Críticas a comercial de carro com casal gay nas redes indicam ‘masculinidade frágil’, diz especialista

Especialistas comentam necessidade de motoristas em se distanciarem do que é representado no comercial

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masculinidade frágil
Comercial se tornou uma das postagens mais curtidas na página da montadora.

Entre intervalos de jornais, comerciais de rádios ou ao rolar o feed de alguma rede social, encontramos comerciais dos mais variados veículos e marcas. Alguns apostam nas imagens de fazendas, outros em ambientes luxuosos. Entretanto, um comercial chamou atenção e gerou repercussão nos últimos dias. Se trata de um casal animado com a aquisição de um veículo novo.

A campanha apresenta três personagens: o carro, um homem adulto e outro homem adulto. O casal? Formado pelos dois homens. Como já esperado pela equipe — que utilizou do poder da marca para dar ênfase ao tema ou só buscava engajamento nas redes — o comercial se tonou um dos assuntos mais comentados do Twitter, gerou vídeos no Tik Tok e diversas postagens no Facebook. Grande parte com críticas, piadas e deboche.

Em um grupo do Facebook, voltado para usuários interessados em assuntos automobilísticos, um participante publicou o comercial pedindo a opinião dos colegas. “Em carro de boi0l@ eu não me enquadro”, respondeu um participante.

As respostas seguem o mesmo padrão. Alguns debocham de quem possui o modelo ou fazem piadas sobre não comprar mais o carro. Para fugir da comparação, os proprietários ressaltam que versões antigas não são afetadas. Para a pesquisadora, professora e jornalista, Nealla Machado, os comentários expõem a “masculinidade frágil” de seus autores.

“É como uma tentativa de autoproteção. São dois homens comprando um carro, apenas uma propaganda comum. A masculinidade [das pessoas que criticam o comercial] é tão frágil que a pessoa precisa se diferenciar desses homens [que aparecem no comercial]: ‘somos mais machos’”, comentou.

O professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e coordenador do SEP (Serviço Escola de Psicologia), Alberto Mesaque Martins, comenta ser necessário analisar o episódio de forma mais ampla e não julgar unitariamente a atitude e o indivíduo. “A homossexualidade sempre existiu, mas existem diversas instituições que tentam naturalizar a relação heterossexual como única forma de desejo”.

“Nós chamamos isso de dissonância cognitiva. Essas imagens não se encaixam naquilo que a gente aprendeu desde criança. É quase se a gente não conseguisse encaixar a imagem de dois homens comprando um carro”, comentou.

Para ele, o choque foi causado pela forma em que o casal foi apresentado. “Nós somos acostumados a ver homossexuais em situações de descriminalização, apanhando em novelas e filmes ou até mesmo apresentados como uma caricatura. Diferente de ver realizando atividades normais, que também realizamos, como comprar um carro”.

Com duas mulheres não houve crítica

Apesar da repercussão, a marca não pode ser considerada pioneira. O tema já foi levantado — dessa vez, sem cunho comercial — pelo piloto Lewis Hamilton, que utilizou um capacete com as cores da bandeira LGBTQIA+ com a frase “Love is Love” (Amor é Amor) nas etapas do Catar e da Arábia Saudita.

Em 2007, a Chevrolet insinuou o beijo entre duas mulheres na propaganda do Vectra GT. Curiosamente, o comercial não recebeu críticas. Ainda que de forma mais tímida, a propaganda apresentava personagens parecidos. Para Martins, a duplicidade das reações entre os dois comerciais é intrínseco ao público majoritário da marca. “No campo dos gêneros, duas mulheres juntas se torna um objeto de desejo. Diferente de quando temos a quebra da norma de gênero, colocando em risco todo o poder masculino que gira o mundo”.

Para exemplificar, o professor comenta sobre um estudo que participou, em que foram analisados discursos do presidente da república, Jair Bolsonaro, sobre o suposto kit-gay distribuído em escolas. “Não era falado sobre as meninas e sim sobre os perigos gerados aos meninos. Pouco se importam pelas mulheres, porque consideram que elas estão em um espaço subalterno da sociedade, ao contrário dos homens, que precisam reafirmar a masculinidade para manter esse nível de poder”.

Monza Clodovil sem sintomas de masculinidade frágil

Antes mesmo da Volkswagen, Lewis Hamilton ou o Vectra GT. A Chevrolet já utilizava homossexuais em suas campanhas de marketing. Em 1982, foi assinado o Chevrolet Monza Clodovil, assinado pelo próprio estilista. Não se tratava de um lançamento oficial da marca, mas sim de uma concessionária, apesar disso, o aval existiu.

Na época, Clodovil vivenciava o auge de sua carreira como estilista, conquistando um grande público feminino com declarações polêmicas e apresentando programas em redes de televisão. Na época, a ideia era clara: atrair a atenção e interesse do público feminino para o carro recém-lançado no Brasil.

A versão se tornou uma das mais raras do modelo, se sagrando o mais vendido do Brasil.

(Foto: Divulgação/Chevrolet)

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