviam ele, Fatinha, a mãe e o pai, que faleceu em 2001. Hoje, Paulo tem 59 anos e é aposentado. Já não vive com a mãe, mas passa o dia cuidando dela, até seu filho, que mora com a avó, chegar à noite e monitorar dona Nair.
Da única irmã, que perdeu tão cedo, ele também tem suas lembranças. “Essa é a casa onde ela nasceu e foi criada. Aqui ela deu os primeiros passos e os últimos, foi aqui que aconteceu a tragédia”, diz Paulo, mostrando a porta do cômodo em que Fatinha derrubou a vela.
Na frente da equipe do MidiaMAIS, Paulo tentou abrir aquela mesma porta que Fatinha também tentou há 43 anos e não conseguiu. Essa porta nunca fecha, mas quando forçada, emperra e é necessário um esforço tremendo para abri-la.
Percurso de Fatinha
Ele apontou no portal o prego onde a chave do quarto estava pendurada e contou que Fátima pegou a chave dali, entrou no quartinho e se trancou. “É a mesma porta e o mesmo prego que estão aí até hoje, não mexemos em nada. Só está cheio de tranqueira aí dentro”, afirma.
Na sequência, o aposentado mostrou o percurso que Fatinha fez quando finalmente saiu do local em chamas, foi até o lado de fora da casa e se ajoelhou pedindo perdão. Os familiares estavam na varandinha de frente par a residência quando começaram a ouvir os gritos.
“Pediu perdão pra Deus e pra mim três vezes”, conta Nair, sobre a atitude que a menina de 7 anos teve antes de morrer. “Foi nesse ponto aqui que ela ajoelhou. Minha prima veio correndo, cobriu ela com um lençol e já levaram para o hospital. Ela ficou bem, tava recuperada, fui lá, falei com ela, mas três dias depois faleceu, mesmo sem ferimentos graves. Foi uma coisa que não tem explicação”, recorda o irmão.
Sobre o luto, é a imagem de dona Nair que vem à cabeça. “Tive um sofrimento calado, mas minha mãe sofreu muito. Ela saía cedinho com a nossa vizinha e ficava lá no túmulo até de noite. Ficou não sei quantos meses sem comer e emagreceu muito”, conta.
Lembranças de irmão
As recordações da irmã também são muito vivas em sua memória. Fatinha estudava na Escola Particular Nossa Senhora Auxiliadora, perto de casa. O colégio, segundo os familiares, não existe mais, mas era onde a menina amava estar.
No dia da tragédia, a professora pediu para os alunos rezarem à Nossa Senhora para se saírem bem na prova que seria aplicada. A família conta que Fátima chegou em casa, tirou o uniforme, pegou a chave pendurada acima da porta, entrou no cômodo, e o resto todos já sabem.
“Ela tinha uma alegria em doar pra quem precisava, levava até por debaixo da roupa as coisas de comer para as guriazinhas que passavam necessidade na rua. Um dia, a Fátima saiu correndo com uns ovos na mão pra levar e eles escorregaram e caíram no caminho. Então era assim, ela gostava de ajudar. No recreio, quando levava lanche, ao invés de comer, dava pra quem estava com fome. Era muito dedicada”, comenta Paulo.
Fé: água milagrosa em túmulo
Dona Nair passou anos sofrendo, mas a fé no poder de cura da filha e o misticismo acerca do túmulo lhe deram força para continuar. A mãe relembra a euforia dos campo-grandenses quando o líquido milagroso começou a sair do túmulo da menina.
“Essa água apareceu e começou a curar. E o povo brigando por causa da água, meu Deus do céu”, diz a idosa. “Por isso começamos a misturar. O povo naquele tempo era capaz até de quebrar a capela, eles queriam água de todo jeito. Pra uns aparecia e pra outros não. O povo ficava alucinado com isso e nunca mais paramos de misturar”, completa Paulo.
Eles contam que bebem a água milagrosa todos os dias e usam o líquido para tudo. Na casa, inclusive, há uma garrafa de vidro cheia do fluído que a família vai repondo com água normal e não deixa secar. “Coloco na água do banho… Vamos tomando e vamos enchendo. Nunca deixamos acabar, desde que começou a minar do túmulo”, revela o irmão de Fatinha.
Dia de Finados
No Dia de Finados, é tradição campo-grandense há 43 anos visitar o túmulo de Fátima. Fiéis e devotos entregam cartinhas agradecendo ou pedindo, fazem suas preces e saem levando um pouco da água milagrosa. É a própria família que arca anualmente com os custos e prepara o túmulo para visitação dos fiéis (saiba mais sobre o túmulo clicando aqui).
Paulo compra os jarros e filtros e pinta na cor rosa. Para a reforma da capela, a família às vezes recebe doações, como aconteceu este ano, quando um devoto de Fatinha procurou os parentes e se ofereceu para custear a obra.
O irmão também paga uma mulher para ficar enchendo os potes do cemitério com água e pingando as gotas do líquido armazenado em casa. Detalhes sobre a devoção e as visitas no dia de Finados podem ser conferidos neste link.
Milagres
Os relatos de milagres realizados pela menina Fátima são inúmeros. Questionados se já receberam algum, Nair e Paulo afirmam: “Milagre é a nossa saúde. A paz, ver a fé dos outros”, diz ele. “É sorte boa, bons amigos”, completa Nair.
Se lembram de alguma graça marcante realizada por Fatinha, eles dizem que nenhuma específica, mas mencionam as cartinhas deixadas no túmulo. “Tem cada coisa que você lê nas cartas de agradecimento que você até se pergunta: ‘será que isso aconteceu mesmo?’”, afirma o irmão.
Acamada por ter fraturado o fêmur, dona Nair acredita que a filha está ajudando em sua recuperação. “Graças a Deus já tô dando uns passos, né Paulo? Tem muita lembrança e graça dela… Ê menina que fez milagre foi essa, viu. Curou muita gente… e tá curando”, conclui a mãe.
Fátima nasceu no dia 8 de dezembro de 1971 e faleceu em 22 de maio de 1979, aos 7 anos de idade. Se estivesse viva, ela completaria 51 anos daqui alguns dias.
Beatificação de Fatinha
Procurada pela reportagem do Midiamax, a Arquidiocese de Campo Grande não respondeu sobre um possível processo de beatificação da santa Fatinha ou “Aparecidinha”, como é popularmente chamada por seus fiéis.
O MidiaMAIS questionou a Arquidiocese a respeito dos milagres que teriam sido realizados pela menina, seu reconhecimento como beata e a visão da Igreja Católica sobre a garotinha que é considerada santa milagreira em Campo Grande.
Até a publicação deste texto, a Arquidiocese não respondeu e nem esclareceu se alguém já abriu ou solicitou um pedido de beatificação para Fatinha.
Paulo Eduardo Vieira afirma ao Midiamax que a família nunca entrou nesse mérito. “Muita gente já tocou nesse assunto, todo ano falam para nós, mas a gente não entende, não tem conhecimento. No dia de Finados, sempre vem alguém falar nisso, mas nunca ninguém da família manifestou porque não tem conhecimento e não sabe”, finaliza o irmão de Fatinha.
💬 Fale com os jornalistas do Midiamax
Tem alguma denúncia, flagrante, reclamação ou sugestão de pauta para o Jornal Midiamax?
🗣️ Envie direto para nossos jornalistas pelo WhatsApp (67) 99207-4330. O sigilo é garantido por lei.
✅ Clique no nome de qualquer uma das plataformas abaixo para nos encontrar nas redes sociais:
Instagram, Facebook, TikTok, YouTube, WhatsApp, Bluesky e Threads.
Notícias mais lidas agora
- Sargento da PM preso por provocar acidente embriagado na Euler de Azevedo ganha liberdade
- VÍDEO: Porco é flagrado ‘passeando’ na Euclides da Cunha
- Bolsa-Família inicia pagamentos de janeiro nesta segunda-feira; confira o calendário
- Apostas feitas em MS ganham premiações parciais nas Loterias sorteadas neste sábado
Últimas Notícias
Dono de tabacaria é preso após dois menores serem flagrados consumindo bebida alcoólica
Vizinhança denunciou perturbação do sossego e rua estava bloqueada por frequentadores do estabelecimento
Morre aos 58 anos, Lucineia Padilha investigadora da Polícia Civil de MS
A investigadora lutava contra um câncer
Após sair de bar, homem é agredido e assaltado na região central de Campo Grande
A vítima foi socorrida para a Santa Casa
Irmãos são presos após agredir mulher e polícia encontra diversas armas no interior de MS
A vítima seria esposa e cunhada dos autores
Newsletter
Inscreva-se e receba em primeira mão os principais conteúdos do Brasil e do mundo.